As oportunidades da crise econômica em San Francisco

Em cidade da Califórina (EUA), alguns exemplos parecem indicar um caminho que combina crescimento econômico e qualidade de vida

Texto e fotos por Natália Garcia, no Planeta Sustentável

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Em cidade da Califórina (EUA), alguns exemplos parecem indicar um caminho que combina crescimento econômico e qualidade de vida

Texto e fotos por Natália Garcia, no Planeta Sustentável

É impressionante a euforia com que os gringos recebem brasileiros. Mais impressionante ainda é a imagem de potência econômica que o Brasil parece estar consolidando no imaginário dos americanos – ao menos aqui em São Francisco. Em especial depois da crise financeira de 2008 e posterior recessão dos Estados Unidos, o Brasil passou a ser apontado como um gigante no atual cenário econômico mundial.

Eu particularmente tenho algumas ressalvas em relação aos tais progresso e crescimento brasileiros. Se a ascendência econômica nos desse acesso a educação mais qualificada, por exemplo, seria lindo. Mas simplesmente garantir que cada brasileiro possa ter seu carro, sua televisão a cabo e renda suficiente para comprar compulsivamente em lojas de departamento não me parece a melhor ideia de progresso e desenvolvimento. E, como o a própria revista The Economist publicou em seu editorial, o PIB – Produto Interno Bruto, índice usado para apontar o crescimento econômico de um país – tem a capacidade de medir tudo, menos o que faz a vida valer a pena.

Também não quero recorrer ao radicalismo dos franceses de Lyon que criaram o movimento do Descrescimento, pois acreditam que crescimento econômico só piora as coisas e que a única solução para as cidades terem mais qualidade de vida é descrescerem economicamente.

Mas em São Francisco encontrei alguns exemplos que parecem indicar um caminho do meio entre crescimento econômico e qualidade de vida.

Depois da crise, o mercado imobiliário reduziu dramaticamente sua ação – não só em São Francisco, mas em todo o país. Com isso, alguns terrenos ficaram ociosos na cidade. Como São Francisco tem uma enorme efervescência de movimentos de engajamento cívico, esses terrenos passaram rapidamente a ser ocupados – muitos com iniciativas de agricultura urbana.

Em São Francisco já é comum o acesso a alimentos frescos, orgânicos e produzidos localmente nos Farmers’ Markets, feiras de rua em que fazendeiros da Bay Area vendem legumes, frutas e verduras a preços bastante acessíveis. Mas o ativista Tree foi mais longe ao criar o Free Farm: um espaço de plantio de alimentos orgânicos em que todos os que trabalham são voluntários e toda comida produzida é distribuída de graça a quem precisa. Os cuidados com o jardim, os alimentos cultivados e os almoços são abertos e gratuitos para qualquer um que queira aparecer. O terreno do Free Farm pertence a uma igreja luterana, que emprestou o espaço a Tree.

Outro exemplo interessante é o Hayes Valley Farm, que fica em uma região mais central de São Francisco. Há 20 anos, esse terreno era a parte de baixo de um viaduto – o mesmo que já citei aqui. Com o terremoto de 1989, o viaduto ficou danificado e, depois de anos de debates sobre o que seria feito, em 2003, foi demolido. O terreno ficou abandonado até 2009, quando ativistas fizeram a proposta de ocupá-lo com o Hayes Valley Farm. A prefeitura emprestou o terreno com a condição de que o foco de agricultura urbana fosse temporário – quando a crise terminasse, seria vantajoso lotear e vender esse terreno às empreendedoras. “Tudo bem ser provisório, a gente não quer ficar aqui para sempre, isso é um laboratório sobre como podemos recuperar o solo contaminado e empobrecido das cidades, ocupar terrenos abandonados com a natureza de que tanto sentimos falta e criar um centro de trabalho e diversão que fortaleça o senso de comunidade local em uma grande cidade”, explica J., um dos líderes do Hayes Valley Farm.

Outro terreno emprestado pela prefeitura foi ocupado com o projeto Please Touch. O artista G.K. conseguiu uma bolsa do San Francisco Arts Commission e criou um jardim interativo para deficientes físicos. Com rampa de acessibilidade para cadeirantes e esculturas táteis para cegos, o Please Touch também tem um canteiro onde crescem legumes e hortaliças. Outro projeto com caráter provisório, mas que tem funcionado como laboratório.

“Com a recessão, percebemos que era importante fortalecer a economia local”, explica a administadora e sócia da ONG San Francisco Made Janet Lee. “Para fazer isso, tínhamos que mapear as habilidades da cidade. Uma delas já era óbvia: a produção de alimentos”, conta. “Outras duas que se mostraram bem importantes em nossa pesquisa foram a produção de artigos de moda e tecnologia”, conclui. A San Francisco Made é uma espécie de incubadora de pequenos empreendedores que queiram abrir seus próprios negócios dentro dessas três áreas. A ONG foi financiada pela prefeitura em 2010, com a visão estratégica de fortalecer a economia local como resposta à crise. Em pouco tempo o selo “San Francico Made” se popularizou na cidade – e a demanda dos consumidores por ele também. “Com isso, fortalecemos a economia local com base nas habilidades dos moradores da nossa cidade, temos produtos de qualidade a preços acessíveis e geramos mais empregos”, explica Janet.

Essa produção de manufaturados local acabou atraindo inclusive a atenção de grandes empresas. A Banana Boat, por exemplo, abriu uma pequena fábrica em São Francisco e hoje todas as lojas da cidade possuem uma sessão com o selo “San Francisco Made”, com as mesmas peças produzidas em série pela marca, mas com estampas custimozadas aqui.

Essas iniciativas de agricultura urbana e esse fortalecimento da economia local só foram possíveis graças à recessão econômica americana. Aí eu te pergunto: o que é progresso?

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Um comentario para "As oportunidades da crise econômica em San Francisco"

  1. Anônimo disse:

    Pra quem se interessou por esse texto recomendo vivamente o vídeo The Power of Community – how Cuba survived Peak Oil.
    O comentário de Natália sobre decrescimento induz ao erro.
    O que é o Decrescimento.
    "O decrescimento é um slogan político (…) que visa acabar com o jargão do produtivismo (…). A palavra de ordem 'decrescimento' tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do obejtivo do crescimento ilimitado (…) com consequências desastrosas para o meio ambiente e portanto para a humanidade.
    Para nós, o decrescimento não é o crescimento negativo (…). Sabe-se que a mera diminuição the velocidade de crescimento mergulha nossas sociedades na incerteza, aumenta as taxas de desemprego e acelera o abandono dos programas sociais, sanitários, educativos, culturais e ambientais que garantem o mínimo indispensável de qualidade de vida (…).
    Assim como não existe nada pior que uma sociedade trabalhista sem trabalho, não há nada pior que uma sociedade de crescimento na qual não há crescimento. Essa regressão social e civilizacional é precisamente o que nos espreita se não mudarmos de trajetória. Por todas essas razões, o decrescimento só pode ser considerado numa "sociedade de decrescimento'', ou seja, no âmbito de um sistema baseado em outra lógica (…).
    É uma proposta necessária para que volte a se abrir o espaço the inventividade e the criatividade do imaginário bloqueado pelo totalitarismo economicista, desenvolvimentista e progressista (…).
    Sua meta é uma sociedade em que se viverá melhor trabalhando e consumindo menos (…)."
    (Serge Latouche, Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno.
    Natália pode se informar sobre o Decrescimento em http://decrescimentobrasil.blogspot.com.br/.

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