Extremophilia: para resistir em condições improváveis

Algumas formas de vida existem mesmo em face do extremo. Saberemos enfrentar as mudanças climáticas; as migrações forçadas em massa; as repressões brutais às lutas de gênero, raça e classe? Nova coluna debaterá esta hipótese

Artemia salina, extremófila conhecida como “macaco do mar”. Crustáceo, dotado de exo-esqueleto, sobrevive em ambientes de salinidade extrema. Reproduz-se sexuada ou assexuadamente
.

Por Fabiane M. Borges

Essa coluna tem o mesmo nome da revista lançada em setembro de 2018 durante a II Comuna Intergaláctica no Planetário do Ibirapuera em São Paulo. Seu primeiro número foi ao mesmo tempo o 6º da Revista das Questões do departamento de filosofia da UnB, e agora é uma coluna do Outras Palavras. Como se sabe, as extremófilas se adaptam. Essa coluna pretende discutir questões relacionadas a arte espacial mas com essa pegada de fim de mundo, antropoceno, terceiro mundo. Aqui vai ter muitas entrevistas, traduções, discussões, ensaios, crítica de arte e tecnologia, e cartografias.

extremøphilia: Da fusão do latim extremus (extremo) com o grego philya (amor), amor Ao/Ou no extremo, o termo também indica a capacidade de certos microrganismos (extremófilos) existirem em ambientes de condições improváveis: temperaturas radicais de frio ou calor, salinidade exagerada, regiões abissais, falta de gravidade, hipergravidade, zonas bombardeadas com altos níveis de radiação, zonas vulcânicas, geleiras, fundo do mar… Essas pequenas formas de vida têm sido protagonistas das mais variadas investigações exobiológicas. São assíduas nos vôos espaciais, produzindo suas nano colônias dentro de foguetes, satélites, rovers. Elas sobrevivem a tudo e, desde que são capazes de resistir às viagens interplanetárias – alguns cientistas espaciais especulam a possibilidade delas serem a origem da vida e a provável fonte da colonização humana em outros planetas.

Para além dos domínios de bactérias e archaes, propomos o conceito de extremøphilia nos remetendo ao pensamento cosmopolítico de hoje em dia, com suas políticas radicais: crises climáticas, fim da biodiversidade, capitalização dos rios, globalização corporativa, fim das florestas, uso excessivo dos recursos terrestres, brumadinhos e marianas, processos migratórios forçados, empobrecimento de populações, extinção de povos, desenvolvimento tecnológico exponencial, repressão às lutas de gênero, raça, classe, policiamento e controle na sociedade super vigiada.

Por isso trazemos a extremøphilia como imagem poética e política dessa coluna, porque as extremófilas sobrevivem aos extremos, têm autonomia, povoam a beirada desses sistemas e ambientes, alheias ao mercado, ao antropoceno e seus apocalipses.extremøphilia é viver apesar de!!



MANIFESTO TERRACOSMISTA1

Comuna Intergaláctica II, Equinócio da Primavera, 2018

I

Nós terranos, habitamos uma nave em plena viagem pelo universo, a girar ao redor do Sol, que por sua vez realiza o mesmo movimento em torno de outros astros, em um sistema complexo de conexões siderais: nossa experiência de mundo é um viagem pelo espaço, bem como pelo tempo, e desta condição nunca poderemos esquecer.

II

Buscamos a ancestralidade da Terra, reiterando a compreensão de que somos formados por pó de estrelas cujas existências nos excedem. Trazemos em nossa carga genética as infinitas interações galácticas e, orbitando por entre gravidade, somos a um só tempo, terranos e cosmistas.

III

Queremos atingir a singularidade terracosmista. Confiamos no múltiplo que a ciência e a tecnologia são capazes de produzir, sem univocidade. Não seremos indivíduos atrelados a uma só corporação, mas incorporados da diversidade de múltiplas galáxias. Seremos honestos em relação à vida e próximos à nossa potência de interação e criação de mundos.

IV

Gostamos da experiência do nomadismo por entre comunas, dos coletivos de mutualismo simbiótico, das redes de proteção interdependente. Acreditamos que ninguém é obrigado a viver ou morrer junto, mas cremos na habilidade de existir com os outros. Não confiamos em estados totalitários, nem em deuses impostos e viveremos como anarcomunais.

V

Estamos criptoparanóicos com tecnologias que emulam a divindade à imagem e semelhança do sapiens fascista, imitando sobretudo suas três características máximas: onipresença, onipotência e onisciência. Objetivamos inteligências artificiais (IAs) vinculadas a conhecimentos panteístas, ao invés do controle absoluto, onde não há espaço para a liberdade.

VI

Rechaçamos a aceleração exagerada, obstáculo para a experiência das diversas percepções temporais. Almejamos ser senhores do nosso próprio tempo, com a tranquilidade de quem concebe sua existência na complexidade. Desaceleracionistas, lutamos pelo fim da escassez do tempo e, assim, iremos além.

VII

Enquanto panspermianos animistas, não só nos sabemos matéria em movimento, como também subjetividade vibratória e comunicante – que compõem tudo o que existe. Confiamos na linguagem extremofílica, admirando os sobreviventes dos fins de mundos. Universos afora, faremos planetas exuberantes e interagentes como um dia foi a Terra.

VIII

Meteoros ao colidirem com a Terra fundem-se com os elementos que aqui encontram, produzindo novos materiais até então inexistentes, (ou aceleram processos de formação de outras matérias, como os diamantes). Como nós, estes corpos celestes originários de explosões estelares são constituídos da incessante fusão de forças internas e externas, que em constante transformação impactam-se. Nós, como todos os outros seres desse multiverso, resultamos da interação entre tudo. Somos Impactitos.

Fabiane M. Borges, pesquisa assuntos relativos à Subjetividade, Arte e tecnologia. Atualmente faz pós doutorado na ECA/USP em Arte Espacial, tem uma empresa chamada SACIE (Subjetividade Arte e Ciências Espaciais – https://saciesite.wordpress.com/), é organizadora da revista Extremophilia sobre o mesmo tema (http://periodicos.unb.br/index.php/dasquestoes/issue/view/1501). É articuladora dos festivais “Comuna Intergaláctica” http://comuna.intergalactica.space/ e “Tecnoxamanismo”,https://tecnoxamanismo.wordpress.com/, desenvolve projeto de Arte Espacial no ETE/INPE (Engenharia e Tecnologia Espacial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). É Psicóloga Clínica (faz atendimento online e presencial). Atua no campo fronteiriço entre Arte e Clínica. Gosta de esquizoanálise e esquemas de anti-sequestro de sonhos.

1 O manifesto foi criado durante a II Comuna Intergaláctica realizada no dia do equinócio de primavera no Planetário do Ibirapuera – São Paulo/ 2018. Criadores do Manifesto: Priscila Lima, Pitter Rocha, Christian Zahn, Rafael Frazão, Jessica Macedo, Hernani Diamantas, Rubens Velloso, Lino Divas, Fabiane M. Borges e Leno Veras.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *