Resgatar o Brasil: o que não faltará é dinheiro

Ladislau Dowbor e Daniel Conceição demonstram: o neoliberalismo fiscal está em crise. Um novo governo terá meios para ampliar direitos sociais, renovar infraestrutura e gerar milhões de ocupações. O essencial é recriar horizonte político

Entrevista a Antonio Martins

MAIS
> O texto a seguir foi construído a partir de entrevista com Daniel Conceição e Ladislau Dowbor, que está transcrita ao seu final. Acesse também as versões em vídeo (link acima) ou podcast (abaixo).

> O projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras quer debater ideias-força para a reconstrução do Brasil em novas bases, pode ser conhecido aqui.

Reconstruir o Brasil em novas bases exigirá muitos atributos: inteligência, horizontes, planejamento, trabalho, recursos, estratégia política. Mas na noite de 8 de julho, quando abriram a série de diálogos do projeto Resgate, Ladislau Dowbor e Daniel Conceição, dois economistas de origens e trajetórias muito distintas, ajudaram a desfazer um bloqueio. Eles concordaram que, a uma sociedade e um novo governo empenhados na transformação do país, não faltará dinheiro. A consonância em torno desta possibilidade não representa pouco. Ao longo das últimas quatro décadas, o pensamento econômico neoliberal sustentou que tal projeto era impossível. A obrigação essencial dos governantes, dizia-se, era cumprir uma “disciplina fiscal” que impedia qualquer passo mais ousado – e restringiu, mesmo no período dos presidentes de esquerda, ações decididas rumo às reformas estruturais.

Agora, este consenso está sendo desmentido, mostraram Dowbor e Conceição. Os sinais mais claros vêm, por enquanto do plano internacional. Os Estados Unidos desencadearam, após a eleição de Joe Biden, um programa de socorro às famílias, de geração de ocupações e de investimentos em infraestrutura e tecnologia que é, sozinho, 2,5 vezes maior que a economia brasileira. A China alcançou, muito antes, êxitos notáveis nos campos econômico, social e – mais recentemente – ambiental precisamente por ignorar o princípio segundo o qual os Estados “estão limitados a gastar apenas o que arrecadam”. E, além destes casos emblemáticos, há a experiência da pandemia. Em emergência, para evitar um naufrágio ainda maior, praticamente todos os governos multiplicaram seus gastos – inclusive o do Brasil, onde o Palácio do Planalto sabotou o combate à pandemia mas foi obrigado a pagar, por nove meses, um auxílio emergencial de R$ 600.

Qual o segredo deste início de virada? E até onde ele pode nos levar? Dowbor e Conceição argumentaram que no âmago da mudança está uma nova compreensão, desmistificadora, sobre o papel do dinheiro. Para os Estados, a moeda nacional não é nem um ente místico, que só pode ser criado por uma classe especial de financistas, nem um bem escasso, que precisa ser obtido da sociedade por meio de impostos. Os Estados produzem a moeda – esta, portanto, jamais lhes faltará. E ao fazê-lo podem modificar o balanço entre as riquezas dos diversos atores sociais. Emitir trilhões de dólares em favor dos credores da dívida pública, como se fez em todo o mundo, nas crises financeiras de 2008 e 2020, enriquece os super-ricos, o 0,1%. Não foi à toa, lembrou Ladislau, que nos quatro primeiros meses de pandemia os 42 bilionários brasileiros ampliaram suas fortunas em R$ 180 bilhões – o equivalente a seis anos de bolsa-família, que beneficia 30 milhões de pessoas.

Mas emitir moeda em favor do Comum tem o efeito oposto, frisou Conceição. Se o Estado assegurar que a Educação e a Saúde pública serão as de excelência, uma vasta parcela da população se verá desobrigada de pagar planos e mensalidades privadas. Se a sociedade estiver disposta a respaldar um programa de transformação da infraestrutura que assegure saneamento para todos, despolua os rios urbanos, transforme as periferias e construa redes de metrô nas metróples, dezenas de milhões de empregos dignos podem ser gerados. Os mesmos mecanismos monetários e financeiros que hoje aprofundam a desigualdade podem ser revertidos e agir em sentido contrário. Não falta dinheiro – e sim, vontade política. Mas para reacender esta vontade é essencial superar a impotência gerada pelo medo de desobedecer a “disciplina fiscal” que favorece o 0,1%.

A emissão de moeda não produzirá hiperinflação? Ladislau e Daniel contrapuseram a esta verdade de almanaque um pensamento muito mais sofisticado. Uma inflação “de demanda” pode ser provocada, argumentaram, quando se busca tirar da economia aquilo – recursos ou força de trabalho – que ela não tem condições de oferecer. Uma Renda Básica exorbitante produziria o desejo adquirir o que não se pode, nas condições atuais, produzir.

Mas o cenário da economia brasileira é oposto a este. O problema é que os recursos existentes são desaproveitados, porque o neoliberalismo fiscal e as estruturas seculares de injustiça impedem utilizá-los. A produção está abaixo do nível de 2011, lembra Ladislau. Há uma multidão de desocupados ou subocupados: gente que não encontra trabalho, ou é obrigada a exercer atividades muito aquém de sua qualificação. A indústria opera com quase 50% de capacidade ociosa. Há um gigantesco desperdício da terra: uma superfície equivalente à de cinco Itálias está destinada à especulação fundiária ou reservada a atividades pouquíssimo intensas, como a pecuária extensiva. A “inflação de demanda” está, portanto, a anos-luz de distância. Há enorme espaço para mobilizar a potência desaproveitada do país, se houver horizonte político para tanto.

Isso significa, então, que não necessitamos de uma Reforma Tributária? Errado, argumenta Daniel Conceição. O Estado não precisa desta reforma para emitir dinheiro. Mas ela é um instrumento indispensável de justiça social e de regulação econômica. Por meio dela é possível reduzir a concentração de riquezas, que a atividade produtiva acaba muitas vezes ensejando. E se dissuade o consumo de bens e serviços que podem produzir danos aos indivíduos (tabaco e álcool, por exemplo), ou à sociedade (como automóveis, transações financeiras especulativas ou imóveis de luxo).

E qual o sentido político mais amplo desta nova concepção sobre o dinheiro? Ladislau enxerga a possibilidade de enfrentar a grande chaga social dos últimos 40 anos: a desigualdade. O mundo já gera bens e serviços suficientes para oferecer, a cada família de quatro pessoas, o equivalente a R$ 20 mil mensais. Mas os abismos na apropriação da renda e da riqueza estão devastando a coesão das sociedades e ameaçando as bases da própria democracia. Daniel pensa em Karl Marx. Uma das marcas do processo de alienação, descrito pelo filósofo, é o fato de os seres humanos não produzirem o que lhes é necessário – mas apenas o que pode ter valor monetário. Se a moeda for produzida e pensada coletivamente, e converter-se em instrumento para mobilizar as energias necessárias para autotransformação social, estaremos de algum modo superando os limites do capitalismo

Eis a transcrição do diálogo:

Antonio Martins: Olá pessoal, eu sou Antonio Martins, editor do site Outras Palavras. E nós estamos lançando hoje uma nova iniciativa, chama-se Resgate, é um projeto para discutir o país na nova situação política que está se formando agora, a partir de julho de 2021, e que deverá se estender até as eleições de 2022. Esse cenário é marcado e vai ser marcado, possivelmente, por turbulências.

Nós tivemos, ontem, a declaração do ministro da defesa dizendo impor limites para a CPI que investiga as falcatruas do governo Bolsonaro, em relação as vacinas. Nós tivemos hoje uma nova pesquisa, que mostra que está despencando de novo, continua a despencar a popularidade do Bolsonaro e, por meio do Resgate, nós queremos ir um pouco além da simples discussão da conjuntura.

Nós achamos que tem dois fenômenos de enorme importância, ocorrendo no Brasil. Um é a possibilidade real, que agora parece mais nítida, de derrotar o projeto fascista no Brasil. Há 6 meses isso parecia um pouco mais distante, parecia que a gente vivia um pesadelo interminável, mas agora, as manifestações de rua, a CPI demonstrando a falsidade do discurso anti-establishment, que foi o discurso em que o Bolsonaro tentou se apoiar, a queda de popularidade, tudo isso demonstra que essa luta pode dar resultado, o que não será pouca coisa, será uma grande coisa, nessa situação difícil que o mundo atravessa.

Mas o Resgate pretende dizer também que nós precisamos ir além da volta ao chamado velho normal. porque foi o velho normal que nos trouxe até aqui. Quando a gente fala em velho normal, fala de dois processos que se imbricam, um processo são os 500 anos de colonização, a desigualdade, os privilégios, a segregação social que vai assumindo, cada vez, novas formas. E outro processo, que monta em cima desse, é o processo dos 40 anos de neoliberalismo, porque justamente quando a sociedade brasileira, num processo que durou mais de uma década, começou a se enxergar, chegou à constituição de 1988, começou a assegurar alguns direitos, entrou o dogma que foi aceito, segundo a qual as sociedades e os Estados não podem definir medidas de futuro, têm que obedecer a uma disciplina fiscal rígida, ou então serão punidas gravemente.

Esse discurso marcou 40 anos, influiu inclusive nos primeiros governos de esquerda, e mais do que nunca, se tornou hegemônico depois do golpe de 2016, depois do Bolsonaro. Pois bem, a gente acha que essa possível vitória contra o bolsonarismo, tem que ser também a possibilidade de enxergar o que esses 5 séculos de colonialismo fizeram com o Brasil, e como o neoliberalismo aprofundou esse processo e existe uma brecha. É por isso que nós estamos aqui com dois economistas que lançam esse Resgate.

Muito prazer, Ladislau! Ladislau é um economista que atua, há décadas, na luta de reconstrução de países destruídos pela colonização, pela guerra. Foi consultor da ONU, em diversos países da América Latina, da África, consultor, justamente, para estimular processos de desenvolvimento. Mais recentemente, o Ladislau mergulhou de forma muito criativa e muito profunda no estudo da financeirização, dessa chamada nova etapa do capitalismo, e no que ela significa para as sociedades. Produziu um livro que nós tivemos a honra de ser coeditores, “A era do Capital Improdutivo”.

Nós temos também o Daniel Conceição. Daniel Conceição é um jovem economista, um economista que, como nós estávamos conversando aqui, trata da economia como uma ciência social, uma ciência política, uma ciência voltada para a garantia do bem-estar e das melhores condições de vida para todos. É um articulador de um fenômeno novo, talvez a economia, essa ciência que foi tão marcada por simplesmente reproduzir as injustiças, ela tem criado, mais recentemente, uma geração de jovens profissionais, mulheres e homens, muito contrárias a esse ponto de vista, ligadas à economia como uma ciência para assegurar a igualdade. O Daniel é um dos articuladores, aqui no Brasil, de uma ideia que é a Teoria Monetária Moderna, que ele vai explicar um pouquinho melhor aqui. É um dos criadores de uma nova organização que trata disso, que é o Instituto das Finanças Funcionais.

Bem, expliquei que o objetivo de trazer dois economistas é que talvez aí esteja um ponto fraco do neoliberalismo. Nos últimos meses, nos últimos anos, o Ladislau é um estudioso disso, a Ásia e a China, em particular, demonstraram como neoliberalismo podia ser vencido com grandes benefícios para as sociedades. Isso repercutiu mais fortemente no Brasil, nas últimas semanas, ou meses, talvez quando o John Biden lançou um conjunto de medidas, de pacotes de estímulo à economia, ao desenvolvimento tecnológico, à mudança da infraestrutura, ao socorro às famílias, aos estados, às empresas, e desafia a ideia da ortodoxia econômica.

Então, muito provavelmente, uma possibilidade de vencer essa ideia da submissão da sociedade aos mercados, a partir de um processo de retomada do investimento público, de combate à ideia de austeridade, à ideia de ajuste fiscal. Nós vamos estabelecer um diálogo com Ladislau e com o Daniel, exatamente sobre isso, na próxima hora.

Antes, como nós estamos começando esse ciclo do Resgate, a gente queria colocar uma saudação no ar, colocar no ar uma saudação, do Daniel Santini, que é parceiro desse projeto, é o diretor de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, no Brasil, é um entusiasta do projeto do Resgate, ele mandou aqui, de três minutos, a gente vai colocá-la no ar e passar imediatamente à conversa com o Daniel e com o Ladislau. Vamos lá!

Daniel Santini: Começa agora a série Resgate, uma iniciativa do Outras Palavras. Meu nome é Daniel Santini, eu sou coordenador de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, organização que está apoiando a série que tem início hoje. Agradeço imensamente o convite para participar da abertura, tenho muito entusiasmo e muita alegria em poder dizer umas palavras iniciais, e me toca até pessoalmente, participar desse evento, por acreditar muito nessa perspectiva que está sendo apresentada, hoje.

A gente tem como horizonte, na discussão nos próximos dias, nas próximas entrevistas, a análise nos próximos textos, de não só problemas, mas também soluções possíveis. A gente precisa disso, no Brasil, hoje, além de apresentar resistência, criticar o que tem que ser criticado, e isso é fundamental, a gente precisa ter um olhar para frente também, precisa ter esperança, a gente precisa pensar em como reconstruir o que foi perdido, nos últimos anos. A gente precisa disso pensando em várias dimensões. A gente precisa ter um olhar múltiplo, integrado.

Ao apresentar vários eixos de análise, procurar ouvir gente que trabalha, milita, estuda, muito tempo em cada um desses eixos, o Outras Palavras faz uma contribuição enorme para a construção de políticas públicas, para reflexão aprofundada sobre problemas e soluções possíveis, no nosso contexto atual. Gosto muito do fato de o Antônio Martins, ao estruturar o programa, não ter soluções prontas, não apresentar aí um manual ou ou algo assim, é muito mais um programa, uma série para se ouvir, se debater, se discutir, de verdade.

A gente tem problemas e a gente tem o espaço aberto para debater soluções. Nesse sentido, além de saudar todo mundo que vai participar, também enalteço a participação do público, que todo mundo que esteja assistindo tenha a chance de mandar uma mensagem, mandar sugestões, mandar encaminhamentos, acho que essa é uma das marcas do Outras Palavras, um público muito ativo e atuante e isso é muito legal também.

Eu agradeço o convite, mais uma vez. A Fundação Rosa Luxemburgo é uma organização alemã que atua em mais de 24 países, com iniciativas de cooperação, de busca de construção de um mundo mais justo e equilibrado, pensando tanto em termos sociais, quanto ambientais. A gente tem muita confiança no trabalho que vai ser feito, e deixa os votos de que esse projeto realmente contribua para que o Brasil avance na construção de políticas públicas e de soluções e utopias. A gente precisa de utopias! Se o cenário é de desesperança, de desilusão, de medo, se a gente tem sofrido muito, com todas as perdas, as mortes, é preciso lembrar de cada pessoa que partiu, seja por omissão, seja por falta de competência, seja por falta de cuidado com a vida. Se o cenário é esse, a gente não pode abaixar a cabeça e desistir! É um dever, é uma questão até ética, manter a esperança e procurar construir, procurar ter uma atitude de ajudar a transformar, seja oferecendo resistência, seja oferecendo, o que talvez seja mais difícil, caminhos e a possibilidade de construção de mudanças. Agradeço todo mundo que está assistindo, acompanhando e, de saída, deixo esses votos de um sucesso enorme para vocês, amigos e amigas, do Outras Palavras.

Antonio Martins: Muito obrigado ao Daniel! É sempre bom lembrar essas vítimas, nós estamos nos recuperando, muito penosamente, de uma situação de tragédia, nós estamos como no luto e na possibilidade de reconstrução, na necessidade de refletir, como os países que são derrotados em guerra. Nossa homenagem a essas pessoas que pereceram, sem necessidade, às pessoas que perderam seu familiares e amigos.

Eu acho que faria uma primeira pergunta a vocês. Ladislau e Daniel, o que é a crise do neoliberalismo fiscal e de que forma ela pode ajudar a construir um novo projeto de Brasil?

Daniel Conceição: Eu acho que o momento que a gente vive, ele deixa muito claro o esgotamento do sistema econômico e de gestão macroeconômica que se acreditava suficiente, se acreditava não, é que se vendia para as pessoas que seria suficiente para garantir o bom funcionamento dos nossos sistemas socioeconômicos. Então, você tinha o os comentaristas, com mais acesso à mídia dominante, por exemplo, quando falavam de economia, diziam que a receita para uma economia que funcione bem, para uma sociedade saudável, é um governo fiscalmente que garanta um ambiente de segurança fiscal, o que quer que isso signifique, para que as empresas possam realizar os seus investimentos, como se a empresa ficasse preocupada com o equilíbrio fiscal para investir mais, né?

Na cabeça dessas pessoas, era isso. E vendiam isso como se fosse a única verdade econômica para a nossa sociedade. E isso foi usado, a ideia de que os governos tinham que manter as suas dívidas sob controle, combater, quando houvesse ameaça de desequilíbrio fiscal, esses Estados deveriam combater esse desequilíbrio, normalmente cortando gastos, e aí viria também o efeito de diminuição da presença Estatal na economia que, para esses comentaristas, também era algo necessário, e que isso seria o suficiente para que a economia tivesse um desempenho razoável e suficiente para o bem-estar da sociedade.

E eles usaram isso durante muito tempo, pelo menos desde 2014, e essa é a visão que no Brasil foi apresentada como única e aceitável no debate. O governo brasileiro precisava controlar as suas contas para a economia funcionar bem, para isso precisa cortar gastos e, com isso, a gente foi convencido de que era necessário realizar reformas de toda a natureza. Foi uma reforma trabalhista, depois uma da previdência, para a gente resolver o suposto problema fiscal. Depois a gente foi pressionado, e continua sendo pressionado, a realizar uma reforma administrativa, também com esse objetivo. E a cada reforma desse tipo, a cada iniciativa desses governos que seguiam esse receituário, não só o o governo Bolsonaro, nem o Temer anteriormente, mas até segundo governo da Dilma, praticou esse tipo de receita, de dizer “não, o problema é fiscal, vamos resolver para tentar fazer economia voltar a crescer”. E isso nunca veio, a economia brasileira – importante que a gente ressalte – já estava em situação muito precária, a gente já tinha uma crise econômica, de desemprego elevado, de estagnação, antes da pandemia. Então a gente já tinha evidências fortes de que aquele modelo era insuficiente.

Agora o que acontece, com a pandemia, é que nós temos a combinação de uma crise sanitária monstruosa, que exige a presença do Estado oferecendo resposta à crise sanitária, é uma resposta material, é tratamento para as pessoas doentes, é renda para as pessoas que têm que praticar isolamento social e não podem receber as suas rendas desenvolvendo as suas atividades na rua e, eventualmente, trabalhar no sentido de uma cura, obter, desenvolver ou obter vacinas.

Então, a gente precisa de um Estado muito presente, gastando muito mais para combater a crise sanitária e as suas consequências econômicas recessivas, porque a crise sanitária trouxe consigo, também, uma crise depressiva muito grande, um choque depressivo, as pessoas não consomem tanto, porque estão em casa, se não consomem, não alimentam de consumo as empresas que vendiam para os consumidores, que agora também têm problema, essas empresas não têm como manter os seus empregados, porque não têm receita, os empregados não têm renda para continuar comprando.

Então você tem um choque depressivo muito forte, que só poderia ser resolvido com a presença forte do Estado oferecendo todo tipo de ajuda, como foi feito no mundo todo, inclusive no Brasil, apesar do governo Bolsonaro que não queria praticar o auxílio emergencial, mas foi pressionado a oferecer um auxílio, generoso no início, e depois começou a trabalhar com mesquinharias crescentes, para manter a população num nível de pobreza compatível com o que quer que seja o projeto de desmonte que eles têm na cabeça. Mas então, essa presença era inevitável, porque sem isso a gente teria o colapso completo das nossas sociedade, e repito, não era só o Brasil, é o mundo todo enfrentando o mesmo tipo de problema. E no mundo todo os Estados foram obrigados a parar com a mentira, porque até então – e a gente tem de novo um exemplo muito claro no Brasil – os Estados diziam, seus governos centrais afirmavam: “não temos dinheiro pra fazer o que o povo exige da gente!”. Essa era a desculpa no Brasil, essa desculpa era apresentada com toda a agressividade de quem se se afirmava dono da verdade. “Não tem dinheiro, o Brasil está quebrado! Acabou! Então a gente não pode, não só não pode oferecer bens e serviços públicos, que a população exige da gente, mas a gente tem que cortar o que já é insuficiente!”. Era esse o argumento: “então, a gente precisa de reformas redutoras do Estado na economia, porque a gente não tem mais dinheiro”.

Só que veio a pandemia, e que aconteceu? Os governos sabiam que sem um aumento dos gastos públicos, não iam segurar aquela crise e, no Brasil, a gente teve uma coisa muito emblemática que foi o Paulo Guedes – que era quem mais mentia que não tinha dinheiro – sendo obrigado a afirmar, em rede nacional, que iria, sim, gastar quanto fosse necessário para combater a pandemia, porque ele iria declarar um estado de calamidade. E depois negociou o orçamento de guerra para que as leis, que impediam o estado de gastar, fossem suspensas. E aí ficou clara uma coisa, nunca tinha sido falta de dinheiro para o Brasil, para o governo brasileiro gastar, assim como no mundo todo, onde os governos usam as suas moedas, nunca houve falta de dinheiro. O que havia no Brasil era falta de autorização legal, eram as leis que a gente, que os nossos legisladores inventaram, porque achavam que havia motivo para ter essas leis, associadas àquela ideia de que a responsabilidade fiscal é sempre bom, e responsabilidade fiscal significa gastar pouco e arrecadar muito. E essas leis impediam que o Brasil tivesse um gasto público do tamanho suficiente para a gente combater a pandemia.

Então, o Paulo Guedes foi obrigado a afirmar “bom, vamos suspender as leis, porque eu não posso gastar”, e quando ele gastou, ele gastou mesmo, né? O governo brasileiro praticou um déficit primário, que é a diferença entre gastos primários, gastos financeiros e arrecadação, na ordem de 700 bilhões de reais. Isso era inconcebível no passado! Para quem acreditava que faltava dinheiro para o governo gastar, 700 bilhões de reais, sem o governo ter nenhuma dificuldade de se financiar – porque depois a gente pode até entrar nesse assunto – mas o financiamento é feito do mesmo jeito, o governo cria moeda quando gasta e, depois disso, ele enxuga parte dessa moeda criada na forma de emissão de títulos, que foi o que aconteceu em 2020. O governo criou, a gente gastou o que tinha que gastar e as taxas de juros não explodiram, não houve nenhum problema, não teve inflação de demanda.

Então, no ponto que eu quero colocar é o seguinte, ficou óbvio, com a pandemia, que os economistas mentiam muito, pra gente, quando diziam que o Governo não podia gastar por falta de dinheiro e que, se gastasse sem dar atenção a esses limites fiscais, haveria uma hecatombe de inflação descontrolada, explosão dos juros das dívidas soberanas… Nada disso aconteceu! Eles são obrigados, agora, a reconhecer que estavam mentindo.

Antonio Martins: A gente volta já a esse discurso, e a como os Estados podem criar dinheiro, as várias modalidades de criar dinheiro e para quem se cria dinheiro. Mas, antes disso, o Ladislau.

Ladislau Dowbor: Olha, eu acho que o Daniel tocou no ponto chave, que é para onde vai o dinheiro, e não é de onde vem né, porque se eu pego um investimento, por exemplo, em saneamento básico real, cada real colocado em saneamento básico, você deixa de gastar quatro reais com problemas de doenças, né? Então, na realidade multiplicou dinheiro. Lembro de um projeto em Moçambique, de uma região muito produtiva em termos agrícolas, mas com péssimas infraestruturas de transporte, ou seja, a perda de produção foi para o gênero. O governo simplesmente abriu uma estrada, gastou os milhões de dólares necessários, mas o resultado, voltou muito mais alimento para a população, muito mais imposto para o governo e gerou mais receita do que o que se colocou.

Então, o dinheiro, as finanças, tem que ser visto como um investimento. Agora, no caso brasileiro, se você anotar o dinheiro, onde realmente é necessário, e que gera efeitos multiplicadores, que você use o endividamento, que use emissão de moeda, que use conversão de reservas cambiais, o essencial é o seguinte : o dinheiro retorna, tá? Esse é o eixo eu trabalhei. Trabalhei na China, trabalhei em muitos países, enfim… quer dizer, o essencial é sempre o seguinte, você orientar os recursos financeiros onde são efetivamente necessários.

Agora, a narrativa que venderam, para a gente, é uma farsa! É um discurso oportunista. Ele disseram “não, nós, ricos, temos que receber mais dinheiro porque nós, com mais dinheiro, a gente investe, isso gera emprego, isso gera prosperidade, né? Certo? E o dinheiro que vai para base da sociedade, o povo consome e pronto, né?”. Isso é uma farsa, porque o dinheiro que está indo lá para cima, vira fortunas financeiras que, no Brasil, não pagam imposto. Lucros e dividendos distribuídos, não paga, não pagou imposto, vai, em grande parte, para paraísos fiscais, entra na financeira e não está se transformando, efetivamente, em investimento. Eu tenho um empresário que escreveu para o Estadão, é um empresário efetivamente produtivo, ele diz: “olha, está realmente mais barato eu investir, sei lá… para que eu vou contratar se eu não tenho para quem vender?”. Então, o mesmo raciocínio que traz o Daniel, o dinheiro que vai para cima, na realidade esteriliza, enquanto o dinheiro que vai para a base da sociedade, ele gera a demanda. Essa demanda gera atividade empresarial mais intensa, não gera inflação, porque no Brasil as empresas estão trabalhando na faixa de 70% da sua capacidade, porque têm dificuldade de expor a produção. Você passa a escoar a produção, as empresas voltam a empregar, né? E tanto o consumo das famílias, que aumenta, como atividade empresarial que se intensifica, geram impostos, geram receitas, para o Estado. Tanto assim, eu fiz um documento, que as pessoas podem pegar lá no meu site, “Contas públicas, entenda a farsa”, não é complicado, qualquer um, em quatro páginas, você vai entender, você vai ver, que o déficit na fase distributiva, Lula, Dilma, era muito pequeno, e a partir de 2014 esse déficit, simplesmente, explode.

O essencial é pensar para onde vão os recursos? Os recursos tem que, no Brasil, melhorar a capacidade de consumo das famílias e tem que financiar as atividades produtivas. Isso vale pra qualquer sistema, China ou Vietnã ou Canadá, o que for, certo? Quer dizer, quando a empresa é produtiva, ela precisa ter gente com dinheiro, para ter a quem vender, e crédito barato para poder investir, financiar produção. No Brasil, não tem nem uma coisa nem outra. Então, isso paralisa. O The Economist, recentemente, ele traz que a economia brasileira está abaixo do nível de 2011, nós estamos em 2021, esse é o nível de paralisia que isso gerou.

Na realidade, o dinheiro está indo para grupos financeiros, tá? Eu uso muito os dados da Forbes, que são características, em plena pandemia você tem, de 18 de março de 2020 a 12 de julho, portanto em quatro meses, com a economia caindo, 42 bilionários no Brasil aumentaram suas fortunas em 180 bilhões de reais, 180 bilhões de reais, são 6 anos de Bolsa Família. Bolsa Família é para 50 milhões, tá? Aqui é para 42 pessoas, 6 anos de Bolsa Família em 4 meses, com a economia caindo, e não pagam impostos porque lucros e dividendos distribuídos não pagam imposto. Quer dizer, isso aqui é uma piada, você não tem economia que funcione assim!

Na economia internacional, eu pego … Ritelli, Ted…, extract capitalism, mas tem gente que chama de capitalismo extrativo. O Instituto Roosevelt faz estudo semelhante, ele calcula que esse enriquecimento dos grupos financeiros, que não produzem, só fazem intermediação financeira, especulação, eles calculam que apenas 10% do que eles captam no sistema de intermediação financeiro, juros, dividendos, etc, apenas 10% voltam pra economia real.

Eu faço os cálculos, nesse livro “A Era do Capital Improdutivo”, me dá a ordem de grandeza 18% de dreno financeiro sobre a economia produtiva. 18% do PIB, é o que se drena anualmente, esse sistema simplesmente se tornou disfuncional. Agora, chamar de austeridade e de responsabilidade, isso é uma piada, porque quando você extrai dinheiro do sistema produtivo, você está gerando austeridade para quem já é austero, que quer a massa da população, e você entope de dinheiro quem está entupido de dinheiro, que são os grupos mais mais ricos. Esse negócio simplesmente não funciona! Eu acho então, isso aqui que chamam de economia heterodoxa que, para mim, isso aqui é uma farsa né?

Deixa eu eu só fechar com esse mecanismo, que é básico. Tem o capitalismo que a gente tem que respeitar, o cara quer investir em produção de sapatos, ele gera emprego, ele compra máquinas, dinamiza atividades econômicas, o sapato que ele produz é bom, as pessoas vão poder usar, é gerar emprego, a gente chia que está explorando, mas está gerando emprego, está pagando imposto, o que permite a economia gerar.

Esse sistema financeirizado, porque esse é o núcleo do problema, esse sistema financeirizado, são grupos financeiros, é gente que não produz nada. Eu vejo essa essas fotos dos bilionários, no Brasil, os bilionários brasileiros adoram aparecer na capa da Forbes, é a glória, mas você conta nos dedos gente que produz alguma coisa, é um sistema extrativo e que deformou completamente o próprio capitalismo.

Por isso que, apesar dos avanços tecnológicos muito grandes, a economia mundial em geral, com exceção da China, de outros países que têm outra visão do uso dos recursos financeiros, está basicamente parada.

Antonio Martins: Mas pelo que você está falando, e o Daniel falou também, Ladislau, nós estamos – é tese do seu livro – nós estamos numa era em que esse mecanismo não funciona mais, o sistema não gera mais trabalho, não gera mais consumo, não se retroalimenta, porque existe um determinado setor que drena esse recurso todo. Então, num certo sentido caberia, não mais aos capitalistas tradicionais, mas à sociedade, por meio do Estado, fazer esse conjunto de investimentos que o sistema não faz mais. E não faz, não é só no Brasil, na Europa nós vivemos, nesses últimos 40 anos todos, o declínio do estado de bem-estar social, por exemplo. Então, o que eu perguntaria para vocês é, considerando que o sistema capitalista realmente existente, digamos assim, que o capitalismo realmente existente não investe mais no consumo das pessoas, não investe mais na geração de trabalho das pessoas, ele drena todos os recursos para uma pequena minoria, porque se chama de 0,1%, que enriquece enquanto o conjunto da população empobrece – os dados que o Ladislau deu são são muito eloquentes – isso significa que cabe à sociedade.

Por meio de que mecanismos realizar esse conjunto de investimentos, por exemplo, assegurar que o brasileiro tenha saneamento, assegurar que as nossas as cidades não sejam dirigidas pelos especuladores imobiliários, assegurar que haja ferrovias, de novo, no Brasil, assegurar que a gente tenha energia solar e não esteja submetido ao apagão de novo, ao tarifaço? O que isso significa de mudança estrutural no sistema? Isso que você está falando é muito grave!

Ladislau Dowbor: É a reapropriação dos recursos. Nós temos recursos, tá? Eu volto a dizer, eu trabalhei na África, onde você tinha que tirar leite de pedra, agora, eu pego do Brasil, o PIB do Brasil, 7,5 trilhões dividido pela população, isso dá 11 mil reais por mês, por família de 4 pessoas, 11 mil reais por mês por família de 4 pessoas! Isso que a gente produz de bens e serviços no país, né? Então, não há nenhuma razão para pobreza! Isso vale no nível mundial também. Nós temos, hoje, 850 milhões de pessoas que passam fome. Agora, o PIB mundial, 88 trilhões, dividido pela população mundial, dá 20 mil reais por mês, por família de quatro pessoas. Quer dizer, essa desigualdade, esse 1%, que tem mais do que os 99% seguintes, é que realmente deformou todo o sistema.

E essa apropriação é financeira. Hoje ela é diferente, no seu mecanismo. Porque, para explorar as pessoas por meio de salário baixo, pelo menos você tinha que gerar um emprego, agora, hoje, com o dinheiro imaterial virtual, qualquer pessoa desempregada, perdida, ela tem o cartão de crédito no bolso, esse sinal magnético, ele extrai dinheiro direto. Antigamente, eu fazia uma compra na papelaria, eu dava 100 reais, o cara da papelaria recebia 100 reais. Agora, eu passo no caixa, a moça pergunta: “crédito ou débito?”. Certo? Pronto, dançaram 5% abocanhado por um intermediário, porque é o dono do nome do cartão.

Então, na realidade, gerou-se esse processo de intermediação. Para mim, é essencial a gente entender que nós não somos mais sociedades pobres. O Credit Suisse, acabou de publicar o Balanço Mundial da riqueza acumulada, não da renda, mas da riqueza acumulada. Essa riqueza acumulada, em média hoje, dá no mundo 80 mil dólares por adulto, você pega dois adultos, numa família isso dá 800 mil reais, esse é o patrimônio, por pessoa, por adulto no planeta, certo? 800 mil reais, por família, com dois adultos, dá para sonhar. Não é falta de recurso, nosso problema é de organização político-social.

Então, o Resgate passa, evidentemente, pelo sistema tributário, ou seja, esses caras têm que passar a pagar os seus impostos, como eu pago. Eu pago 27,5%, porque eu uso ruas, eu uso universidades públicas para os filhos, ou coisas do gênero, né? Alguém tem que pagar por isso. Quer dizer, tem a dimensão das finanças públicas e tem a dimensão do sistema de crédito, ou seja, a tributação e o sistema de crédito, os dois têm que passar a servir o que a gente chamava de fomento da economia, e não simplesmente de se transformarem em agiotas no processo. Eu chamo de economia de pedágio, o dinheiro tem que voltar a ser produtivo, esse é o eixo central, na minha análise.

Antonio Martins: Daniel.

Daniel Conceição: Eu acho que a gente tem um vício, às vezes também é comprar um pouco o discurso dos financistas, que tentam nos convencer que o problema de falta de recurso é falta de dinheiro. Recursos materiais são escassos e, portanto, a gente precisa saber distribuí-los bem em nome dos interesses mais urgentes da sociedade, mas o dinheiro em si é uma relação social criável e sempre foi. Ele, hoje, de fato o Ladislau tem razão, ele é uma relação social criada eletronicamente, a gente até está acostumado a imaginar o dinheiro como uma relação social operacionalizada com documentos de papel, mas é sempre uma relação social, uma relação de crédito, é uma relação contábil, criável por alguém, né? E aí os financistas, esses grupos que o Ladislau identifica bem, que não produzem nada em termos materiais, de coisas úteis para a sociedade, no entanto têm muito poder de influenciar as decisões econômicas, que acabam determinando o nosso acesso aos recursos materiais.

E o que eles nos dizem é que, para que esses recursos financeiros sejam criados, você precisa do expertise deles, é do financista, é do cara que tem um banco, é do cara que sabe fazer jogadas financeiras, que o mero mortal não sabe fazer, só ele pode criar esses dinheiro. Então, bancos comerciais, até pouquíssimo tempo, só podiam ser propriedades de milionários e bilionários, ou de governos. O mero mortal não podia sonhar em ter banco comunitário, que maluquice é essa né? Então, só esses especiais podem criar dinheiro.

E aí, o problema das nossas economias monetárias é que, é a grande sacada do Marx, inclusive, é que o material, a produção de bens e serviços, é condicionada por fluxos monetários, você só produz o que você consegue vender lucrativamente, se você não conseguir vender, você não produz, porque não vale a pena. O capitalista está no jogo do enriquecimento, e o enriquecimento é medido em termos do dinheiro, da moeda de compra. Então, para ele validar, a cada etapa da produção dele, e venda, ele tem que conseguir vender por dinheiro. E aí, para ele conseguir vender por dinheiro, é preciso que haja esse dinheiro na economia, para comprar as coisas que ele vai vender, e é esse o jogo do capitalista e, infelizmente, esse jogo é um jogo explosivo, ele não ajuda as nossas economias a cumprirem as suas funções sociais, porque a gente tem uma situação horrorosa em que, quando a economia tem muito dinheiro comprando coisas, as pessoas acham que vale a pena produzir para vender.

Primeiro problema disso é que você não produz o que é útil, você produz o que as pessoas querem comprar, e como muita parte dessa compra é especulativa, é de gente que compra para vender depois, por um mais caro, você acaba produzindo coisas absolutamente inúteis, só porque as pessoas acham que vão comprar e vender depois. Vide Bitcoin, que na verdade não é uma mercadoria, é uma porcaria digital que não serve para nada, mas as pessoas continuam comprando para vender depois. Vide imóveis, nos 2000, nos Estados Unidos, a bolha do subprime, na verdade, é uma bolha em que as pessoas compravam imóveis que não tinham nenhum interesse em usar, para vender depois, por rum preço maior, porque valia a pena, porque o preço estava subindo. Então, você não precisava daqueles imóveis, não eram adequados para demanda por imóveis dos americanos, eram imóveis de luxo no meio do deserto.

