Minha “filosofia” é o insulto

Aos poucos, fica clara fórmula de Olavo de Carvalho para posar de “pensador” e enganar ingênuos: 90% de xingamentos e calúnias; 10% de ideias medievais – tudo embrulhado num marketing velhaco de ódio à “modernidade”

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Por Gustavo Freire Barbosa, na Carta Capital

Denis Russo Burgierman, repórter da revista Época, matriculou-se durante três meses no Curso Online de Filosofia de Olavo de Carvalho, considerado guru da turma que chegou ao Planalto em 2019. Seu longo relato exposto na revista deixa claro como o autodenominado filósofo dedica suas aulas muito mais a xingar desafetos e a rebater as críticas que lhe são feitas do que a falar sobre filosofia (até então nenhuma novidade para quem o acompanha nas redes sociais).

“Filosofia, porra!”, celebrou um de seus alunos ao perceber que a aula de 12 de janeiro começou abordando os sofistas. Estava cansado, muito certamente, das sucessivas exposições sobre política e mídia que acabavam terminando em ataques pessoais. Para Olavo, animar seu séquito de olavetes com teorias conspiracionistas, vulgatas anti-esquerda e ofensas infantis contra críticos tem inquestionável prioridade sobre Sócrates, Platão e Aristóteles.

Em uma das aulas, Olavo afirma que não há nada a comemorar com o fim da Idade Média e o surgimento da modernidade. Nada mais próximo do bolsonarismo que o elogio ao obscurantismo e a negação ao racionalismo cientificista moderno, como já apontamos em outro momento.

Dentre os delírios olavianos, por exemplo, encontra-se o de que fumar não faz mal à saúde – embora ele próprio esteja pedindo dinheiro na internet para pagar uma cirurgia de urgência que retirou um tumor de sua traqueia – e o de que a Pepsi utiliza células de fetos abortados para adoçar refrigerantes, este já considerado um clássico.

Em outra aula, afirmou que não dá opiniões sobre a questão da Terra plana porque não a estudou, reclamando que, em razão disso, “milhares de idiotas universitários (perdoem o pleonasmo) concluíram que sou adepto da Terra plana”. Em 2017, escreveu que tinha dúvidas acerca não só da esfericidade do planeta, mas também do geocentrismo e do evolucionismo.

Olavo talvez seja a síntese de como ficou démodé qualquer tentativa de dar alguma racionalidade ao debate público. Nossa política externa, por exemplo, tornou-se uma mistura de subserviência canina aos EUA com teorias delirantes que giram em torno de conceitos esdrúxulos como “globalismo” e “climatismo”.

No MEC, o ministro colocou como seu principal objetivo o combate ao marxismo, usando esse espantalho para ignorar situações concretas como os preocupantes índices de analfabetismo e de evasão escolar. Não é à toa que ambos são acólitos do olavismo, ungidos ao primeiro escalão da burocracia estatal pelas mãos do próprio guru.

Olavo não faz questão de esconder a natureza de suas táticas de disputa da hegemonia cultural, conceito gramsciano profundamente presente em suas exposições. “É aí que está o erro do pessoal conservador: imaginar que existe uma luta de ideias e que temos de derrotar o marxismo. Temos de derrotar é os marxistas”, disse, emendando para que seus alunos “não puxem discussão de ideias. Investiguem alguma sacanagem do sujeito e destrua-o”. O próprio Olavo reconhece que “nós não discutimos para provar que o adversário está errado. Discutimos para destruí-lo socialmente, psicologicamente, economicamente”.

Recentemente, o submundo bolsonarista das redes foi reativado para defender a “reforma” da previdência e espalhar mentiras sobre aqueles que os seguidores do clã consideram inimigos. Foi a vez do STF entrar na reta dos homicidas de reputações, o que levou seu presidente, Dias Toffoli, a abrir uma investigação para identificar o foco da propagação de fake news contra os ministros da corte, as mesmas que contribuíram para a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Não seria surpresa se Olavo considerasse o STF um puxadinho do Soviete Supremo.

Se é a razão moderna que é a declarada inimiga do olavismo e do bolsonarismo, a amplitude de seus adversários não deveria se limitar à esquerda (embora, com certa honestidade intelectual, costumem classificar de esquerdistas e afins todos que não estejam ao seu lado). No meio do caminho está também quem não se considera desse campo mas, também, não concorda com o projeto obscurantista de Olavo e com o programa ultraliberal de Paulo Guedes, que se ampara da mesma forma em premissas não menos fantasiosas que as apregoadas pelo Bruxo de Virgínia [1].

“Bruxo de Virgínia” é a maneira com que o ex-trotskista Demétrio Magnoli costuma se referir a Olavo. Em artigo publicado em 23 de março na Folha de S. Paulo, ele, uma figura do campo conservador, sintetizou de forma admirável a utopia olaviana ao observar que o ex-astrólogo pretende a volta a um “passado mítico de soberanias estatais absolutas, hierarquias patriarcais fundadas na tradição e respeito às liberdades naturais do colono armado”, ou, em resumo, à “fusão do conservadorismo romântico europeu com o nativismo individualista americano”. Falsear a realidade por meio da simplificação obtusa de suas representações é apenas estratégia, como ele mesmo deixa claro ao tanger seus alunos contra os marxistas.

A tentativa de negar a complexidade do mundo por meio de exposições que, embora estruturalmente sofisticadas, contêm ideias simples é um dos estratagemas identificados por Burgierman em seu diário. Faz parte, assim, ver seus adversários como esquerdistas, globalistas e abortistas mal-intencionados.

Os recentes ataques ao general Mourão indicam que o olavismo passou a considerá-lo um sócio do clube, racha que se tornou ainda mais explícito com a declaração do general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, de que o guru da seita é um desequilibrado. A arenga com a ala militar do governo acaba deixando claro que, embora o olavismo tenha contribuído para que Bolsonaro chegasse onde está, pode contribuir também para que caia.

[1] Sobre o Bruxo de Virgínia.

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