Nos EUA, contra os aviões da morte

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Pacifistas norte-americanos acusados de invadir uma base militar contra-atacam, denunciam o assassinato de civis e invocam o direito constitucional à desobediência, quando é necessário defender o bem geral maior

Por Jason Whited, do Commondreams | Tradução: Caia Fittipaldi, Vila Vudu

Catorze pacifistas podem ter feito história ontem (15/9), num pequeno tribunal de Las Vegas, quando conseguiram mostrar que há forte oposição, nos EUA, à “guerra por controle remoto” promovida pelo exército no Afeganistão.

O grupo chama-se Creech 14 [Do Movimento Católico Creech Family]. Começou a ser julgado anteontem pela manhã, acusado de ter invadido uma base aérea dos EUA em abril de 2009.

Desde o primeiro momento, a promotoria empenhou-se em manter o julgamento focado na acusação de que os réus haviam entrado sem autorização numa base aérea dos EUA e se recusado a sair.

Procurava-se esconder o caráter político do movimento – organizado como manifestação de protesto contra o papel daquela base militar. A mídia nada fala sobre ela, mas sabe-se, na região, que é o quartel-general das operações militares com aviões-robôs — na verdade, aviões lança-mísseis não tripulados, no Afeganistão, Iraque e Paquistão.

A tátíca da defesa baseou-se em neutralizar o movimento da acusação, que buscava um julgamento discreto e condenação rápida, ainda que apenas formal.

Foram chamados, como testemunhas de defesa do grupo Creech 14, alguns dos mais conhecidos e respeitados nomes do movimento antiguerra dos EUA: Ramsey Clark, ex-Procurador Geral dos EUA no governo do presidente Lyndon Johnson; Ann Wright, coronel aposentada do Exército, uma dos três militares de alta patente que se aposentaram às vésperas da invasão do Iraque, como protesto contra a invasão, em 2003; e Bill Quigley, diretor jurídico do Center for Constitutional Rights (Centro de Defesa dos Direitos Constitucionais), com sede em Nova York.

Ao final dos depoimentos das três testemunhas, que se declararam convencidas da legalidade do protesto dos ativistas, o juiz William Jansen, de uma corte distrital de justiça de Las Vegas, já estava convencido de que o processo fora mal encaminhado pela Procuradoria – e decidiu adiar o julgamento por quatro meses – exatamente o que desejavam os ativistas, para dar maior visibilidade nacional ao seu protesto.

A melhor parte do dia foram as falas de Clark, Wright e Quigley, diretamente interrogados pela defesa e pela acusação.

Cada um dos três discursou apaixonadamente a favor da importância dos movimentos de cidadãos pela desobediência civil não-violenta, como único meio efetivo para conter a ação criminosa do governo dos EUA no Afeganistão e no Paquistão, e sobre as características de “guerra suja”, que inclui o emprego de aviões-robôs como arma de ataque contra civis desarmados.

“É direito dos cidadãos organizados ultrapassar o limite da lei sempre que se tratar de defender o bem geral maior – e a própria lei democrática prevê exceções, em casos de urgente necessidade e para salvar vidas” – disse Quigley, falando sob juramento no banco das testemunhas.

O julgamento do grupo Creech 14 tem caráter inédito. Pela primeira vez, na história dos EUA, um juiz admite, como argumento de defesa, o direito dos cidadãos a se manifestar em protesto pacífico contra o uso de algum tipo de arma pelo exército dos EUA em tempo de guerra.

Não se pode adivinhar a sentença final do juiz Jansen. Mas é bom sinal que, ao final do dia de discursos, os presentes na pequena sala superlotada tenham explodido em aplausos (e lágrimas) quando Jansen dispensou os acusados – militantes de um movimento de católicos contra a guerra muito ativa – com palavras carregadas de sentido religioso: “Vão em paz!”

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