Magia ao luar e o amor como síntese

Woody Alen retoma velha forma, expõe a dúvidas misantropo arrogante e sugere: entre ceticismo e ingenuidade, saída pode ser sentimento que, sem explicar, evidencia

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Por José Geraldo Couto, no blog do IMS

Dizer que Magia ao luar é entretenimento inteligente é dizer pouco. Trata-se do filme mais engenhoso e “redondo” de Woody Allen em muitos anos. Mais que isso: sintetiza à perfeição suas reflexões de maturidade a respeito da vida e seus mistérios insolúveis. Tudo isso com a leveza e o savoir-faire dos melhores momentos do diretor.

Numa narrativa em que tudo gira em torno do engano e do autoengano, a trama é, ela própria, enganosamente simples: Stanley (Colin Firth), um célebre mágico inglês que atua sob o nome artístico de Wei Ling Soo, é incitado por um velho colega de profissão (Simon McBurney) a desmascarar uma jovem médium norte-americana, Sophie (Emma Stone), que está causando furor na Europa. A ação se passa em 1928 no sul da França, onde Sophie está prestes a ficar noiva de um rapaz milionário (Hamish Linklater).

Crer ou não crer

Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o desenvolvimento e as reviravoltas da história, mas apenas atentar para a ideia básica que conduz a narrativa: a tensão entre a credulidade e o ceticismo. O interessante, na evolução dramática do filme, é fazer com que essa oposição se instale no íntimo do protagonista Stanley, abalando sua firme posição inicial de misantropo arrogante e sarcástico. A frase que resume sua filosofia de vida, antes da crise, parece ter saído diretamente da boca do diretor: “Nascemos e, apesar de não termos cometido nenhum crime, somos condenados à morte”.

Crer ou não crer, eis a questão. Na dialética proposta por Woody Allen, se a fé é a tese e a descrença é a antítese, uma síntese possível seria o amor, capaz de evidenciar, sem explicar, a substância mágica de todas as coisas do universo, inapreensível tanto pela ciência como pela religião.

O método de construção aqui é o que, com alguma liberdade, poderíamos chamar de socrático: o diálogo que solapa certezas e introduz a dúvida. O discurso do protagonista se enche progressivamente de expressões adversativas, do tipo “apesar de”, “se bem que”, “não obstante” (“in spite of”, “though”, “notwithstanding that”).

Essa argúcia discursiva atinge o ápice no diálogo entre Stanley e sua tia Vanessa (Eileen Atkins) a respeito da médium Sophie, no qual tudo o que se fala quer dizer exatamente o seu contrário. O efeito é reforçado pelo fato de se tratar de dois estupendos atores ingleses tarimbados na arte do understatament e do subtexto.

Cena de “Magia ao luar” mostra Stanley (Colin Firth) e Sophie (Emma Stone)

Epifania e sacanagem

Já se disse com razão que Woody Allen é muito mais um escritor, um dramaturgo, do que propriamente um grande cineasta. Ao contrário de um Welles ou de um Kubrick, não é na expressão visual que reside a sua força. Mesmo tendo como locações a paisagem deslumbrante da Riviera francesa, bosques e palácios majestosos, o filme poderia ser uma peça de teatro sem grande perda de substância.

Ainda assim, há momentos visualmente inspirados. Um deles é antológico. O mágico e a médium refugiam-se da chuva num velho observatório à beira-mar. Quando a chuva passa – e a intimidade entre os dois aumenta –, Stanley aciona o mecanismo que abre parcialmente a cúpula do observatório, deixando ver as estrelas e uma lua minguante. É um momento de epifania e, ao mesmo tempo, uma imagem quase pornográfica, em que o fálico telescópio está prestes a penetrar a fresta em forma aproximada de vagina. Poesia e safadeza juntos, mostrando que o velho Woody Allen, quando quer, também sabe ser um tremendo cineasta.

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