Poesia: A morte se fez um, se fez mil
Em um dia pandemia, 1.179 mortes — uma a cada 73 segundos — em velocidade quase a superar a barreira do som. No Rio de Janeiro, um menino é assassinado pela polícia. Mil disparos nas periferias. Uma marca, um espanto, um horror
Publicado 20/05/2020 às 13:07 - Atualizado 20/05/2020 às 14:01
Mil
A velocidade do som,
Uma onda de pressão;
1.234
quilômetros por hora
A ultrapassarem uma barreira.
Mil!
Um número, uma cifra.
Um estrondo.
Foi além,
1.179.
Uma
A cada 73 segundos;
17.971 desde a primeira,
A
velocidade do horror em 63 dias.
Um
Menino.
Baleado, assassinado,
“os policiais
saíram atirando”, escreveu um primo.
Mil!
Só havia crianças
Deitadas no chão e com as mãos
para cima.
Mil disparos.
Era um menino, quatorze anos.
Era eu.
Eram tantos.
Eram eu.
Mil!
No mesmo dia, 1.179,
Quase a barreira do som.
Eram
nós.
Uma marca, um espanto, um horror.
Um deboche, um descaso, um
desprezo.
Um dia em um país em desamparo.
A morte, a
destruidora de mundos, se fez um, se fez mil.
(Célio Turino, madrugada de 20 de maio de 2020)