A reencarnação prismática do Ulisses

No centenário do romance de James Joyce, nova tradução sobreleva a polifonia de estilos, temas e técnicas que o caracteriza, passando a um coro de 18 tradutores a tarefa de dar novo corpo ao texto. Resultado será múltiplo como o universo joyciano

.

Publicado originalmente na revista Qorpus, Edição especial James Joyce, com o título: Ulisses, a dezoito vozes

I. Nota preliminar: Metem psi o quê? 

– Metem psi o quê? – disse ele.
– Aqui – disse ela. – O que isso quer dizer?
Ele se inclinou para baixo e leu perto do polegar coberto de esmalte.
– Metempsicose? 

– Sim. Quem é ele quando está em casa? 

– Metempsicose – disse ele, franzindo as sobrancelhas. – É grego: do grego. Isso significa a transmigração das almas. 

– Ó, droga! – disse ela. – Fale com palavras comuns. 

Na mesa que no II Workshop in Progress do grupo de pesquisa Estudos Joycianos no Brasil abordou a nova tradução coletiva de Ulisses, a ser lançada em 2022, no centenário do romance, tendo em mente uma das palavras mais importantes do livro, metempsicose, ou seja, a transmigração das almas, levantamos a indagação (não mística, mas literária) acerca da possibilidade de um romance possuir “alma” e da dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de a complexíssima e centenária alma literária de Ulisses encontrar, hoje, em uma única pessoa, um corpo e uma mente aptos a receberem essa tão complexa e múltipla entidade, ao ponto de ela poder dizer que encontrou a sua alma-gêmea. À mesa, além deste que vos escreve e concebeu o projeto da nova tradução, participaram quatro dos dezoito autores-tradutores da nova versão do romance: Aurora Fornoni Bernardini, Dirce Waltrick do Amarante, Donaldo Schüler e Luci Collin.

A alma, reconhecendo a enorme dificuldade de realizar sua metempsicose e com uma imensa vontade de celebrar seus cem anos, decide como solução dividir-se em dezoito partes para reencarnar em dezoito diferentes corpos e, na impossibilidade de uma, talvez dezoito diferentes almas-gêmeas. Em mais um deslize delirante, falou-se, então, de reencarnações como Molly Bloom Collin ou da especificidade de essa alma escolher o nome de Aurora para dar os seus primeiros novos passos ou, do fato de procurar o autor que foi louco o suficiente para já ter encarnado seu mais noturno, fluvial e insano irmão, ou de como tal alma alegremente decidiu se colar na autora que neste imenso país, talvez, seja quem mais a conhece.

O texto que segue procura contar os primeiros passos dessa centenária metempsicose. Trata-se de duas partes do projeto “Ulisses, a dezoito vozes” que foi enviado como carta-convite a autores, artistas e tradutores espalhados por todo o Brasil. Uma parte é a própria explicação do projeto, a outra traz as justificativas para os nomes convidados para cada um dos dezoito episódios do romance (reproduzimos apenas as justificativas dos quatro nomes acima mencionados, não reproduzimos a nossa por julgarmos não ser de bom tom neste caso). O texto inédito e originalmente privado – primeiramente foi lido pelos dezoito tradutores que, com muito entusiasmo, toparam participar da nova empreitada joyciana – não vem a ser uma prosa particularmente acadêmica, mas, talvez, ainda seja a melhor maneira de contar aos leitores da revista Qorpus uma parte da história desse atual trabalho em progresso de tradução-reencarnação de Ulisses.

Por fim, em memória a uma das mais fecundas almas joycianas produzidas neste país, o título e a epígrafe da nota preliminar são um excerto da tradução de Bernardina da Silva Pinheiro (1922-2021), parte do espírito literário da autora, transmigrado, viverá sempre em sua belíssima, precisa e fluente versão de Ulisses.

II. Ulisses, a dezoito vozes

Com o objetivo de celebrar o centenário de publicação de Ulisses em 2022, nossa proposta é a de traduzir, ou melhor, de transcriar esta obra-prima de James Joyce por meio de dezoito das mais criativas e importantes vozes da literatura, das artes, da tradução e do universo de estudos joycianos do Brasil. Para celebrar dezoito vezes o romance, isto é, cada um de seus dezoito capítulos, buscou-se precisamente selecionar a melhor voz tradutória capaz de alcançar em português as singularidades da tão radical, inovadora, densa, cômica, erótica e experimental prosa de James Joyce. 

Para a realização desta tarefa, a qual não se constitui apenas em uma nova tradução, mas em um evento literário, convidamos tanto reconhecidos escritores e tradutores, como célebres especialistas na obra de Joyce e em literatura irlandesa, formando, assim, um conjunto de autores contemporâneos de distintas gerações, principalmente prosadores e poetas com estilos singulares de escrita; todos apresentando, em comum, uma exímia habilidade na arte da palavra e da tradução. Cabe salientar que selecionamos autores provenientes de dez diferentes estados do Brasil, assim estendendo a celebração a boa parte do território nacional (o projeto, também, conta com duas colaboradoras que residem nos EUA). 

A língua portuguesa foi a que mais vezes traduziu de forma integral o romance de Joyce, o que atesta o extraordinário, duradouro e ímpar interesse dessa obra em nossa cultura. A despeito de, inelutavelmente, terem sido enormes realizações, contudo, a nosso ver, nenhuma das versões existentes foi capaz de se aproximar com tamanha inventividade ao conteúdo e à expressividade da literatura de Joyce como, almejamos, fará a tradução de Ulisses, a Dezoito Vozes, com lançamento planejado para 2022.

A necessidade de uma nova tradução provém da extrema peculiaridade da estrutura estilística e de conteúdo do romance que, capítulo a capítulo, não apenas “transmigra” a Odisseia de Homero para a moderna Odisseia de um dia na vida de Leopold Bloom (que perambula pela cidade de Dublin), mas também possui uma segunda ambição literária ainda mais inusitada: realizar, por meio de seus dezoito capítulos, uma verdadeira “odisseia de estilos”. Tal qual Proteu, deus marinho grego conhecido por constantemente alterar sua aparência, o romance apresenta uma linguagem fluida e poliforme, a qual se metamorfoseia de capítulo em capítulo a fim de melhor expressar e (des)construir o conteúdo tratado.

Tomemos um exemplo, para recriar o episódio no qual o grego Odisseu precisou contornar o canto das sereias, Joyce propõe para a ventura de um dia de Leopold Bloom um capítulo estruturado musicalmente onde, segundo o autor, temos: a. um lugar: uma sala de concerto (no interior de um hotel e ligada a um bar); b. um órgão humano: a orelha; c. uma cor: não há (pois o capítulo é puramente sonoro); d. um símbolo: a garçonete (na qual as sereias são transformadas e que empurra bebidas alcoólicas na sala de concerto); e. uma arte: a música e f. uma técnica: fuga per canonem. Temos claramente uma série de elementos musicais que fazem o canto das sereias transmigrar para elementos estruturantes da narração, e esses literalmente transformam o capítulo em música. 

Para recriar em português o capítulo das “Sereias” convidamos Willy Corrêa de Oliveira, um dos mais importantes compositores de música erudita contemporânea brasileira, um artista cujo trabalho não se restringe à linguagem musical, mas também possui forte expressão na escrita verbal, sendo autor de uma série de livros que transitam entre memórias, contos, ensaios teóricos e políticos, além de traduções. Oliveira, um ávido leitor de James Joyce, iniciou seu contato com a obra do autor irlandês na década de 1960, quando pôde acompanhar as primeiras transcriações contemporâneas da produção de Joyce no Brasil, realizadas pelos poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos, de quem era próximo, responsáveis por um marco dos estudos joycianos brasileiros: o livro Panaroma do Finnegans Wake (1962).

O exemplo das “Sereias” torna claro o procedimento de nosso projeto: trabalhar com um expoente da música brasileira que simultaneamente é um profundo conhecedor de Joyce para traduzir o capítulo musical do romance. Do mesmo modo sempre teremos um autor-tradutor com uma profunda relação com o estilo e conteúdo do referido capítulo traduzido.

