O tempo não anda lá pra rouxinóis

Em quatro sonetos em prosa, o piar da utopia, em tempos de gripe, boa influenza, homicídio, hospício… Em todo caso, adverte o poeta, nascemos com língua e o que é a constipação perto do desarranjo oral e da salva de espirros?

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1

Ô que também quero eu criar minha escola!

Quem aguenta viver assim? Cá entre nós,

ou é isto ou a morte, não temos escolha.

Sei que o tempo não anda lá pra rouxinóis,

mas quem falou em ressuscitar menestréis?

O ímpeto da utopia piou, tal e qual o vendaval

da esperança. Sobrou só o célebre stress

Ah, que saudades do spleen, do aval que dava

à aura moderna! chorem os poetas vida afora.

Exemplo de modernidade será nossa causa.

Voltada pro mercado — sem mais metáforas.

Nada de círculos ou cenáculos — casa nostra

fornece o melhor paradigma de gestão. E o nome da gangue

abre possibilidade até de intertexto teuto: “Estrume e Sangue”.

____

2.

Ah, quem nos dera saber línguas!

Falar com os pássaros, com o vento…

Menos com as gentes. Tudo igual

há tanto, que é pura perda de tempo.

Em todo o caso, nascemos com língua,

e passar o tempo todo falando, falando,

é forma cediça de passatempo humano

— sobre ser mais útil que tomar pinga!

Boa ideia?! Acho que exagerei na dose.

Espero que me perdoem os companheiros,

os discursos embriagam, ouvimos vozes?

a gente se inflama, a pedra quem primeiro…

Seguinte a questão: não quero saber o que deu ou não deu

no New York Times. Falo aos homens porque falo com Deus.

____

3.

Ai que não entendo como se fala ainda!

Tempos fabulosos aqueles em que só se

metiam a falar os animais… É o fim da

poesia, definitivamente. Bendita a tosse,

que corta o que ameaça virar fluência.

Louvemos os resfriados, as gripes,

tudo que carrega enfim a boa influenza.

Dever nosso é dar hips e mais hips

hurras às sufocações humanas. Penso

que, se parece feio, é tanto mais digno

o defluxo. Em vez da palavra, do lenço

tomássemos… o gesto merecia um hino.

Que é a constipação perto do desarranjo oral? O estribilho,

quem o atura mais? Quem não prefere a salva de espirros?

____

4.

Ai, esta vida de Marat sem banheira…

Onde que leva? homicídio? hospício?

Que que eu tenho que ver com isso!

Vou eu agora limpar toda a sujeira?

Nunca pensei que fizesse tanta falta…

Eu, fosse presidente, mandava instalá-la,

nem que fosse no meu avião! Lala-lá,

cantarolava baixinho, planando alto,

em meio à espuma. Espumasse o resto…

Relaxar é preciso! Eis meu novo lema.

Basta de abertas (ou e-meias) polêmicas!

O que faz a não ser acumular desafetos

o amigo do povo? Sejamos moderno: que que eu ganho?

Hidrofobia, nem hidropisia?! O povo que vá tomar banho!

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