Então, hoje, cidades fantasmas, mas as pessoas produziam para vender porque a demanda estava ali, que é você conseguia vender coisas inúteis porque eram bons ativos especulativos e aí, isso é uma bola de neve na direção da expansão, porque quanto mais você consegue vender, e ganhar dinheiro vendendo, mais você quer comprar para vender mais caro, e isso faz com que você alimente a demanda por outras coisas, porque o investimento também é um tipo de demanda, mas eventualmente essas bolas de neve explodem, essas bolhas especulativas sempre explodem, porque, no final das contas, você precisa obter dinheiro em troca disso.

E aí você tem dois problemas, nesse up swen, quando a economia vai muito, está expandindo graças a essa especulação, o cara começa a se endividar, cada vez mais, para adquirir esses ativos que estão aumentando de preço, e ele se torna cada vez menos resistente a variações negativas no preço. O cara também começa a achar que vale a pena vender, o que ele comprou baratinho, porque já está caro pra caramba, quando ele vende, bota a pressão negativa no preço e aí o cara que está muito endividado, fica quebrado. Agora tem que vender para cobrir a posição, agora você tem o processo alternativo, de uma crise totalmente desnecessária, mas fruto do mesmo processo especulativo na direção contrária. E essa crise é horrorosa, porque agora, ao invés de produzir coisas inúteis, você deixa de produzir porque falta demanda, inclusive por aquilo que a gente precisa para sobreviver.

Então, não dá pra deixar a economia sozinha nessa produção de dinheiro privado, que ajuda alimentar a demanda por recurso, mas também que direciona sempre na direção errada, nunca é o que a sociedade precisa, e quando vai na direção da crise, aí a gente desperdiça a mão de obra, deixa as pessoas morrerem de fome porque não podem vender a sua mão de obra para produzir coisas que o capitalista não consegue nos vender, né? Então, não dá para deixar que isso, na mão no setor privado. Mas, felizmente, o criador original do dinheiro, que a gente usa para fazer tudo isso na economia, é o Estado, e é isso que a gente precisa conquistar, esse conhecimento de novo, porque é um conhecimento que é emancipatório.

Quando a sociedade perceber que os bancos, na verdade, criam uma moeda que não tem autonomia própria, porque ela tem que ser conversível na moeda do Estado, você percebe que o único que tem poder pleno de criar moeda para demandar o que ele quiser, na hora que ele quiser, é o Estado. Isso para demandar coisas úteis, aliás é o que ele deveria fazer, demandar coisas úteis, construir pontes, construir infraestrutura para a gente se tornar menos dependente dos outros países. Mas ele pode também usar isso para fazer besteira, né? Para pagar juros exorbitantes aos donos de dívida pública, que não estão fazendo nada, exceto recebendo uma bolsa do governo que escolheu pagar esse juro.

O governo que pode criar dinheiro, pode criar o dinheiro para fazer o que ele quiser, inclusive besteira, inclusive criar assimetrias distributivas, mas esse poder, a gente tem que explicar para as pessoas, que esse é o poder revolucionário do Estado. E o Estado é nosso, então o poder de criar moeda para fazer o bem pela sociedade, tem que ser nosso também. Não pode ser usado para ficar pagando bolsa banqueiro, tem que ser usado para criar uma sociedade com bens e serviços públicos do tamanho que couber na economia, que é muito maior do que o que o Estado faz hoje. Se a gente pudesse oferecer bens e serviços de saúde, de educação, de segurança, para a nossa sociedade, até o limite que a a nossa capacidade produtiva permite, a gente estaria muito melhor, no Brasil, né?

A nossa sociedade teria, realmente, acesso a coisas, uma vida digna garantida pelo Estado. Não fazemos isso, por quê? Porque ninguém tem pra gente que o Estado não tem dinheiro pra gastar e não tem de onde tirar esse dinheiro. Mas se ele cria o dinheiro, não precisa achar esse dinheiro em lugar nenhum.

Antonio Martins: Ladislau, Daniel, o que vocês estão falando é muito contrário ao que as pessoas normalmente pensam, e ao que os jornais, e o Ladislau, inclusive, costuma falar, nós precisamos entender da economia porque é o nosso dinheiro, e as pessoas acham que o dinheiro é simplesmente uma expressão da riqueza, é uma tradução da riqueza material. O que vocês estão contando – e infelizmente, a gente não vai ter muito tempo para aprofundar aqui – é que a própria produção do dinheiro, ou pelos bancos privados ou pelo Estado, ela modifica a relação de riqueza entre a sociedade. Por exemplo, se o Estado emite montanhas de dinheiro para oferecer aos especuladores, àqueles que têm títulos públicos e que vivem de juros, o Estado está fazendo com que essas pessoas, por exemplo, possam comprar casas, de outras que vão ser expulsas de suas casas, que não têm como pagar o IPTU, não têm como pagar as despesas básicas, ou não têm como pagar o aluguel, por exemplo.

Em contrapartida, se o Estado cria dinheiro, ou seja, o papel do dinheiro, como alterador da riqueza, da suposta riqueza fixa das pessoas, se o Estado cria riqueza, cria dinheiro, para investir em educação, ele pode me poupar de ter que gastar com educação, eu posso não precisar pagar um plano de saúde, eu posso não precisar pagar um carro, por exemplo? Eu posso não precisar pagar uma enorme prestação de uma casa, porque vai ter um financiamento para isso. Eu queria que vocês confirmassem se é isso que vocês estão dizendo e que a gente passasse, um pouco, da negativa, da denúncia de como a emissão de dinheiro privado, hoje, torna a sociedade cada vez mais desigual, e que a gente começasse a discutir… suponhamos que vocês fossem ministros da fazenda, num próximo governo pós-fascista, essa possibilidade que está surgindo agora, que era bloqueada, mas que a China, por exemplo, sempre utilizou, e que o Biden está utilizando agora, para emitir dinheiro em favor das maiorias, como é que vocês usariam?

Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu sugerir, Antonio, que a gente não está pensando em coisas alternativas, a gente está constatando coisas que funcionam. Olha como funciona a Alemanha, como funciona a Coreia do Sul, como funciona a China, como funciona a Suécia, como funciona o Canadá, países que funcionam, com sistemas políticos diferentes, mas que funcionam. Qualé o eixo disso? O eixo é organizar a economia em função do bem-estar, parar de pensar que a gente tem que organizar a sociedade para o bem-estar da economia, isso não existe, né?

O bem-estar da sociedade depende, basicamente, de dinheiro no bolso e de acesso aos bens públicos, coletivos. Isso é muito importante entender, tá? Eu penso que, nesse caso em que, no Brasil especificamente, a desigualdade é o eixo estruturante, é o drama estrutural do país, você tem que melhorar a situação das famílias, você tem que, tipicamente 60% do bem-estar da família é dinheiro no bolso, pagar o aluguel, compra do supermercado e etc. Os outros 40% é o que você estava mencionando, acesso à segurança, eu preciso de segurança, mas eu não compro delegacia, eu não compro hospital, eu não compro escola, eu não compro o o rio limpo, não compro um parque que a cidade precisa ter, para as crianças. Quer dizer, são bens de consumo coletivos, a gente chama, na Europa, de salário indireto.

Então, tipicamente, para funcionar para as famílias, você tem que ter 60%, digamos, assegurar a capacidade de compra para a sua mesa, e esses outros 40%, que é o Estado que tem que fornecer, sob forma de bens de acesso público, gratuito, universal, é assim que funciona no Canadá, funciona para uma série de setores na Inglaterra, na Alemanha, na China, e etc., e por quê? Porque sai muito mais econômico você fazer a educação pública gratuita, para todo mundo, isso não é gasto, é investimento na futura geração. A saúde privatizada é muito mais cara e muito menos eficiente – se eu comparar Estados Unidos e Canadá, certo? – do que o sistema público gratuito universal, então, esse equilíbrio entre o setor público e o setor privado é fundamental.

Agora, em termos práticos, você tem que assegurar maior consumo, capacidade de consumo das famílias. É muito simples você assegurar uma renda básica universal. Então, você assegurar uma renda básica universal, não é dinheiro que desaparece, não é gasto, certo? Você tem um estudo, agora, da Laura Carvalho, da USP, que saiu agora, que um real colocado na base da sociedade gera muito mais para o PIB do que você colocou. Você tem dois estudos do IPEA, nesse sentido também, você tem efeitos multiplicadores, você assegurar a renda básica, esse é um nível, você pode expandir de diversas formas a renda emergencial, o Bolsa Família, o que for, mas o essencial é o seguinte, tem que assegurar mais capacidade de compra, na base da sociedade. Isso não só é bom para as famílias, para toda essa sociedade, como é bom porque dinamiza a economia e reduz o déficit do estado.

O segundo eixo é fortalecer as políticas sociais. É a saúde, é a educação, é segurança e outros tipos o serviços ambientais, de acesso a bens coletivos.

O terceiro eixo, que é extremamente importante, são políticas públicas de emprego. Hoje, o Biden está discutindo, nos dos Estados Unidos, o que ele chamou Public Employee Program, o Programa de Empregos Públicos. Você está, cidade por cidade do Brasil, você tem gente parada e um monte de terra parada, monte de coisas a fazer. O Keynes já escrevia, né? Quer dizer, com tanta gente parada e tanta coisa pra fazer, isso é desorganização, quer dizer, é preciso juntar as coisas. Eu uso o exemplo que eu tive em Imperatriz, Imperatriz do Maranhão, um monte de gente parada, imenso desemprego e subemprego, e envolta da cidade uma imensa área de terra parada, quer dizer não é física quântica, né? Você fazer, com tanta cidade, fazer um cinturão verde, um hortifruti granjeiro, alimento fresco para população, você gerou emprego, você enriquece a sociedade, o dinheiro volta para o próprio município. Agora, em Imperatriz, a pessoa está parada, a terra está parada e trazem os alimentos, eu vi nos supermercados, de São Paulo, de caminhão, gastando diesel…

Quer dizer, eu volto a dizer, o problema é central, é de organização. Em tempos propositivos, se você pega e organiza o dinheiro, para segurar, expandir a renda básica na da sociedade, você assegurar investimento nos serviços públicos decentes, certo? Ampliar o SUS, etc, e você assegurar políticas públicas de emprego, como se fez, por exemplo, aqui em Santos, a “Operação Praia Limpa” foi um grande sucesso. E como se faz em diversas partes do mundo. A Índia, na Índia os municípios são obrigados a ter um cadastro de projetos intensivos e mão de obra, tipo saneamento básico, a mobilização urbana, manutenção urbana, etc… e tem que assegurar um salário mínimo, de 150 dias por ano, por adulto, né? Sabe o que é? Você coloca dinheiro, a pessoa que estava parada passa a produzir, esse dinheiro multiplicou, porque você gerou atividade gera riqueza, e a coisa volta, e não gera inflação.

Isso tudo faz parte do denominador comum que é orientar o dinheiro onde efetivamente ele gera mais riqueza. Isso, a gente tem que entender, finanças não é um setor, é uma dimensão de todas as atividades. Se você não tem dinheiro para a saúde, não vai ter saúde, não tem dinheiro para a educação, não vai ter ter educação, certo?

Agora, o que estão fazendo no Brasil, Daniel, eu acho que francamente é um negócio absolutamente vergonhoso, porque vai muito além de farsa, entende? Eu chamo de apropriação indébita. Esses caras que se entopem de dinheiro, em plena pandemia, com a economia paralisada, estão sabendo que tão extraindo. Olha, quando eu li no E-commerce que Paulo Guedes era cofundador do BTG Pactual, eu peguei, no Valor Econômico, o organograma, está aqui o monte de quadradinhos, que empresas que o BTG Pactual controla. Aí eu vejo que tipo de empresa são, está aqui: Banco BTG pactual SA, controle de 100%, Cayman Brant, BTG Pactual, Luxemburgo, BTG Pactual OverSys Corporation, soa bem, né? Ilhas Cayman. Aqui, BTG Patual, assept management, sabe o que é? É gestão de fortuna, gente, é canalização. Os bancos não têm departamento de evasão texcial, chamado departamento de otimização fiscal, tá? Esse aqui, é bermuda, BTG Pactual Commodities, Ucrânia. Meu?! E que tem isso? Imagina a China deixando esse dinheiro espalhar, a China tem, ao lado do Banco Central, uma instituição de controle de fluxos financeiros que assegura que o dinheiro vá para o audicentro, para investimento produtivo, para fomento, né? Fomento dos sistemas privados, inclusive, através de bancos privados e através de um sistema público, mas se controla para onde vai o dinheiro, porque o importante é o seguinte. Gente, que você vai utilizar? Você tem que utilizar isso em coisas que sejam úteis pra população.

Daniel Conceição: É, eu concordo plenamente com o espírito do que o Ladislau colocou, né? Eu acho que uma gestão macroeconômica e, na verdade, uma gestão do governo funcional, que tivesse a preocupação de produzir o melhor resultado possível para a sociedade, precisaria, sem dúvida nenhuma, enfrentar essa contradição do capitalismo, né? Que é o capitalismo desregulado. Ele acaba fazendo a gestão alocativa das nossas capacidades, em função de interesses que não têm nada a ver com o que a sociedade precisa. Então, o que a gente precisa fazer é capturar essa capacidade de gerir os nossos recursos, com esse Estado que, felizmente, é o ator econômico mais potente de todos, por quê? Porque ele é o criador da moeda que a gente usa.

Então, usar isso – e aí você me perguntou o que, como é que seria isso num governo do qual você participasse – seria, basicamente, aproveitar as ferramentas de planejamento que já existem, até no âmbito da gestão orçamentária. Você tem ferramentas de planejamento alocativo, dentro de um processo político, legislativo, onde você disputa gastos e uma direção do que aqueles representantes do povo consideram que é mais importante. A única diferença, e a fundamental diferença, é que a gente pare de fingir, de trabalhar com a hipótese completamente mentirosa, de que os recursos precisam ser dados dentro de um limite igual, por exemplo, à arrecadação passada, arrecadação do período relevante, né? O tamanho do gasto público tem que ser planejado em função do que é bom para a economia, independente do impacto que isso vai ter nas contas públicas. Se vai aumentar a dívida pública, vai diminuir, não importa, porque isso não é um problema para o Estado que cria moeda.

Então, a gente faz essa gestão do gasto a partir de considerações funcionais, é o que é bom para economia, e o que é bom para a economia tem que caber na economia também. Eu não estou dizendo, por exemplo, que o Governo poderia praticar um auxílio emergencial de 1 milhão de reais, porque não cabe na economia, seria inevitavelmente inflacionário, 1 milhão de reais para cada brasileiro, você coloca tudo isso na economia, você não tem produção suficiente para atender essa demanda que vai ser criada com esse auxílio. Então, tem que caber na economia, agora, essa consideração do limite inflacionário não tem nada a ver com a consideração do suposto limite fiscal, esse não existe, o limite fiscal. Porque o Estado cria o dinheiro que ele, e usa para fazer os seus pagamentos, mas existem vários outros limites que são muito importantes, né? Porque se o Governo decidisse dar um voucher, um auxílio para as pessoas comprarem TV de plasma, não dá, por quê? Porque esses componentes, esses artigos são importados, não dá para todo mundo comprar, ao mesmo tempo, mas o limite não é porque falta dinheiro, é porque falta TV de plasma, é porque pode faltar, capacidade produtiva.

Então, é isso que a gente tem que se preocupar, o planejamento tem que respeitar esse tipo de limite. E aí, inclusive isso nos orientaria para melhor política de gasto, mas também de tributação, porque se a gente entende que a tributação não é uma operação de financiamento do Estado, porque o Estado gasta, independente da sua arrecadação, e pode gastar o quanto ele quiser, porque ele cria o dinheiro. Aliás, é o fato dele criar dinheiro que permite que a gente pague imposto, porque a gente não pode emitir dinheiro para pagar imposto. Então, se alguém pagar imposto, antes do dinheiro do Estado entrar na economia, alguém tem, a gente tem que achar o falsificador, né?

Então a relação é invertida, o Estado gasta, e a gente tem dinheiro para pagar imposto, agora o imposto é importantíssimo, porque como lá o Ladislau colocou, existem assimetrias distributivas, se manifestam na capacidade de agentes privados direcionarem as riquezas do país, que são absurdas, inaceitáveis, e aí são duas formas que a gente tem para combater essas assimetrias. A primeira delas é dando dinheiro para quem precisa, né? Isso a gente consegue fazer, porque o Governo cria dinheiro a hora que ele quiser. Então, se a gente quiser dar um auxílio para as pessoas, uma renda emergencial ou garantir emprego para as pessoas, com esse objetivo, a gente pode fazer isso. A outra forma é tirar de quem tem mais, porque se o fato das pessoas terem dinheiro demais é um problema econômico, a gente também tem uma ferramenta poderosíssima para isso, que é tirar, e o imposto é a ferramenta pra gente fazer isso.

Agora, a gente precisa tratar essas ferramentas com a funcionalidade que elas de fato têm. Não é para financiar o Estado, mas é para obter os resultados econômicos que a gente quer, para a nossa sociedade. Esse seria o ponto que eu gostaria de colocar aqui.

Antonio Martins: Vocês estão falando muito no Estado, e vocês falam, o Ladislau falou na China, às vezes dá impressão que a gente quer uma economia puramente estatal, o Estado vai fazer tudo, e não vai ter mais setor privado. Eu queria que vocês comentassem isso. Como vocês veem, o Ladislau acabou de escrever, de reescrever um livro, em que ele trata justamente disso, que se chama “O pão nosso de cada dia”, que é sobre uma possível nova articulação entre o estatal e o privado, e aquelas atividades, inclusive econômicas, que podem ser realizadas pela sociedade civil. Isso é super importante porque nós estamos numa situação em que supostamente existe liberdade econômica, mas existe um número, cada vez maior, de pequenas e médias empresas falindo, e uma concentração empresarial que está fazendo com que, por exemplo, daqui a pouco a gente não tenha mais restaurantes brasileiros, no Brasil. Vai ser tudo grandes cadeias, e iFoods, e outras distribuidoras. Então, eu queria saber, dentro dessa lógica que vocês propõem, que é uma lógica de ampliar muitos limites de emissão de recursos, por parte do Estado, ou seja, o Estado com capacidade de arbitrar, por meio da emissão de dinheiro, a distribuição de riqueza, que espaço isso pode criar para a empresa privada? E também para a ação da sociedade civil, na economia?

Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu dar um exemplo da China, outra vez, os exemplos são legais né? Eu chamo de cabide pra ideias, porque você tem um negócio concreto. A China, como se sabe, ela tem um drama que a base energética dela é o carvão, e o carvão é uma desgraça, em termos de crise do clima, né? Então eles estão investindo pesadamente na energia solar. Então, o que eles vão fazer? Vão fazer uma grande fábrica de painéis solares? Não! Mas o Estado sim, criou uma grande fábrica de produção de máquinas e equipamentos para a produção de painéis solares. E, com isso, qualquer empresa privada, de qualquer região da China, pode calcular na região dele e ter uma demanda, tanto de painéis solares, ele vai comprar, ele tem acesso a crédito barato, vai comprar essas máquinas da estatal, que fez pesado, que normalmente o grupo privado não faria, certo? Ele adquire essas máquinas e vai produzir painéis solares na sua região e, se não administrar bem, vai fechar, como qualquer empresa privada.

E qual é a lógica ali? O Estado vê que está precisando migrar de base energética, portanto, ele faz uma opção estratégica e, sem o papel do Estado, ele gera aquele investimento básico de equipamento pesado e sistema de apoio científico, tecnológico, às regiões, para assegurar que qualquer todas as partes da China possam entrar nessa via. De certa maneira, o Estado é apenas o motor de arranque para esse processo. O que eu vejo, na China, e isso, é legal ler o o plano de desenvolvimento deles, eles especificam, o que faz o Estado, o que faz a empresa privada, então eles equilibram, para planejamento e mecanismo de mercado, com contratos individuais com as grandes corporações internacionais, certo?

Chega uma grande corporação, eles vão negociar duramente quanto os chineses vão ter no conselho de administração, da empresa que se instala na China, que transferência de tecnologia vai ter, em que região vão se instalar, e e por aí vai, certo? Ou seja, você tem um mix, muito interessante, de articulação de diversos sistemas. Tem gente que diz, a China é capitalista, é socialista, é comunista. A China é essencialmente pragmática, ela busca o equilíbrio. Agora, se a gente pega um recuo, para nós, qual é o objetivo? O objetivo é uma sociedade economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Esse é o objetivo que chamam mundialmente, tá? E é um acordo planetário, sobre isso não adianta só a empresa se entupir de dinheiro, dizer “olha quanto eu estou vendendo para os acionistas”, tem que ser útil para a sociedade, e não pode destruir o meio ambiente. Esse é o tripé.

O segundo, é que esse tripé ambiental, social e econômico, equilibrado, ele tem que se apoiar num sistema de gestão, e esse sistema de gestão é outro tripé. O papel do Estado, o papel das empresas e o papel das organizações da sociedade civil, tá? Porque, veja bem, o sueco médio pertence a quatro organizações comunitárias, porque a população da Suécia controla o sistema de saúde, o sistema de educação, o conjunto, em particular a chamada economia de proximidade, que tem nas cidades e coisa do gênero. Ou seja, você tem um tipo de uma âncora de controle social sobre o conjunto da atividade.

Eu pego a Alemanha, o alemão, você sabe, Antonio, o Alemão não coloca o seu dinheiro em banco, né? Não vai colocar em Deutsch Bank, que é um negócio que tem o Trump, inclusive, como cliente, enfim, e que está cheio de processos por fraude, mas a população coloca, cada cidadezinha tem uma caixa de poupança local, comunitária chama-se Sparkasse, ou seja, o dinheiro, ele está, essencialmente, no nível local. E grande parte do recurso federal, tirado dos impostos – que o Daniel lembrava, tão importante, racionalização do sistema tributário – esse dinheiro, em grande parte, também vai para as cidades, ou seja, cada comunidade tem as próprias poupanças, mais as transferências do Estado, permitem também, 70% são repassados diretamente para o nível de gestão local, né? Então, na realidade, quando volto ao meu argumento fundamental, quer dizer, nosso problema não é de falta de recurso, não é falta de dinheiro certo? Nós somos sociedades ricas, não é que nem certos países da África ou da Ásia, que realmente não têm, nosso problema é de uso inteligente dos recursos. Então, essa ideia de pegar o tripé de objetivos econômicos, social e ambiental, e apoiar um no outro, equilíbrio entre o Estado, a empresa e a sociedade civil, por sua vez, na minha convicção, é o seguinte: Eu participei de um doutorado, numa tese do Marcelo Uchoa, ele mostrando, a situação é muito bem feita, situação financeira dos municípios, a constituição de 1988 descentralizou os encargos, não descentralizou os recursos… os recursos está aí, a zona que a gente constata em Brasília, de quem arranca o pedaço maior. Isso não funciona!

Então, o que você tem de comum com a Suécia, com a Alemanha, com a China e tantos outros que funcionam, é que o dinheiro se aproxima muito da população, né? Do nível onde as pessoas vivem. Então, a pressão é muito maior para que o dinheiro seja útil em função da sociedade e, de novo dizendo, essa utilidade, desse dinheiro, em parte de dinheiro no bolso, mas em grande parte é uma cidade onde se vive bem, com ruas asfaltadas, com meio ambiente, com serviços sociais públicos e coisas do gênero, né?

De certa maneira, tem uma dimensão de gestão, em todo esse processo. Eu pegaria, basicamente, essa parte financeira, né? Quer dizer, nós temos que assegurar uma tributação muito mais racional, por um lado e, por outro lado, controlar o sistema de crédito. Se a gente assegura o dinheiro público, que se canaliza de maneira mais inteligente, e os sistemas bancários, intermediários, financeiros, passam efetivamente a fomentar a economia, em vez de extrair, isso pode assegurar, com tributação adequada, política fiscal adequada e política de crédito adequada, você pode ter um mix que efetivamente faça funcionar a sociedade.

Daniel Conceição: Você perguntou, né, Antonio, sobre o espaço para o setor privado, nessa história toda, e aí o ponto que eu acho importante que fique claro, é que o o que eu estou propondo aqui, é que o Estado pode criar demanda pelo que ele quiser. Essa é a ferramenta disponível para qualquer Estado, aliás, no estado chinês, a mesma coisa, essa capacidade de direcionar demanda é a grande ferramenta disponível para um estado que quer produzir resultados interessantes na sociedade. Agora, quem vai atender essa demanda criada, não precisa, necessariamente, estar oficialmente subordinado a esse estado. Você pode e, aliás, faz sentido que muito da demanda criada seja atendida pela iniciativa privada. A gestão macroeconômica ideal é aquela que empurra a economia até o seu limite produtivo, que a gente chama de plena emprego, né?

Quando você não tem mais desemprego, capacidade ociosa, você esgotou as oportunidades produtivas daquela economia e aí, a partir daí, você começa a se preocupar mais com limite inflacionário do que propriamente a dificuldade de empurrar a economia até esse ponto de pleno emprego. Então, esse é o primeiro objetivo, esgotar essas oportunidades produtivas e aí você faz isso empurrando a demanda, né? Seja diretamente, com o Estado gastando mais, seja indiretamente – como o Ladislau falou – facilitando o acesso do setor privado à oportunidade de financiamento, para que ele consiga promover os seus gastos, né?

Com o custo de oportunidade menor, é possível você achar uma combinação de ferramentas que te ajudem a empurrar a economia na direção desse pleno emprego. Falta o que? Aí a gente tem que se preocupar também com as consequências distributivas, nessa sua política, porque se você direcionar essa demanda e ela acabar gerando acúmulos de riqueza muito desiguais, você vai acabar tendo aquela estrutura socioeconômica danosamente desigual, como por exemplo o que a gente tem no Brasil, com muitos, muito ricos, então essa gestão macroeconômica tem que dar atenção a isso. E também, como o Ladislau falou, ao limite ambiental, né? Porque nada garante que, na medida em que a gente está alimentando a economia com mais demanda, para que ela produza mais e esgote as oportunidades produtivas, que as escolhas produtivas sejam sustentáveis, porque, de novo, o capitalista quer ganhar dinheiro e não está aí para ajudar a gente a evitar o aquecimento global, ele está aí pra minimizar custo e maximizar a receita, né?

Então, para o capitalista, pode ser que seja mais vantajoso produzir usando combustíveis mais baratos, como no caso que o Ladislau colocou, do carvão, é muito poluente. Aí a gente pode também direcionar essas intervenções macroeconômicas e dizer: “Não! Eu não quero que você produza isso, então eu vou ajudar aquele produtor da energia mais limpa, com uma série de ferramentas”, eu posso usar subsídios, posso comprar diretamente dele, posso promover as pesquisas, pagar pelas pesquisas que ajudam o produtor de energia limpa a produzir por um custo menor. Então, essa capacidade que os Estados têm, de direcionar a demanda na economia, porque ele pode criar demanda no lugar que ele quiser, é uma ferramenta que permite tudo, inclusive alimentar o setor privado, porque de novo, a gente esquece que, na verdade, quando o Estado gasta, ele está enriquecendo é o setor privado, o déficit público é um enriquecimento do setor privado.

O problema que a gente identificou aqui, junto, muitas das vezes, esse acúmulo de riqueza acaba nas mãos de muito poucos, mas é o setor privado. Então, a gente pode distribuir isso melhor, sem eliminar os passos do setor privado. Essa demanda não precisa ser atendida por estatais, por exemplo, isso é uma escolha que a gente pode fazer, pode ser que a estatal faça melhor, mas pode ser que o setor privado faça melhor algumas funções. Então, simplesmente a gente pode alimentar a economia com demanda. Essa demanda vai virar fomento para a iniciativa privada, que vai produzir os bens e serviços que atendem às necessidades da nossa sociedade.

Antonio Martins: Pessoal, nós estamos há 1h15, conversando. Eu, antes de fazer uma última pergunta para vocês, eu queria só falar que nós estamos tendo muito elogio, às falas de vocês, vindo de várias partes do mundo.

Carlos Rara está mandando saludos, desde Quito. A Simone Villas está mandando um abraço Muzambinho e está dizendo que é um prazer, uma conversa boa como essa, numa noite fria com coberta e e vinho. A Anelise, é Alice, Marenize, a Carla Cafaro, várias pessoas…

Tem uma pergunta, que eu acho que relaciona com o que vocês dizem e que seria ótimo vocês aprofundarem um pouco. Alguém perguntou, não estou localizando o nome aqui… Eh, como vocês veem a redução da jornada de trabalho? Que está ocorrendo – pessoal falou na Islândia, mas eu acho que é na Nova Zelândia – mas, enfim, é um processo que é debatido há muito tempo, a redução da jornada de trabalho.

Vocês falaram também, e eu queria que vocês comentassem rapidamente, como que vocês veem a articulação com essa possibilidade de gerar mais recurso, seja de gerar dinheiro e distribuir recursos? Como vocês articulariam uma política de redução de jornada de trabalho, de renda básica e de emprego público – emprego público parece que é simplesmente no setor do funcionalismo público – mas garantia de emprego digno, pelo estado, para realizar um conjunto de necessidades de serviços de excelência e de renovação de infraestrutura, rumo a uma economia limpa? Ou seja, essas três coisas, redução da jornada, renda básica e garantia de trabalho digno pelo Estado? Como se articulam esses itens de um programa?

Ladislau Dowbor: Olha, Antonio, eu articularia isso junto com as políticas sociais, tá? Eu trabalho o conceito de renda básica, de políticas sociais, portanto, a renda básica, o dinheirinho no bolso, os outros 40% é acesso a bens públicos e consumo coletivo, saúde, educação, segurança e etc. E as políticas públicas e empregos, se não significa expandir o emprego público, digamos, mas você assegurar um conjunto de atividades que são necessárias, através de estímulo público. Agora nós temos, no Brasil, uma imensa subutilização da força de trabalho. Eu pego os dados básicos, população 212 milhões; a população em idade ativa, 16 a 64 anos, são 148 milhões de pessoas, são 148 milhões de pessoas em idade de trabalho, tá? E quantos empregos formais privados? O que a gente chama de emprego, se tem carteira de trabalho, vai ter aposentadoria etc. No Brasil, 33 milhões. Você acrescente 11 milhões de empregos públicos, são 44 milhões, o resto, você tem 38 milhões de pessoas, estou pegando os dados agora do último do IBGE, tá? Você tem 38 milhões no setor informal, segundo o IBGE, no setor informal as pessoas ganham, em média, a metade do que seriam o emprego formal. É gente que se vira, tá? Vendendo picolé na praia, o diabo, enfim… certo? Todas as coisas, gente que apita na rua, ajuda a gente a estacionar, toda gente batalhando para tirar alguns recursos. Isso é de uma irracionalidade, de uma burrice, entende? Porque é gente que tem capacidade produtiva, gente que tem inteligência, que tem, sabe, um imenso potencial que é perdido.

Se eu somo os 38 milhões do setor informal, os 15 milhões de desemprego aberto e somos 7 milhões de pessoas que são o que a gente chama de desalentadas, ou seja, estão fora da força do trabalho, mas na realidade desistiram de procurar, isso dá 60 milhões de pessoas, gente! Então, você assegurar um conjunto de programas, né? Eu lembro desse programa Capistrano, Operação Praia Limpa, que se cadastrou desempregado, se organizou o conjunto das atividades para resgatar a limpeza das praias, resgatou o turismo, redinamizou a economia da região, utilizando o conjunto dos desempregos, ou seja, são recursos parados, certo? Eu pego, no Brasil, nós temos dinheiro que está estocado em paraísos fiscais, servindo à especulação, em vez de ser utilizado como capital para dinamizar a produção.

Eu tenho terra parada, certo? No Brasil, a terra parada ou subutilizada, totalmente assim, brutalmente, dá 160 milhões de hectares, são 5 vezes o território da Itália, né? Eu lembro de uma conversa com o representante da ONG, ele dizia: “olha, o Brasil, junto com a savana africana, é a maior reserva de terra agrícola parada do mundo”, e você tem gente parada, capital parado, você tem terra parada, você tem tantas coisas a fazer nas cidades e, em particular nas periferias, você tem um conjunto de atividade necessária para resgatar, parar de destruir o meio ambiente. Gente, né? Isso aqui é questão de organização! Agora, a gente pegar a redução da jornada, para mim é um dos pontos, tá? Está sendo muito discutida a jornada de 4 dias, você tem muitas empresas na Alemanha que já estão trabalhando por 28 horas, você tem a pesquisa do New Economics Foundation, de Londres, eles calcularam que, em termos de produtividade, para a Inglaterra, o ideal seria a semana de 21 horas. Eu lembro que, nos anos trinta, ele previa que os seus netos, eles trabalhariam 15 horas, seria suficiente pra assegurar as nossas necessidades básicas. Para mim, eu vejo, não é uma solução milagrosa. Agora, essa articulação, você assegurar a renda para ter demanda que dinamiza a economia, que reduz o déficit do estado, você assegurar as políticas sociais, porque esse dinheiro – você reduzindo déficit do Estado – ele pode gerar as infraestruturas e as políticas sociais.

As infraestruturas dinamizam a produtividade das empresas, as políticas sociais melhoram o bem-estar das famílias, e você tem um conjunto de atividades que são necessárias, que aqui, com essa elite que temos, eles dizem: “o mercado vai resolver”. Até quando vão ficar esperando o Godot? Esperando o mercado aparecer para resolver esse negócio? Isso não existe, né? Quer dizer, na realidade nós temos que ter políticas ativas, em função de prioridades no Brasil. Ou seja, para mim, reduzir a jornada – internacionalmente se usa o seguinte: trabalhar menos para trabalharem em todos, certo? É redistribuir o trabalho. Isso é uma necessidade evidente. Nós temos, no Brasil, um monte de gente desesperada porque não têm trabalho, e outros desesperados porque trabalham demais, né? Isso é uma coisa completamente irracional.

Todos esses elementos precisam, Antonio e Daniel, precisam de um Estado que administra esse negócio e não o que simplesmente dê cobertura a quem está se aproveitando, por exemplo a forma que a gente está exportando. Você ter 19 milhões de pessoas passando fome, no Brasil – direto, tá? – e um pouco mais de 100 milhões, que o Renato Maluf publicou os dados – mais de 100 milhões de pessoas que hora tem, hora não tem comida. No Brasil, gente!? Sendo que o Brasil produz 4.2, na última safra, 4.2 quilos, por pessoa, por dia, só de grãos. Ter fome, aqui, isso aqui – e eu volto a colocar – isso aqui precisa de uma política, precisa de um governo que faça muito na linha do que o Daniel estava levantando, um governo que organize e que faça a gestão dessa coisa.

Agora, o Estado se transformar em simples facilitador de grupos nacionais e internacionais, entregar a Eletrobras, entregar Petróleo, entregar a terra, entregar a Amazônia, coisa do gênero, quer dizer, isso aqui é o Brasil, né? Quer dizer, nenhuma dessas políticas que a gente discute aqui é viável sem o estado efetivamente sério, sem uma capacidade de gestão pública. Então, de certa maneira, é interessante o seguinte, a gente sabe perfeitamente o que deve ser feito, nós temos os recursos financeiros, nós temos recursos tecnológicos, o Brasil tem excelentes técnicos, tudo, o Brasil construiu Itaipu, o Brasil sabe fazer as coisas, mas não temos é Governo.

Antonio Martins: Daniel.

Daniel Conceição: Bom, sobre a questão da jornada. Eu acho que o Ladislau colocou um ponto que é chave, que é quando a gente trabalha a possibilidade de reduzir a jornada, como se fosse uma forma de absorver mais trabalhadores, que hoje estão desempregados. Esse é o cálculo que não faz muito sentido, né? A gente, na verdade, deveria simplesmente criar esses novos empregos se, de fato, essas pessoas estão querendo trabalhar e não estão conseguindo por falta de demanda pela mão de obra deles. E aí o programa de emprego garantido, por exemplo, que o Ladislau falou, dessas alternativas que é limpar a praia, fazer atividades úteis para sociedade, podem muito bem cumprir essa função, né? Os programas do de emprego garantido, que o governo Biden está imaginando, para lidar com a crise ambiental, são programas que podem ser facilmente financiados porque o governo cria o dinheiro com que ele faz os seus pagamentos.

Então, não há limite de falta de dinheiro pra isso. Agora, a questão da jornada de trabalho reduzida, ela faz sentido que seja contemplada como uma forma de garantir vidas melhores para as pessoas, né? E isso tem a ver com a nossa capacidade produtiva, com o avanço das nossas tecnologias produtivas, né? Porque, no limite, gente, no dia em que a gente tiver robô que produz tudo que a gente precisa para consumir, não existe mais motivo para a gente se obrigar a trabalhar produtivamente. Os robôs estão fazendo tudo, a nanotecnologia está produzindo os materiais que a gente precisa. Agora, as pessoas vão ter que ter acesso a esses itens de consumo, para sobrevivência delas, e aí fica grande contradição, não preciso do trabalho, das pessoas para produzirem, mas preciso para elas terem acesso a isso, aí você tem coisas ridículas como um programa de ficção científica que tinha uma sociedade de abundância plena, porque os robôs produziam tudo, mas botava as pessoas para andar de bicicleta ergométrica para ganhar o dinheiro, para comprar o que os robôs produziam, e as pessoas ficavam que nem malucas na bicicletinha para ganhar dinheirinho, com que eles compravam as coisas pra sobreviver. Pura ficção, um teatrinho para eles ganharem dinheiro, né?

Claro, isso não é a nossa realidade, hoje. Eu acho que a gente ainda tem muito o que fazer com esse recurso. O Ladislau colocou muito bem. É um recurso importantíssimo de produção, que a gente tem, a mão de obra das pessoas, e a gente tem muito que pode ser feito com essa mão de obra. Então, eu acho que o momento hoje é garantir que todo mundo tenha uma atividade produtiva, para que a gente possa vislumbrar, ou eventualmente, um momento em que a gente possa liberar as pessoas das suas atividades produtivas, que a gente já está produzindo demais, né? Então, eu acho que o cálculo é esse, é material, né? A gente está produzindo demais, não precisa mais da mão de obra dos humanos, aí a gente começa a pensar nessa liberação. Hoje, eu acho que o Brasil, o problema principal é absorver produtivamente as pessoas que ainda não estão inseridas, nesse caso a melhor forma é criar emprego para elas, diretamente, com o próprio Governo, seria o caso do garantido ou, indiretamente, criando demanda para que o setor privado absorva essa mão de obra. Esse é o primeiro ponto.

E eu acho que um outro importantíssimo é estressar que, assim, a gente identificou com muita clareza, talvez principalmente por causa da pandemia, é que dinheiro para fazer as coisas o Governo sempre consegue criar, se ele tiver soberania monetária de gastar a própria moeda doméstica, ele sempre consegue criar, e isso significa que até a África poderia se utilizar dessa ferramenta, porque, como você falou, mão de obra está lá, terras produtivas eles têm, só não estão conseguindo mobilizar aquela produção, por quê? Porque falta demanda e, obviamente, gestão, instituições – a gente não resolveria tudo só criando moeda na África – mas é uma ferramenta que está a disposição até das economias pobres, financeiramente pobres, porque em algum momento as economias financeiramente ricas também não tinham riqueza financeira para começar a se desenvolver, e elas fizeram isso como? Com estados criadores das suas moedas que garantiam a demanda por coisas que eram produzidas, pela sua sociedade. Até coisas inúteis, como o ouro.

Aí vem a grande confusão da gente, achar que a gente precisava acumular ouro para fazer as coisas. Na verdade é que eram economias tão ricas materialmente que elas conseguiam desperdiçar parte da capacidade produtiva delas para produzir ouro, porque era algo que, institucionalmente, os governos, emissores das principais moedas, compravam dos produtores, de maneira garantida. Então, demanda a gente cria, até na África, sem precisar de poupança prévia. Esse ponto, eu acho que é tão potente para a gente fazer as nossas propostas mais agressivas de políticas sociais, que eu acho que a gente tem que insistir, a gente não precisa de acúmulo financeiro para nada. É bom, porque isso dá uma capacidade do próprio setor privado fazer as suas coisas, porque ele não cria moeda estatal, mas ele cria instrumentos financeiros e acumula também a moeda estatal para fazer as suas atividades. Mas se tiver faltando, o Governo suplementa isso perfeitamente, porque ele é o emissor original da moeda que a gente usa.

Antonio Martins: Gente, eu não resisto a fazer uma última pergunta para vocês. O que vocês estão falando é tão razoável, tão tranquilo e favorável. De onde vem tanta resistência? Não é só do 0,1%, mas é da mídia, é do Congresso Nacional, é do judiciário… Em que sinuca nós nos colocamos, em que ideias que são tão úteis, são tão rechaçadas pelo sistema político, pelo judiciário, pela mídia? E como, imaginando que nós vamos superar o fascismo, como nós podemos nos articular com isso? Um projeto de rever as injustiças históricas da sociedade brasileira. Que estratégia para vencer tanta resistência a ideias tão sensatas?

Ladislau Dowbor: Olha, eu trabalho muito com o conceito de pedagogia da economia, né? Nós temos que desmontar a narrativa de que a austeridade tem que ser para os pobres, para a base da população, e a riqueza tem que ser para os ricos, porque isso vai vai ser bom pra população, sabe? As pessoas balançam a cabeça, ouvem aqueles entrevistados na tevê, coisas assim, não entendem lhufas desse negócio, mas se ferram, é óbvio. O dinheiro tem que ir para as pessoas que precisam do dinheiro, isso que funciona na economia, porque dinamiza pela base. O que a gente está trazendo aqui, e o Daniel, enfim, eu penso em tanta gente que está trabalhando essa proposta, pega Prêmio Nobel, como Stiglitz, pega Jeffrey Sachs, pega Krugman, que você andou recomendando no teu programa, enfim tem um mundo de gente que está, o próprio Thomas Piketty, obviamente. Quer dizer, isso está óbvio, hoje, na geração dos que trabalha com uma economia real, e não com esse negócio que chamam de ortodoxia.

E mais, está comprovado, porque foi assim que funcionou nos Estados Unidos, para tirar os Estados Unidos da crise, inclusive, colocaram um baita imposto sobre os capitais financeiros, sabe por quê? Porque é interessante, esses caras se entopem dinheiro lá em cima, vem um imposto em cima dele, não é só o que é justo e que é útil para financiar outras coisas, mas o que o cara vê, que o dinheiro dele está diminuindo, ele vai pensar “deixa eu fazer alguma coisa útil com ele, né?”.

Porque, o caso por exemplo do imposto territorial rural também, porque, tanta terra improdutiva, os cara começariam a pensar… Como na Europa, se você tem uma terra parada, você paga um imposto de um tamanho e tal, usa ou você vende para quem vai usar, né? Você usa para efeitos produtivos. Nós temos essa resistência, que é analisado muito fortemente no eixo de economia política, que pega a apropriação dos governos pelo sistema financeiro internacional, porque é muita grana, é muita grana. Deixe lembrar para você que três empresas, BlackRock, State Street, Standard, são três empresas que não cruzam em nada, são asset management, gestão de fortunas. Eles têm ativos de 19 trilhões de dólares, tá? 19 trilhões de dólares quando o PIB dos Estados Unidos é de 22 trilhões. Estou falando de três empresas, que compram um monte de coisas, hoje, no Brasil, inclusive planos de saúde. E tem os ativos dela, 8.7 trilhões de dólares, é cinco vezes o PIB do Brasil, então a relação de poder é essa. A Dilma, quando em 2021 para 2013 ela tenta reduzir os juros, reduz no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, e entra em guerra com o sistema financeiro, inclusive os que ganhavam rios de dinheiro, aí o que se chama enfim, o carry trade, que vinha comprar título da dívida pública, acabaram com a Dilma, entenderam? Acabaram com esse governo, e mais, quando deu a a crise de 2008, a crise do subprime, o governo Obama estava decidido a entrar de sola, o que ele fez? Ele pegou dinheiro dos impostos e entregou para os bancos. A Europa fez a mesma coisa. O quantitative easing, essa transferência, essencialmente para os grupos financeiros, continua fluindo.

Ou seja, o poder, a estrutura de poder financeira, no mundo, hoje é uma realidade e é disso, da dimensão política dos grupos financeiros, é uma realidade absolutamente essencial. Você tem isso, por exemplo, nos trabalhos do Wolfgang Streeck? Isso é poder, é poder real, tá? Esse é o poder do 0,1%. Agora, a progressão da compreensão de quem está enriquecendo, não é quem está produzindo coisa útil, pelo contrário, está extraindo, é que gera, por exemplo agora nessa reunião do G7, a proposta de uma taxação dos grupos multinacionais, pela primeira vez vão começar a pagar imposto. O Warren Buffett paga sobre os seus rendimentos, o aumento da sua fortuna, ele paga 0,1%, né? Eu aqui pago 27,5% sobre o meu salário. O Warren Buffett é a terceira fortuna mundial.

Ou seja, está começando a se reagir a coisa, a OCDE está trabalhando muito sobre isso, porque o poder é mundial, o dinheiro hoje, como são apenas sinais magnéticos, roda no planeta e é um sistema que popularmente se chama de sistema sabonete, popularmente entre eles, banqueiros, né? Se o governo aperta eles do lado de cá, eles escapam para cá, e vice-versa. Quer dizer, você tem governos nacionais e um sistema financeiro global, e é muito difícil você assegurar o controle. A China, nesse momento, está em luta com as próprias corporações privadas chinesas, para controlar a sua expansão financeira para o resto do mundo, a associação com grupos americanos. Para mim, no centro está esse problema, o poder, Wolfgang Streeck diz o seguinte: “não é o fim do capitalismo, mas é o fim do capitalismo democrático, porque entre satisfazer os mercados e satisfazer a população, em termos de sobrevivência de um governo, é só olhar o que acontece”.

Antonio Martins: Obrigado, Ladislau! Daniel.

Daniel Conceição: Eu acho que essa resposta, por que essas ideias encontram tanta resistência, ela tem pelo menos quatro elementos. O Ladislau identificou muito bem esse elemento de que, no final das contas, quem se dá bem com a mentira, com o combate a essas ideias, vai trabalhar para protegê-las. E aí a gente tem que identificar quem se dá bem, e novamente o Ladislau identificou, são os grupos que controlam riquezas financeiras. É importante, depois, a gente ver porque que eles se dão melhor quando a mentira é preservada. Mas, voltando um pouco, eu acho que existe primeiro um elemento de desvantagem retórica mesmo, da nossa parte, quando a gente apresenta essa nossa ideia de que não existe motivo para o governo que gasta na sua própria moeda, na moeda nacional ficar preocupado com restrições fiscais e financeiras, a gente acaba se deparando com a experiência do indivíduo, cada pessoa que escuta isso, quando eu falo, reage da mesma forma, irritada.

Poxa, mas eu sei que, na minha experiência, é que o dinheiro pode acabar. Eu sei que eu não posso gastar sem limite, porque eu tenho dinheiro que eu recebo da minha renda, vendendo alguma coisa, vendendo a minha mão de obra, ou eu tenho que me endividar, mas aí eu preciso pedir empréstimo para alguém que pode me negar. Então, essa experiência individual acaba sendo usada pelos mentirosos para dizer: Está vendo? O governo é igualzinho, ele também pode ficar sem dinheiro porque se ele não conseguir dinheiro dos impostos, ou se endividando, ele não tem de onde tirar, né?”.

Mas essa grande mentira vem da nossa dificuldade de imaginar que outros agentes econômicos têm experiências, têm realidades completamente diferentes da nossa, e essa é a situação de governos centrais, eles não são o equivalente da família, do indivíduo, da empresa, até do Governo Municipal e do Governo Estadual.

Ladislau Dowbor: Da dona de casa, que o Estado é igual uma dona de casa. Martelaram, martelaram.

Daniel Conceição: Exatamente! A gente falou, bom eu sei como uma dona de casa funciona! Só que esse é justamente o outro tipo de agente econômico. Nós somos o outro tipo, o tipo que usa o dinheiro para fazer os pagamentos, e a gente usa na carteira mesmo. Tem que receber, para depois gastar. É assim com a gente, é assim com a empresa, é assim como o Governo Municipal e o Governo Estadual. Recebe e guarda num lugar e depois usa para gastar. O Governo central não pode ser assim, porque se ele fizesse isso ninguém teria dinheiro, porque a gente não pode criar o dinheiro que a gente usa, se não a gente vai preso por falsificação. Só o governo pode criar o dinheiro. Então é o oposto. Ele gasta aí, quando ele gasta, a gente passa a ter dinheiro para pagar imposto, para comprar a dívida pública. Mas o governo tem que gastar, antes né? Essa coisa é muito difícil da gente explicar. Então, o primeiro motivo da confusão talvez seja a falácia, a gente está acostumado, a gente precisa treinar a identificar argumentos falaciosos, essa é a famosa falácia da experiência individual. A gente olha para o que a gente experimenta individualmente e projeta para todos os outros, não é a síntese. Então, o primeiro motivo talvez seja uma desvantagem mesmo na narrativa.

O segundo, aí tem os interesses de quem está preservando a mentira, e esses interesses têm duas origens para o capitalista que produz. Existe uma contradição, porque a gente viu, o capitalista que produz precisa vender bens e serviços, para ele vender tem que ter demanda na economia, e essa demanda pode ser criada pelo Governo. Então, para todos os capitalistas juntos, faria sentido planejar, se mobilizar para exigir que o governo gaste o máximo possível para eles venderem o máximo possível. No entanto, cada capitalista individual não trabalha com essa lógica, porque para cada capitalista individual, o que ele quer é o seu lucro individual, independente dos outros, então, a gente acaba entrando numa contradição, porque se para todos seria bom criar mais demanda – para eles venderem mais – pra cada indivíduo, ele olha, “mas peraí, se o Governo trabalhar pra eliminar o desemprego, eu agora vou ter que pagar mais para os trabalhadores”, aí agora é um dilema distributivo porque, embora eu possa vender mais, é possível que vendendo mais eu consiga menos lucro do que antes, né? O meu o capitalista individual, meu negócio, que eu estou sendo obrigado a pagar muito mais salário, porque ninguém mais é desempregado. Então, essa contradição individual acaba impedindo que eles se unam para exigir que o governo gaste até o promover o pleno emprego da economia.

Esse é o motivo, mas esse nem é tão forte, porque pelo menos o capitalista ganha vendendo mais, perde com o desemprego, porque tem que pagar mais salário, mas pode ganhar também se ele vender mais. Aí tem uma questão, de para onde vai essa balança distributiva durante a expansão. Quem sempre ganha, e só ganha com a situação da mentira, é o o agente que especula no sistema financeiro, porque esse precisa do terrorismo contra quem se endivida, porque uma economia onde todo mundo tem renda suficiente para sobreviver, é uma economia que ninguém precisa correr para o rentista para pedir empréstimo para sobreviver, o agiota some, se todo mundo tem dinheiro para se manter, não tem agiota, né? E agiotagem é uma função desse grupo, não é a única, então ele já perdeu essa oportunidade. Se todo mundo tem acesso a crédito, concorrendo com o agiota, o agiota não consegue mais oferecer empréstimo. Então, por isso que é muito ruim quando o governo usa as outras ferramentas de fomento, por exemplo facilitando o crédito, principalmente com ferramentas públicas. O BNDES, né? E por que eles odeiam tanto o BNDES, o sistema financeiro?

Porque é o emprestador que concorre com eles, então essa é uma perda, e a outra perda fundamental, dos grandes agentes financeiros, é que ganham com arbitragem, com instabilidade. Para eles, a estabilização macroeconômica é uma porcaria. Aliás, você tinha muitíssimo menos bilionários das finanças, nos Estados Unidos, durante a era de ouro do Capitalismo, antes da desregulação, na verdade, você acaba com a alternativa soviética, você agora desregula tudo porque não tem mais a pressão das pessoas falarem “óh, está funcionando melhor na União Soviética”. Então, quando você desregula tudo, aí é que aparecem esses grandes monstros financeiros. E por que que eles aparecem? É canibalização mesmo, é pôquer, é jogo de soma zero, você compra barato para vender caro, e você ganha de quem errou na hora de comprar e vender. E aí você começa a acumular do resto da sociedade, toda aquela riqueza que está ali para ser agarrada, inclusive a riqueza criada pelo Estado, com o gasto deficitário.

Então, esse espaço de instabilidade financeira e macroeconômica precisa ser preservado, para que esses especuladores continuem ganhando com esse jogo de pôquer. E isso seria muito reduzido se o governo agisse como estabilizador macroeconômico, porque aí essa variação dos preços relativos ia ser minimizada e desaparecer, em alguns espaços, então esse cara perde, aí ele fala “pô, não vou deixar que as pessoas conheçam a verdade da capacidade estabilizadora do governo”. Então, essa combinação de interesses poderosos, que são interesses – como Ladislau falou – tem toda capacidade financeira do mundo, para comprar estudos até de economistas. Aí você tem os economistas que se vendem para repetir as mentiras, porque recebem muito dinheiro por isso, né?

Então, esses grupos vão estar sempre protegendo a mentira e tem a vantagem narrativa que é uma porcaria, a gente demora muito mais tempo para desfazer aquela ideia da dona de casa, do que eles falando “não, você sabe que o Estado é igual a uma dona de casa”.

Ladislau Dowbor: Danil, eu encontrei o Luiz Nassif no restaurante, aí passei meu livro para ele, que eu sou professor, eu empurro o livro, né? Aí ele perguntou para mim: “E o que você está fazendo?”. Eu disse: “Eu estou ensinando o óbvio, né?”. Ele olhou para mim, com tristeza, e disse: “Ladislau, como é difícil explicar o óbvio!”. Tem um negócio que o dinheiro tem que ir para o pessoal que precisa, né? Conseguiram uma narrativa de que não, que isso gera déficit, né? Sabe? Você conhece esse livro? Antonio, provavelmente você conhece, né? Da Stephanie Kelton, né?

Daniel Conceição: Ela foi minha professora.

Ladislau Dowbor: Ah, sim? Está vendo isso? Olha é um negócio, né? Agora o Chonsky trabalha muito, essa construção dos mitos, e a deformação das compreensões. Quando esse negócio, da boa dona de casa, e por acaso a Dilma, a presidenta, era mulher. Certo?! Olha, isso aqui é montado por grupos de marketing político, e martela, martela, passa pelo Facebook, por todo sistema, é um negócio. Eu queria lembrar um negócio absolutamente fundamental aqui da nossa conversa. Pegando o serviço de proteção ao crédito, nós temos 72 milhões de pessoas que estão ferradas na dívida, no Brasil, 72 milhões de adultos juntos, e as crianças, aí você tem 40% da população, sabe por quê? Pagando juros que são absolutamente escandalosos, eu preciso mostrar nas reuniões internacionais, mostrar os documentos dos bancos, para as pessoas, elas não acreditam. Um, lá de Paris, me disse: “olha, eu só conheci juros desse tamanho na Albânia, há tempos atrás”. Quer dizer, esse é um nível, você ferrar com a população e não produzir nada, e mandar dinheiro para Paraíso Fiscal, ainda por cima, sabe? E aparecer na capa da Forbes?!

Essa ética de “está vendo? Eu sou muito esperto, né? Eu arranquei tanto!”. Sabe, você é esperto quando você contribui para o país, né? Essa dimensão é que está dando, por exemplo, a popularidade da economia de Francisco, de tantas discussões internacionais, muita gente de bom senso está despertando das narrativas e está indo para compreender o bom senso, né? E não é tão complicado assim, o dinheiro tem que ser útil.

Antonio Martins: É uma satisfação ter começado o Resgate com um debate de altíssimo nível, de 2h, mostrando que realmente é necessário, é possível e estimulante discutir o Brasil, depois do pesadelo. O Resgate permanece, é um programa que está começando hoje, mas que vai se estender por um ano. Estamos discutindo 16 ideias-força, essa é a primeira, vocês podem ver o conjunto dos temas no site do Outras Palavras, www.outraspalavras.net/resgate. E esse primeiro tema continua, na semana que vem, com mais três debates. Vamos ter o Pedro Rossi discutindo as transformações econômicas na pandemia, os vários tipos de transformações econômicas. Na terça-feira, o Eleutério Prado, professor da USP, discutindo suas análises sobre a crise do capitalismo global. E na sexta-feira o David Decache, discutindo um tema essencial, como enfrentar as trancas que hoje restringem o gasto do Brasil e impedem tudo isso que o Daniel e Ladislau estavam falando que é essencial. Um prazer ter vocês aqui, ficamos muito felizes com esse início e até a próxima segunda-feira e até as próximas conversas, no Outras Palavras. Muito obrigado Daniel, muito obrigado Ladislau.

Ladislau Dowbor: Abraço, Daniel e Antonio, tudo de bom!

Daniel Conceição: Abraço, gente, obrigadão.

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5 comentários para "Resgatar o Brasil: o que não faltará é dinheiro"

  1. Importante lembrar a situação específica do Brasil que em 2016 alterou o regime fiscal com a chegada da Emenda Constitucional do Teto de Gastos. A mesma impede investimentos em despesas primárias por vinte anos. Tendo em vista a radicalidade dessa emenda, em minha dissertação de mestrado discuti se é compatível com o sistema constitucional brasileiro. Após aprovado em banca de mestrado, lancei pela editora Dialética o Livro A Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional 95 de 2016.
    A presente obra tem como problema analisar se a Emenda Constitucional 95 de 2016, que instaurou o Novo Regime Fiscal, viola as cláusulas imodificáveis elencadas pelo § 4º do art. 60 da Constituição Federal e fere o princípio da vedação ao retrocesso social. Mesmo que tenham sido obedecidas formalmente todas as exigências do Diploma Maior, no que tange à apresentação, trâmite e aprovação de alterações constitucionais, o que abarca a verificação de adimplemento dos requisitos formais e circunstanciais de constitucionalidade, a emenda constitucional aprovada pode, ainda assim, ser submetida por um dos legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, incisos de I a IX, da CF) ao crivo do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que ostenta em nosso ordenamento o status de guardião da Constituição, em sede de controle concentrado de constitucionalidade das normas (caput do art. 102 da CF). Diante desse contexto, já existem, protocoladas no Supremo Tribunal Federal, sete ações questionando a constitucionalidade da referida emenda. A Constituição Federal de 1988 trouxe para o centro de seu ordenamento jurídico a proteção aos direitos fundamentais. Nesse sentido, o citado Diploma Constitucional, que ficou conhecido popularmente como a Constituição Cidadã, obriga o Estado brasileiro a garantir uma série de prestações em forma de políticas públicas como garantia de defesa à própria dignidade da pessoa humana. Com esse intuito, o texto Constitucional consagra uma série de direitos fundamentais que deverão proteger o cidadão e que gozam de um status constitucional diferenciado. A presente dissertação partiu da hipótese de que esta emenda constitucional não é compatível com o regime constitucional vigente, visto que a proteção à dignidade da pessoa humana está no centro da Constituição Federal vigente, e o novo regime fiscal inviabilizaria o Estado de prestar políticas públicas com viés de garantir os direitos fundamentais e suprir o chamado mínimo existencial. Utilizou o método dedutivo, partindo de uma premissa geral, a Constituição Federal de 1988, chegando na Emenda Constitucional 95 de 2016, com suas particularidades. Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfico. O objetivo deste trabalho consiste em analisar se a Emenda Constitucional 95 de 2016 padece de inconstitucionalidade material. Foi analisado se a mudança do chamado Regime fiscal, que limitou por 20 anos os investimentos do Estado em gastos primários, viola as cláusulas imodificáveis elencadas pelo § 4º do art. 60 da Constituição Federal e se desrespeita o princípio da vedação ao retrocesso social, a proteção que ela tem sobre os direitos fundamentais e uma breve conceituação sobre estes.

    Palavras-chave: Emenda Constitucional 95 de 2016. EC 95/16. Constituição de 1988. Direitos Fundamentais Sociais. Inconstitucionalidade Material.

    A obra pode ser encontrada em:
    https://loja.editoradialetica.com/humanidades/a-inconstitucionalidade-material-da-emenda-constitucional-95-de-2016

  2. Sergio alves Oliveira disse:

    A OPOSIÇÃO AO NEOLIBERALISMO PRECISA, URGENTEMENTE, TRANSFORMAR ESSAS PROPOSTAS EM PROGRAMA DE GOVERNO E MOBILIZAR O POVO EM TORNO DA DISPUTA ELEITORAL DE 2022☝?☝?DEVEMOS LUTAR “POR” ALGUMA COISA E NÃO APENAS “CONTRA” ALGUMA COISA☝?☝?

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