A enorme dificuldade na tradução de Ulisses decorre, em muito, da presença da singularidade destes múltiplos estilos que se distribuem pelos capítulos do romance. Ainda que um excelente tradutor seja capaz de verter bem um número significativo de capítulos, o seu próprio estilo “pessoal” de tradução dificilmente irá se adequar tão bem aos diversos outros presentes nos demais capítulos, gerando a grande dificuldade da tradução. Por motivo, as traduções existentes, a despeito de serem virtuosas, acabam, em larga medida, por uniformizar a radical multiplicidade, uma das maiores marcas de excelência do romance. Além disso, a grande extensão de uma obra tão complexa, também, promove a extrema dificuldade da tradução de Ulisses

Ambos os problemas estão facilmente resolvidos pelo nosso projeto: em primeiro lugar, a escolha de um tradutor para cada capítulo reduz drasticamente a extensão do trabalho; por exemplo, no caso das “Sereias” são apenas 33 laudas de texto. Em segundo lugar, como cada tradutor irá se dedicar à tradução de um capítulo cujos conteúdo e estilo se adequam ao seu próprio trabalho, assim evitamos o problema da uniformização do romance, muito pelo contrário, a nossa transcriação do livro será extremamente múltipla e polifônica. 

Com uma extensão de texto amigável e com um capítulo especialmente escolhido em função da singularidade do tradutor, acreditamos ser possível contornar esses dois sérios problemas da tradução de Ulisses, passando da extrema dificuldade a um trabalho tradutório de invenção, engenho e prazer. 

Tendo esta lógica em mente, convidamos: o romancista Carlos de Brito Mello, cuja obra tematiza, sobretudo, a morte, para traduzir o capítulo “Hades”, que consiste em um funeral; a escritora, poeta, tradutora e especialista em literatura irlandesa Luci Collin, cuja obra apresenta a subjetividade de inúmeras protagonistas mulheres, para traduzir o capítulo “Penélope”, que consiste no longo fluxo de consciência de Molly Bloom; João Adolfo Hansen, um dos mais importantes críticos literários e especialistas em retórica do Brasil, para traduzir o capítulo “Éolo”, composto a partir de cento e trinta figuras de retórica; Donaldo Schüler, o transcriador do “delirante” Finnegans Wake, para o capítulo “Circe”, que consiste em um complexo delírio; José Roberto O’Shea, tradutor de Joyce, além de um dos mais importantes tradutores da obra de Shakespeare no Brasil, para “Cila e Caríbde”, capítulo que gira em torno de uma longa discussão sobre Hamlet. E, assim por diante, os convites foram realizados sempre a partir uma grande proximidade entre o capítulo e a especialidade do autor convidado. 

Como a lista de convidados é extensa, nesta apresentação do projeto, não os mencionaremos caso a caso, isto cabe à segunda parte do projeto, a qual consiste na justificativa detalhada da escolha de cada um dos tradutores em relação ao seu respectivo episódio. 

Os dezoito episódios e os nomes dos autores-tradutores: 

1 – “Telêmaco”: Aurora Bernardini

2 – “Nestor”: Dirce Waltrick do Amarante

3 – “Proteu”: Julián Fucks

4 – “Calipso”: Luisa Geisler

5 – “Lotófagos”: Guilherme Gontijo Flores

6 – “Hades”: Carlos de Brito Mello

7 – “Éolo”: João Adolfo Hansen

8 – “Lestrígones”: Alípio Correia de Franca Neto

9 – “Cila e Caríbde”: José Roberto O’Shea

10 – “Rochedos errantes”: Eclair Antônio Almeida

11 – “Sereias”: Willy Corrêa de Oliveira

12 – “Ciclope”: Henrique Xavier

13 – “Nausícaa”: Antonio Quinet

14 – “Gado do Sol”: Élide Valarini Oliver

15 – “Circe”: Donaldo Schüler

16 – “Eumeu”: Piero Eyben

17 – “Ítaca”: Denise Bottmann

18 – “Penélope”: Luci Collin

Cabe salientar o fato de uma parte significativa dos convidados provir de núcleos de estudos joycianos e de literatura e cultura irlandesa espalhados pelo Brasil, núcleos que, em suas regiões, promovem o Bloomsday, celebração anual em torno do romance e da literatura de James Joyce e que, certamente, em 2022, estarão pelo território nacional preparando seus eventos e levando também a nossa proposta de “Ulisses, a dezoito vozes” junto a suas comemorações do centenário do romance. O lançamento da tradução, também, será um grande evento de celebração, podendo se desdobrar em mais atividades públicas (seminários, palestras, exposições etc.) com a participação de boa parte dos autores-tradutores. 

