Uma obra indispensável para entender a China

Recém-publicado no Brasil, livro de Isabella Weber analisa as encruzilhadas chinesas a partir da década de 1980. Sua hipótese: ao não aderir à “terapia de choque” neoliberal, Pequim reinventou seu socialismo através do mercado regulado

Imagem: Xander Heint/PhotoTeck
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Como a China escapou da terapia de choque, de Isabella Weber, publicado pela Editora Boitempo, parceira de Outras Palavras. Quem apoia nosso jornalismo tem desconto de 20% neste e outros títulos da editora. Contribua aqui

Por Elias Jabbour, no Blog da Boitempo

Desde que a China reagiu de forma avassaladora à crise financeira de 2008 – com seus imensos conglomerados empresariais estatais operando de forma simultânea milhares de projetos e mudando depressa a fase do território chinês e inaugurando esquemas de divisão social do trabalho –, tenho advogado que teorias ortodoxas e heterodoxas perderam a capacidade de explicar o fenômeno chinês. Se o conceito se manifesta no movimento real e uma elevação do domínio humano sobre a natureza tem-se expressado no país com o surgimento de formas superiores de planificação econômica, é evidente que todo um novo marco teórico, conceitual e categorial deve ser construído no sentido de compreendermos o “novo” que surge diante de nós na China.

Meu encontro com a obra de Isabella Weber, nossos debates virtuais e a atual amizade se deram justamente no período em que já estava cristalizada em minha cabeça, após romper com a ortodoxia e a hetorodoxia, que em 1978 surgia na China uma nova classe de formações econômico-sociais de orientação socialista. Sua principal característica, em visão de processo histórico, estava na reinvenção do socialismo através de instituições de mercado.

Como a China escapou da terapia de choque: o debate da reforma de mercado foi o maior choque de conteúdo que recebi sobre a China desde que fixei algumas noções em meu pensamento. Nenhum economista no mundo moderno mostrou a capacidade de Isabella Weber ao buscar na história antiga da China uma resposta adequada sobre as razões que abasteceram os inimigos da “terapia de choque” no grande debate intelectual que se seguiu no país após as reformas de 1978. Uma das características do que Marx chamou de “modo de produção asiático” foi justamente o controle de preços estratégicos pelo Estado chinês, algo que Isabella Weber decifra com brilhantismo quando trabalha com diferentes momentos em que essa prática histórica foi adotada, sendo a última sob a forma da vitória do gradualismo contra os defensores da “terapia de choque”. O público brasileiro terá contato com o livro mais profundo, instigante e magistral escrito sobre a China nos últimos anos.

Isabella é uma intelectual que tem posto em circulação, de forma pioneira, uma grande solução à questão da “inflação global”. A economista alemã manda um grande recado ao mundo e ao Brasil ao pedir coordenação mercantil e não mercantil no combate à inflação, o que significa uma mistura de controle de preços estratégicos e elevação da taxa de investimentos. Apesar de jovem, Isabella Weber é um ponto fora da curva nesta época marcada pela falta de criatividade e pela mediocridade intelectual intrínsecas à era do capitalismo financeirizado. O público brasileiro tem agora diante de si uma obra fundamental.


Sobre o livro:

Primeira obra da economista Isabella Weber, Como a China escapou da terapia de choque é uma análise original e fecunda das reformas econômicas que moldaram o caminho da China ao longo das últimas décadas. Fruto de extensa pesquisa e uma quantidade substantiva de entrevistas, o livro apresenta as ações que permitiram ao país asiático seguir o caminho da reindustrialização gradual e chegar ao século XXI como uma das principais potências mundiais.
 
Weber busca compreender e explicar ao leitor o sucesso das reformas de mercado na China, enfatizando seu caráter plural, situando as diversas tendências e concepções na longa história do pensamento econômico chinês e ocidental. A autora também envereda pela discussão de longa data a respeito do controle estatal de preços, tanto na milenar história chinesa quanto nas tentativas recentes em outros países, no contexto da Segunda Guerra Mundial.
 
Com foco na encruzilhada econômica dos anos 1980, a obra apresenta o trajeto econômico chinês a partir da não adesão à “terapia de choque” neoliberal, caminho traçado pelos países da antiga União Soviética. Weber oferece, ainda, uma perspectiva inédita sobre o modelo econômico da China e suas contínuas contestações internas e externas. Resultado disso, Como a China escapou da terapia de choque ganhou dois importantes prêmios em 2021, quando foi lançado nos Estados Unidos, e integrou a lista de melhores livros do ano do Financial Times.

Como a China escapou da terapia de choque: o debate da reforma de mercado, de Isabella M. Weber, tem tradução de Diogo Faia Fagundes, texto de orelha de Elias Jabbour e capa de Maikon Nery.

“Este livro traz a interpretação mais convincente que já li acerca da reforma chinesa e sua capacidade de promover crescimento e transformação, preservando a coesão social e a união da sociedade. É o produto de uma mente independente, investigativa, aberta – o único tipo de mente do qual se pode esperar compreensão do fenômeno que é a China hoje. Trabalho de uma economista de primeira linha.”
James K. Galbraith (Universidade do Texas)

“O estudo de Isabella Weber é único. Utiliza não apenas uma ampla gama de documentos, mas também extensas entrevistas, e oferece uma análise rica, equilibrada e erudita sobre a complexa realidade de um período fundamental para a história do mundo moderno: quando o “big bang” colocou a China rumo a uma reforma pragmática que perdura até hoje.”
Peter Nolan (Universidade de Cambridge)

Como a China escapou da terapia de choque merece um amplo público. Oferece uma análise séria das lutas intelectuais e políticas que transformaram aquele país e ainda repercutem globalmente. Fornece informações fundamentais sobre ‘como a China funciona’ e demonstra, com perspicácia, que o neoliberalismo não é a única saída. Um dos livros mais estimulantes e esclarecedores que já li.”
Inderjett Parmar (Universidade de Londres)

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