O socialismo de Lima Barreto, redescoberto

Falecido há 100 anos, escritor negro carioca retratou acidamente contradições sociais brasileiras. Compilação de seus textos políticos apresenta as convicções revolucionárias que o moviam. Nossos apoiadores concorrem a 2 exemplares

“[L]ogo acabada esta guerra que é o maior crime da humanidade, quando os filhos e os outros parentes dos pobres-diabos que lá estão morrendo às centenas de milhares, ou se estropiando, tiverem de ajustar contas com esta burguesia cruel, sem caridade, piedade e cavalheirismo, que enriqueceu e está se enriquecendo de apodrecer, com esse horroroso crime, nós, os brasileiros, devemos iniciar a nossa Revolução Social”.

Quem é o autor dessas linhas incendiárias que se lê acima? Pelo tom, só pode ser mais um desses agitadores socialistas que já andavam pelo Brasil lá pelos anos 1910… E é mesmo. Mas este é bem conhecido – um tal de Lima Barreto. E no parágrafo seguinte, ele admite: “confesso que foi a Revolução Russa que me inspirou tudo isso”. Intitulado “No ajuste de contas”, este e outros textos que explicitam a não tão conhecida militância do escritor negro carioca estão reunidos em Lima socialista, lançado por nossos parceiros da Autonomia Literária.

Para quem lê Os bruzundangas ou Triste fim de Policarpo Quaresma, não é segredo algum que Lima Barreto via com olhos críticos os rumos da sociedade brasileira de seu tempo, décadas em que se viram as consequências de uma Proclamação da República que em nada democratizou o país e uma Abolição que em nada beneficiou os ex-escravizados, ainda sujeitos a uma exclusão social brutal. 

Mas o desprezo de Lima pelo nascente Brasil da burguesia não está restrito à sua produção satírica e de ficção, primeira a ser redescoberta após sua morte – o carioca colaborou por vários anos com a ABC, revista ligada aos grupos anarquistas que até então hegemonizavam o igualmente nascente movimento operário local. Nela publicou escritos como Sobre o maximalismo e Manifesto maximalista, atacando a concentração de terras nas mãos de poucos oligarcas e pregando o fim do direito à herança, o confisco das grandes fortunas e a legalização do divórcio.

Maximalista, se alguém não souber, é quem luta pelo programa máximo, no jargão revolucionário. Isto é, quem não aceita meias medidas e exige a transformação radical das coisas. Por algum tempo, os que encontraram uma alternativa ao império da exploração no exemplo da revolução social na Rússia, como Lima, foram conhecidos por esse nome. Na ABC ele dividiu espaço com uma outra figura que viria a prestar apoio à futura União Soviética: Astrojildo Pereira, o anarquista tornado bolchevique que foi responsável pela organização das bases em que se assentaria o Partido Comunista do Brasil, fundado no mesmo ano da morte de Lima Barreto.

Em vida, sua pobreza, sua posição política intransigente e sua raça custaram caro ao escritor. Confinado diversas vezes em hospícios – historicamente, uma das principais ferramentas da higienização social no país –, Lima Barreto conviveu com o alcoolismo e a depressão, em parte potencializados por sua marginalização total no cenário literário e pela falta de perspectiva de melhores condições de vida.

Outras Palavras e Autonomia Literária sortearão dois exemplares de Lima socialista, compilação de escritos políticos de Lima Barreto, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 24/11, às 14h. Quem é Outros Quinhentos tem 25% de desconto no site da editora.

A partir das margens, Lima Barreto só cresceu de 1922 para cá – e se agigantou de forma tamanha que o establishment literário hoje tem que engoli-lo, tornando-o até mesmo tema de feiras literárias renomadas. O desaparecimento físico não se estendeu à sua obra, cuja chama se aviva mais e mais pela pertinência contínua de sua crítica.

A precoce morte por ataque cardíaco aos 41 anos que se abateu sobre o “mulato pobre mas livre”, como o escritor foi apelidado por um samba-enredo da Unidos da Tijuca em sua homenagem, tem as marcas da luta de classes no Brasil, implacável com os que denunciam os quinhentos anos de miséria nacional. Mas que há de virar do avesso com a luta dos que, como Lima em seu Manifesto maximalista, acreditam que “uma das mais urgentes medidas do nosso tempo é fazer cessar essa fome de enriquecer característica da burguesia”.

Como Marighella e Paulinho da Viola, de quem tratamos em textos anteriores, Lima Barreto é, por sua história, uma semente do Brasil que está por construir. Neste novembro negro, todos os sorteios do Outros Quinhentos homenageiam figuras históricas da luta cultural e política pela emancipação de nosso país, que necessariamente há de ser negra e socialista como Lima.


No centenário de sua morte, organizamos este singelo ato de comemoração de seu legado em parceria com a Autonomia Literária. Sortearemos dois exemplares de Lima socialista, compilação de seus escritos políticos organizada por Worney Almeida de Souza, entre os apoiadores do nosso jornalismo.

O formulário de participação no sorteio será enviado por e-mail na lista exclusiva aos leitores que já fazem parte da rede de apoiadores que contribuem com Outras Palavras. As inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 24/11, às 14h.

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3 comentários para "O socialismo de Lima Barreto, redescoberto"

  1. José Mário Ferraz disse:

    De Jeremias a Cristo, Marighela, Lamarca, Luther King e muitos outros, a História é farta em individualidades que se arvoraram contra injustiça social e se deram tão mal quanto grupos de revoltosos. Apenas o povo unido terá o poder de mudar o rumo ditado pelos avaros Reis Midas a ser seguido pela humanidade. Como estes monstros ajuntadores de riqueza e esparramadores de miséria anularam com festas, campeonatos e religiosidade a capacidade de percepção do povo, a humanidade estará fadada a servir alegremente a estes parasitas enquanto permanecer sob seu domínio votando em ladrões, lavando escadas de igrejas, conversando com estátuas e comprando feijão milagroso e esperneando no axé e no futebola.

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