Twitter: Elon Musk cria seu próprio pesadelo

Para cortejar ultradireita, dono da Tesla prometeu vale-tudo digital e agora rasteja atrás de anunciantes. Mantê-los contentes exigirá moderação de conteúdo. Mostrará o falastrão que é. E pode afetar parte de seus interesses comerciais

.

Por Jon Schwarz,  no The Intercept Brasil, com tradução de Maíra Santos

Elon Musk (e seu consórcio de investidores muito menores) agora é o dono do Twitter. Precisamos levar a sério a possibilidade de que isso acabe se tornando uma das coisas mais engraçadas já vistas.

Isso porque, até o momento, parece que Musk cavou um buraco enorme na floresta, encheu-o cuidadosamente com estacas pontiagudas e crocodilos, e se jogou lá dentro.

Algo que ficou claro logo no tuíte de Musk dedicado aos “Caros anunciantes do Twitter”, publicado quando o negócio foi fechado.

A declaração começa, de forma promissora, com uma mentira deslavada: “O motivo pelo qual comprei o Twitter é porque é importante para o futuro da civilização ter um espaço comum de discussão na cidade digital”. Musk aparentemente acredita que ninguém vai lembrar que, até três semanas mais cedo, ele estava tentando desesperadamente não comprar o Twitter. A única razão pela qual ele o fez é porque estava a ponto de perder um processo movido pelo próprio Twitter para obrigá-lo a comprar a empresa. Talvez seja o maior momento “você não pode me mandar embora porque eu me demito antes” da história.

O significado do restante da declaração é mais sutil. Para entendê-lo, é preciso começar pelo básico.

O Twitter hoje obtém 90% de sua receita com publicidade (o resto é em grande parte proveniente do licenciamento de dados). Isso significa que você, usuário do Twitter, não é cliente do Twitter. Você é o produto. Os clientes são os anunciantes e, como todo empresário sabe, o cliente tem sempre a razão. A mercearia se preocupa com as pessoas que compram Cheetos, não com o sentimento dos próprios Cheetos.

A moderação de conteúdo do Twitter por vezes pesa a mão – especialmente quando suspendeu minha conta porque David Duke, o ex-líder da Ku Klux Klan, ficou bravo comigo. Mas não é porque o Twitter é comandado por uma legião de lacradores. É porque o Twitter precisa manter os anunciantes contentes – e a prioridade máxima é garantir um certo tipo de ambiente para os seus anúncios.

Isso pode adquirir formas específicas. A companhia aérea Delta provavelmente coloca em contrato que seus anúncios não vão aparecer perto de nenhum tuíte sobre acidentes de avião. Mas, em geral, os anunciantes não querem nada controverso que tire as pessoas do clima de comprar algo ou, pior ainda, que as deixe furiosas com as próprias marcas. A Procter & Gamble não pode deixar que seus anúncios para o papel higiênico Charmin, direcionados ao grupo específico de mães de família de classe média alta, apareçam perto de pedidos raivosos pela aniquilação total dos muçulmanos.

Além disso, falando apenas em termos financeiros, o Twitter é um negócio ruim. Só deu lucro em dois anos de sua existência, 2018 e 2019. Em 2020, perdeu mais de US$ 1 bilhão, recuperando-se um pouco para ainda assim dar prejuízo de US$ 222 milhões em 2021.

Para piorar a situação, o acordo de Elon Musk para comprar o Twitter envolveu pegar US$ 12,5 bilhões em empréstimos. Isso significa que o Twitter terá que desembolsar US$ 1 bilhão a mais por ano para pagar essa dívida.

Ou seja, se o Twitter simplesmente continuar em seu caminho atual, ele já vai perder enormes quantidades de dinheiro indefinidamente. Mas, se os anunciantes ficarem nervosos com a gestão de Musk e fugirem da plataforma, a empresa poderá ver prejuízos multibilionários a cada ano.

É verdade que Musk disse “eu não me importo em nada com a economia”. Mas, mesmo sendo o homem mais rico do mundo, ele tem que se importar com ela. Ele tem um patrimônio líquido atualmente estimado em US$ 220 bilhões, mas não são US$ 220 bilhões parados em uma conta bancária – a maior parte está ligada a suas posições na Tesla e no SpaceX.

Isso significa que, para cobrir seus enormes prejuízos com o Twitter, ele teria que vender cada vez mais ações todos os anos. Algo que seria doloroso em termos monetários, mas ainda mais em termos de poder: a certa altura ele chegaria a uma situação em que poderia perder o controle de suas empresas, em particular da Tesla. Além disso, a Tesla tem ações negociadas na bolsa e, embora já tenha despencado 45% desde que atingiu seu maior valor um ano atrás, ainda assim continua supervalorizada pelas métricas normais. Neste momento, sua relação preço/lucro é de 70. A média histórica da S&P 500, o índice de referência das maiores empresas no mercado norte-americano, é de cerca de 15. A relação preço/lucro para empresas como Ford e GM é de 6.

É por isso que Elon Musk rapidamente começou a rastejar diante dos anunciantes. Ele precisa mantê-los felizes de qualquer maneira. Como ele disse, “o Twitter aspira a ser a plataforma publicitária mais respeitada do mundo, que fortalece sua marca e faz crescer o seu empreendimento”.

E é aí que a coisa se torna hilariante. Elon Musk já fez vários louvores à glória da liberdade de expressão e sobre a necessidade de acabar com a censura odiosa do Twitter. Esse é claramente um assunto sobre o qual ele não pensou muito, já que ele disse em maio que o Twitter deveria deletar “tuítes errados e ruins”. Ainda assim, suas declarações vagas lhe renderam uma legião de acólitos de direita que sentem ter sido maltratados pelo Twitter.

Só que eles não são mais o público que Musk precisa agradar agora. Os anunciantes que são. Mesmo se Musk tivesse algum compromisso com a liberdade de expressão (o que ele absolutamente não tem), seria essencialmente impossível para ele não continuar com uma moderação significativa do conteúdo.

É por isso que, após um breve aceno ao desejo de que o Twitter seja um lugar “onde uma ampla gama de crenças possa ser debatida de maneira saudável”, ele rapidamente se dirigiu aos anunciantes para dizer que “o Twitter obviamente não pode ser um vale-tudo infernal, onde qualquer coisa pode ser dita sem consequências! Além de aderir às leis, nossa plataforma deve ser calorosa e acolhedora para todos”.

Essa poderia ter sido a declaração da missão do Twitter antes de Musk. Mas agora há uma grande diferença: quando a moderação de conteúdo permanecer em grande parte a mesma, a sensação de traição entre os fanáticos de Elon Musk explodirá com a força de uma supernova. E eles vão começar uma gritaria sem fim para se fazer ouvir por Musk – dentro do Twitter.

Outro magnata poderia ter a fortaleza para ignorar isso. Mas Musk não tem, a julgar por seu passado. Você também pode ver isso pela forma como ele se porta atualmente: no seu primeiro dia como dono da empresa, ele prometeu “cavocar” pessoalmente para investigar as reclamações de um usuário identificado como Catturd ™ (em tradução livre, Cocôdegato ™).

E, embora Musk tenha anunciado um novo “conselho de moderação com pontos de vista muito diversos”, ele se sentirá constantemente compelido a explicar por que está apoiando as decisões de moderação de seus subalternos, ou até a revertê-las. E então ele será inevitavelmente atraído a tomar cada vez mais decisões sobre o conteúdo, talvez chegando ao ponto de autorizar ou bloquear pessoalmente tuítes individuais.

Vai ser o inferno na terra para ele. Não importa quais decisões ele tome, grandes grupos de usuários do Twitter sairão enfurecidos.A esquerda vai ver confirmadas as suspeitas a respeito de Musk. A direita vai vê-lo como um vendido horrendo, apenas mais um porco mentiroso da indústria da tecnologia. Joe Rogan vai balançar a cabeça tristemente falando sobre o que aconteceu com Elon. E, no fim das contas, o que costumava ser o maior prazer de Musk, abrir o Twitter em seu telefone, será uma fonte de dor excruciante.

E é só o começo. Musk tem interesses comerciais importantes em todo o mundo, e as repercussões em potencial são infinitas. O que acontece quando Kim Kardashian tuíta que Taiwan é um país independente? Será que o governo da China vai sugerir discretamente que Musk deve fazer algo a respeito disso, ou vai tornar as coisas difíceis para a fábrica da Tesla em Xangai e bloquear a importação de veículos da Tesla? O que farão outros acionistas da Tesla se ele desafiar a China, e descobrirem que sua pequena aventura com o aplicativo do passarinho azul está fazendo eles perderem dinheiro? O que acontece quando um foguete do SpaceX explodir, mas Musk estiver muito ocupado com a decisão de quais nazistas vão ser suspensos por um mês?

Esse futuro obviamente não está predeterminado. Possivelmente Musk fará o que nenhum humano conseguiu fazer antes e inventar 1) uma moderação de conteúdo que agrade a todos em uma enorme escala, e 2) uma maneira de ganhar enormes quantias de dinheiro com o Twitter. Talvez a Tesla se torne tão lucrativa que ele possa usá-la para subsidiar o Twitter até 2090. Mas o resultado mais provável é que ele acabou de realizar seu maior desejo com uma pegadinha. Agora é hora de olhar como o pedido se volta contra ele, e como o amor de Musk pelo Twitter acaba obliterando a experiência do Twitter para um usuário específico: Elon Musk.

Leia Também: