Petrobrás: em favor do país ou de seus acionistas?

Na crise envolvendo a “retenção” de dividendos, um buraco maior. Direção da estatal reprime investimentos, para favorecer os acionistas. Privados, em sua maioria, eles recebem valores insustentáveis, em total discrepância com outras grandes petrolíferas

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Por Felipe Coutinho, na AEPET

A redução dos investimentos foi o principal fator que possibilitou pagamentos de dividendos altos e insustentáveis pelas direções da Petrobrás em 2021 e 2022. [1] [2]

A mesma política continua acontecendo na Petrobrás até o fim de 2023, investimentos muito baixos possibilitaram pagamento alto e insustentável de dividendos.

Redução dos investimentos para maximizar pagamento de dividendos

A Tabela 1 apresenta, em bilhões de dólares estadunidenses (US$), o histórico dos Dividendos Pagos e o Investimento Líquido, sendo este a soma das aquisições de ativos imobilizados e intangíveis, reduções (adições) em investimentos e investimentos em títulos e valores mobiliários, descontado do recebimento pela venda de ativos (desinvestimentos). [3]

Tabela 1: Dividendos Pagos & Investimento Líquido da Petrobrás, em Bilhões US$

Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%, no resultado consolidado de 2023 foi de 232,63%, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido em 2023 foi 18 vezes mais alta se comparada com a média de 2005 a 2020.

Os lucros e dividendos distribuídos hoje, são resultados dos investimentos realizados no passado. É evidente que elevar a distribuição dos dividendos, em detrimento dos investimentos, comprometerá o resultado futuro.

Os números evidenciam que a distribuição de dividendos tem sido desproporcional aos investimentos. Os resultados históricos demonstram que não é possível sustentar tais políticas.

Além de analisar os resultados históricos da Petrobrás é necessário comparar suas políticas de investimentos e de distribuição de dividendos com as de outras grandes companhias petrolíferas integradas.

A Tabela 2 apresenta a comparação dos resultados consolidados de 2023. [3] [4]

Tabela 2: Resultados consolidados da Petrobrás e grandes petrolíferas de 2023, em Bilhões US$

Em 2023, a Petrobrás, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido, sendo de apenas 51% em relação à média das demais.

A relação entre os dividendos pagos e os investimentos líquidos demonstram, de forma cabal, como as políticas da alta direção da Petrobrás são discrepantes em relação a gestão das grandes petrolíferas mundiais. A relação da Petrobrás foi 4,2 vezes superior à média praticada pelas outras petrolíferas.

Ao analisar o histórico da Petrobrás e os resultados de grandes petrolíferas internacionais é evidente que os dividendos que têm sido pagos pela alta direção da estatal, desde 2021, são realizados em detrimento dos investimentos líquidos e, por este, entre outros fatores, são insustentáveis. Sob a direção do governo Lula e a gestão de Prates, nada mudou até agora.

Política de remuneração dos acionistas

A direção da Petrobrás anunciou a revisão da sua política de remuneração dos acionistas. No entanto, a maior parte da política anterior foi mantida, como o pagamento de dividendos trimestrais e proporcionais ao fluxo de caixa livre.

O fluxo de caixa livre é o resultado da geração de caixa descontada do investimento, a política anunciada incluiu o desconto pela aquisição de participações societárias. A política prevê dividendos de 45% do fluxo de caixa livre a cada trimestre, redução modesta na comparação com os 60% da política anterior. Ainda foi incluída a prática de recompra e cancelamento de ações, como mais uma alternativa para valorizar o capital dos acionistas. [5]

Quanto menor o investimento, maiores o fluxo de caixa livre e a distribuição de dividendos, além de mais recursos disponíveis para a recompra e cancelamento de ações, com valorização potencial do capital dos acionistas no curto prazo.

O investimento líquido realizado em 2023 foi de US$ 8,7 bilhões, é cerca de 60% menor se comparado à média histórica dos investimentos da Petrobrás, desde 1965, de cerca de US$ 22 bilhões por ano, e 84% menor se comparado com o investimento médio anual, entre 2009 e 2014, de US$ 53 bilhões em valores atualizados.

Não à toa, a política de remuneração dos acionistas foi bem recebida por agentes do sistema financeiro. [6]

No artigo “Insustentáveis Dividendos Pagos pela Atual Direção da Petrobrás” demonstro que os investimentos realizados em 2021 e 2022 são insuficientes para repor as reservas, manter a produção e agregar valor ao petróleo da Petrobrás. Aqui verifico que a situação segue essencialmente a mesma, com os resultados de 2023.

Reafirmo a Conclusão

O objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobrás, não é a obtenção de lucro, muito menos aquele lucro não recorrente e de curto prazo, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada. Não há qualquer sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas). A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista, em particular, não têm apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas têm essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado. [7]

Dos resultados históricos e comparativos, da Petrobrás e de grandes petrolíferas, permitem-se concluir que a redução dos investimentos, a níveis insuficientes para manter reservas e produção de petróleo, as vendas de ativos rentáveis, estratégicos e resilientes à queda do preço do petróleo e seus preços conjunturalmente elevados, possibilitaram pagamentos de dividendos altos e insustentáveis pela direção da Petrobrás em 2021, 2022 e 2023.

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