III – Quatro autores-tradutores e seus respectivos episódios 

Episódio 1: “Telêmaco” 

Aurora Fornoni Bernardini (natural de Domodossola, Itália e residente em São Paulo, sp) é tradutora, escritora, ensaísta e professora titular de Literatura e Língua Russa na Universidade de São Paulo (USP). Radicada no Brasil desde os quatorze anos, Bernardini é uma das mais respeitadas tradutoras do país, tendo vertido para o português importantes obras das línguas russa, italiana e inglesa de inúmeros renomados autores, dentre outros: Luigi Pirandello, Isaac Bábel, Umberto Eco, Marina Tsvetáieva, Carlo Emilio Gadda, Marjorie Perloff, Giuseppe Ungaretti, Anton Tchekhov e James Joyce.

Já na direção contrária, ou seja, do português para outras línguas, ela teve o privilégio de traduzir a quatro mãos, em companhia dos próprios autores, o romance Um copo de Cólera, de Raduan Nassar, e uma série de poemas de Haroldo de Campos. Com este último, ela também pôde transcriar Giuseppe Ungaretti: Daquela estrela à outra (Ateliê editorial, 2003), livro com o qual a dupla recebeu o prêmio Jabuti em 2004. A parceria entre Bernardini e Haroldo de Campos e, também, seu irmão Augusto Campos, é de longa data. Sua tradução de Ka (Perspectiva, 1977), de Velimir Khlébnikov, é o quinto volume da Coleção Signos, dirigida pelos irmãos Campos. Coleção histórica que, justamente, foi aberta com Panaroma do Finnegans Wake (Perspectiva, 1962). Deste mesmo período data a aproximação crítica de Bernardini com a obra de James Joyce. Já em 1967 ela defende uma monografia de especialização sobre Um retrato do artista quando jovem na pós-graduação em Literatura Inglesa e Anglo-Americana na USP. Ao longo dos anos, essa aproximação permanece intensa, sendo a autora uma figura central e recorrente na história do Bloomsday no Brasil. Recentemente, ela fez parte do Coletivo Finnegans, organizado por Dirce Waltrick do Amarante, que produziu uma tradução coletiva de Finnegans Wake (no prelo).

Bernardini é uma das precursoras de pesquisas (e traduções) no Brasil acerca dos futurismos italiano e russo, tendo levado o rigor formal e a perspectiva criativa presentes nestas artes de vanguarda para o seu trabalho tradutório. Por suas traduções recebeu inúmeros reconhecimentos, dentre eles: o prêmio Jabuti em 2014 com Os sonhos teus vão acabar contigo, de Daniil Kharms (finalista, com Daniella Mountian e Moissei Mountian), o prêmio Jabuti em 2007 com Indícios Flutuantes de Marina Tsvetáieva, o prêmio Jabuti em 2004 com Ungaretti: Daquela Estrela à Outra (com Haroldo de Campos); o prêmio da Agência Federal Russa da Imprensa e Instituto de tradução Literária em 2013 com Os seus sonhos vão acabar contigo, de Daniil Kharms; o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 2006 com O exército de cavalaria de Isaac Babel (em parceria com Homero Freitas de Andrade); o prêmio da Biblioteca Nacional em 2006 com Indícios Flutuantes, de Marina Tsvetáieva.

Para abrir a tradução de Ulisses convidamos Aurora Bernardini, uma autora veterana e ao mesmo tempo futurista, cuja trajetória se confunde com a história e com a atualidade do que há de mais radical e criativo nos estudos e traduções joycianas no Brasil. Ao mesmo tempo, o convite à autora visa, de forma indireta, a trazer à memória os nomes de Haroldo e Augusto de Campos, reconhecendo, também, o significativo lugar de ambos em nossa proposta de tradução coletiva.

O episódio intitulado “Telêmaco” porta um tipo especial de convite de Joyce à leitura do romance. Referências à Bíblia e a Hamlet, que se encontram por todo livro, já pontuam o diálogo entre Stephen Dedalus e Buck Mulligan neste primeiro capítulo. Mais ainda, o diálogo apresenta a ideia de que ambos os personagens deveriam literariamente helenizar a ilha da Irlanda, preparando, de maneira implícita, o convite de Joyce para adentrarmos na metempsicose do antigo herói homérico para a vida de um sujeito comum em Dublin, estimulando-nos a perceber no livro o encontro e o confronto entre muitas épocas e literaturas. Em “Telêmaco” escutamos o fluxo de consciência de Stephen Dedalus ao acompanhar o sofisticado ritmo poético empregado pelo encadeamento de imagens, lembranças e ideias no pensamento dessa personagem, uma das principais da obra. Cremos que o profundo conhecimento da literatura de Joyce somado ao rigor e à invenção do trabalho tradutório de Aurora Bernardini conduzem à excelência de uma nova transcriação em português deste especial convite para adentrarmos em Ulisses.

Episódio 2: “Nestor”

Dirce Waltrick do Amarante (natural de e residente em Florianópolis, SC) é tradutora, ensaísta, escritora e professora de Artes Cênicas e de Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Amarante é uma reconhecida estudiosa da obra de Joyce no Brasil, possuindo importante produção teórica, poética e tradutória dedicada à obra do autor irlandês; além de ser organizadora, juntamente com Sérgio Medeiros, do Bloomsday em Florianópolis. Amarante também possui ampla e premiada produção ligada à literatura infanto-juvenil, além de traduções das obras de Gertrude Stein, Eugène Ionesco, Edward Lear, dentre outros.

Em relação a Joyce, além de ter escrito os livros de Para Ler Finnegans Wake (2009, finalista do prêmio Jabuti), James Joyce e Seus Tradutores (2015); ela é responsável pela organização e tradução dos livros Finnegans Wake (Por um Fio) (2018, prêmio da Associação Brasileira de Literatura Comparada – Abralic), De Santos e Sábios (2018), Cartas a Harriet (2018) Cartas a Nora (2012) (essas três últimas traduções em parceria com Sérgio Medeiros); pela criação de Minha Pequena Irlanda (2020) (realizada a partir de textos de Joyce); mais precisamente em relação à literatura infantil, ela traduziu Os Gatos de Copenhague (2013) e O Gato e o Diabo (2013) (todos livros publicados pela editora Iluminuras). Recentemente, Amarante organizou uma nova tradução, também coletiva, de Finnegans Wake, intitulada Finnegans Rivolta (no prelo).

O segundo episódio, intitulado “Nestor”, se passa em uma escola infantil, na qual Stephen Dedalus dá aulas a uma turma de pequenos. Havendo nesse episódio, com isso, a significativa presença de diálogos com crianças, optamos pela tradução de Amarante, tanto pelo motivo ligado à temática infantil, como pelo amplo conhecimento da autora da obra de Joyce, que lhe permitem dar conta de outras questões e passagens presentes no decorrer do episódio.

Episódio 15: “Circe” 

Donaldo Schüler (natural de Videira, SC; residente em Porto Alegre, RS) é escritor, tradutor e professor emérito de Literatura e Língua Gregas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Schüler possui um número bem extenso de importantes prêmios na área de literatura e cultura; dentre eles, recebeu o Prêmio John Jameson, em 2000, por significativa contribuição à difusão da cultura irlandesa no Brasil. Escreveu livros de ensaios, poesia, contos e romances. É responsável por traduções de importantes textos da Antiguidade grega: uma série de tragédias (de Sófocles, Eurípides e Ésquilo), O Banquete de Platão e a Odisseia de Homero.

Em relação a James Joyce, é responsável pela criativa, ímpar, rigorosa e delirante tradução de Finnegans Wake, lançada em cinco volumes entre 1999 a 2003 pela Ateliê Editorial, que recebeu os prêmios de melhor tradução pela Associação Paulista de Críticos de Arte (apca) em 2003 e Prêmio Jabuti em 2004. Mais recentemente, Schüler lançou pela mesma editora Joyce Era Louco? (2018), uma interpretação da obra de Joyce e da subjetividade e possível loucura do autor irlandês, estabelecendo um diálogo com a psicanálise de Jacques Lacan e a poesia de Homero.

Cremos que as experiências ímpares da tradução integral do labiríntico delírio de Finnegans Wake e da sua aguda interpretação da loucura em Joyce fazem de Donaldo Schüler o convidado mais que ideal para a tradução de o episódio 15, “Circe”, um dos mais complexos e extensos do romance, que se desenvolve na forma de uma gigantesca alucinação durante a noitada de Stephen Dedalus e Leopold Bloom pela zona da luz vermelha de Dublin.

Episódio 18: “Penélope”

Luci Collin (natural de e residente em Curitiba, PR) é poeta, contista, romancista e tradutora. Também é formada em piano e percussão clássica, além de ser professora de Literatura de Língua Inglesa, especialista em Literatura Irlandesa (uma de suas maiores paixões) e professora de Tradução Literária na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Escritora prolífica, ocupa a cadeira 32 na Academia Paranaense de Letras, com mais de vinte e três livros publicados, entre poesia, contos e romances, dentre eles Querer Falar (Finalista do Prêmio Oceanos 2015) e A Palavra Algo (Prêmio Jabuti 2017). Sua Antologia Poética 1984-2018 foi publicada pela Ateliê em parceria com a Kotter Editorial. Traduziu Eiléan Ní Chuilleanáin, Gertrude Stein, E. E. Cummings, Gary Snyder, Jerome Rothenberg, poesia indiana de língua inglesa, dentre outros. Na contramão de uma “escrita realista” e de narrativas lineares, Collin se coloca intencionalmente enquanto herdeira do experimentalismo elaborado pela linguagem moderna, que encontra em Joyce um de seus maiores nomes. 

A obra em prosa da autora – na qual sempre conserva forte expressão poética e experimental – configura-se por meio da fragmentação, de recortes, sobreposição temporal, exploração de temas não usuais, ironia, colagem, absurdo, manipulação sintática e semântica. Também, marcante em sua escrita vem a ser o entrelaçamento de “ações cotidianas pouco ou não significativas” com um profundo e complexo plano de atividade psíquica capaz de – pelo poder poético da palavra densamente subjetivada e expressivamente trabalhada – transfigurar o cotidiano em estranhamento, literatura e abertura subjetiva. Além disso, de importância singular para o nosso projeto, será a forte presença na obra de Collin da construção e desconstrução do lugar crítico das mulheres enquanto sujeitos de enunciação. Em sua obra, há, sobretudo, protagonistas mulheres que expressam literariamente as contradições do campo a partir do qual, de maneiras diversas, elas se constituem enquanto sujeito, tendo a presença dessa enunciação das mulheres na obra de Collin se tornado tema de uma série de estudos, ensaios e teses sobre feminismo e literatura.

Collin é a convidada para traduzir “Penélope”, o último episódio de Ulisses, no qual se apresenta um dos mais célebres monólogos femininos da história da literatura ocidental. Através de oito frases praticamente sem qualquer pontuação que atravessam 57 páginas, naufragamos e submergimos no complexo fluxo de consciência erótico, sábio, associativo, dissociativo e feminista de Molly Bloom. Esse fluxo de consciência foi descrito por D.H. Lawrence, na década de 1920, – expressando a voz de uma geração de leitores – como “a coisa mais suja, indecente e obscena jamais escrita”; contudo, o mesmo monólogo é interpretado nas duas décadas do século xxi como expressão de uma mulher sexualmente liberada cujo fluxo de pensamentos seria o estilo de uma linguagem fluida e livremente associativa capaz de criar uma experiência para além do controle de uma razão patriarcal. Nossa proposta é trabalhar com a inteligência e expressividade de uma poeta e romancista experimental, versada em questões das mulheres e de suas subjetividades, para realizar a tradução deste monólogo e, assim, metamorfosear o fluxo de consciência de Molly Bloom, que, vez criado pelo escritor irlandês, será , agora, traduzido, ou melhor, trans-criado por uma escritora brasileira.

____________

Referências

CAMPOS, A de; CAMPOS, H de; JOYCE, J. Panaroma do Finnegans Wake. São Paulo, Perspectiva, 1986.

ELIOT, T. S. ‘Ulysses, Order and Myth’ em The dial, n. 75, 1923.

HORÁCIO. Epístolas. Lisboa, Cotovia, 2017.

JOYCE, J. Ulisses. Trad. Antônio Houaiss, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1982.

______. Ulisses. Trad. Bernardina da Silva Pinheiro, Rio de Janeiro, Objetiva, 2005.

______. Ulysses. Trad. Caetano Galindo, São Paulo, Penguin e Cia das Letras, 2012.

______. Ulisses. Trad. Jorge Vaz de Carvalho, Lisboa, Relógio d’Água, 2013.

______. Finnegans Wake, vols.1-5. Trad. Donaldo Schüler, São Paulo, Ateliê, 1999-2004.

LAÉRCIO, D. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília, Ed. UnB, 2008.

LUCRÉCIO. Sobre a Natureza das Coisas – De rerum natura. Belo Horizonte, Autêntica, 2021.

PLATÃO. A República. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1987.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *