Um Brasil de endividados

Bancos sugam juros do desespero dos inadimplentes. Eles já são 64 milhões de pessoas, ou 24% da população. Usam o cartão de crédito para comprar comida e empurrar a miséria para frente. Reencontram-na no mês seguinte, acrescida de taxas escorchantes

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Por Camille Lichotti e Renata Buono na Piauí

O empobrecimento do país está camuflado em dívidas. Em dezembro de 2021, o Serasa identificou 64 milhões de brasileiros inadimplentes – o equivalente à população da França. O número de endividados aumentou em 3 milhões desde o final de 2020. Em algumas regiões do Brasil, a situação é crítica: na capital do Acre, Rio Branco, nove em cada dez famílias estão endividadas. Dívidas com contas básicas, como água, luz e gás, por exemplo, foram as que mais aumentaram – agora representam 24% do total. O atraso no pagamento do cartão de crédito continua sendo a principal fonte de endividamento. Mas, nesse caso, sete em cada dez pessoas se endividaram com cartão para garantir alimentação básica, em compras de comida no supermercado. O =igualdades desta semana ilustra o aumento do endividamento no Brasil.

O Brasil hoje é um país de endividados. Segundo dados do Serasa, 64 milhões de brasileiros estavam inadimplentes até dezembro de 2021. Isso é quase a população total da França, que tem 67 milhões de habitantes.

A quantidade de brasileiros endividados aumentou significativamente no ano passado. Em dezembro de 2020, havia 61,3 milhões de brasileiros com dívidas. Um ano depois, em dezembro de 2021, já eram 64 milhões. Isso significa que uma população equivalente à de Belo Horizonte (MG) passou a ter contas no vermelho.

Dívidas com contas básicas, como água, luz e gás, foram as que mais aumentaram em 2021. Depois do cartão de crédito, que historicamente lidera o ranking de dívidas, as contas domésticas foram a maior fonte de endividamento no país. Até dezembro de 2021, o Serasa identificou 60 milhões de dívidas nesse setor, o que representa 24% do total. As compras em lojas de varejo, por outro lado, foram responsáveis por 27 milhões de dívidas – apenas 12,6% das pendências.  

Ao todo, somando todas as dívidas identificadas no Serasa, a população brasileira deve R$ 252 bilhões. Em média, cada brasileiro inadimplente deve R$ 3,9 mil – o equivalente a dez parcelas do programa Auxílio Brasil, que paga, em média, R$ 407.

O atraso no pagamento do cartão de crédito (e débitos bancários, em geral) é a principal fonte de dívida dos brasileiros. De acordo com uma pesquisa do Serasa, o crédito foi utilizado principalmente para a alimentação dos brasileiros em 2021. Ao todo, 70% das pessoas endividadas com o cartão usaram esse meio de pagamento para comprar comida no supermercado. Ou seja, a maioria dos brasileiros ficou no vermelho para garantir a alimentação.

Em novembro de 2021, uma pesquisa nacional feita pela Federação do Comércio de São Paulo mostrou que 71% das famílias brasileiras tinham alguma dívida. Em algumas regiões do país, como o Norte, o quadro é grave. Rio Branco, no Acre, apresentou o maior índice dentre todas as capitais: 92% das famílias da cidade estavam endividadas. De acordo com a Fecomércio, isso aconteceu porque os brasileiros usaram o crédito para substituir a renda perdida no ano passado. 

O tipo de dívida varia segundo o perfil socioeconômico de cada região. Em Alagoas, as dívidas com contas básicas (como água, luz, gás etc.) ficaram no topo do ranking de 2021, ultrapassando até os atrasos no pagamento do cartão de crédito. Ao todo, essas contas representaram 44% das dívidas dos alagoanos até dezembro de 2021 – onze vezes as dívidas dos catarinenses nesse mesmo setor. Em Santa Catarina, o atraso nas contas básicas de consumo foi responsável por apenas 4% das dívidas.

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Camille Lichotti (@camillelichotti) Repórter da Piauí

Renata Buono (@revistapiaui) é designer e diretora do estúdio BuonoDisegno

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