Leite, fraudes e descontrole
Tudo indica que produtores gaúchos foram vítimas. Mas contaminação revela fragilidade do controle sanitário pelas empresas e Estado
Por Samir Oliveira, no Sul21
Publicado 10/05/2013 às 19:38
Tudo indica que produtores gaúchos foram vítimas. Mas contaminação revela fragilidade do controle sanitário pelas empresas e Estado
Por Samir Oliveira, no Sul21
A deflagração da operação Leite Compensado por parte do Ministério Público nesta quarta-feira (8) gerou apreensão entre os consumidores gaúchos. O MP identificou um esquema de adulteração de leite através da inclusão de água e de uma mistura de ureia e formol no produto.
O crime era cometido pelas transportadoras que levavam o leite dos produtores às empresas que beneficiam e comercializam a mercadoria. Por conta disso, o MP interditou lotes vendidos pelas marcas Italac Integral, Italac Semidesnatado, Líder/Bom Gosto UHT Integral, Mumu UHT Integral e Latvida UHT Desnatado.
As interdições ocorreram para que os produtos adulterados não chegassem mais às prateleiras dos supermercados, mas técnicos da área e promotores do Ministério Público afirmam que as empresas foram vítimas da fraude, não cúmplices. Apesar da ressalva, as autoridades frisam que as empresas deveriam ter detectado a adulteração do leite e que precisam melhorar seus mecanismos de controle de qualidade.
Investigação começou em dezembro de 2012
A Promotoria de Defesa do Consumidor começou a investigar o caso em dezembro do ano passado. Através de um convênio com o Ministério da Agricultura, a Secretaria Estadual da Agricultura e laboratórios especializados, o MP recebia amostras de leite que eram auditadas por esses órgãos. As amostras eram conferidas também por um engenheiro químico do Ministério Público.
Empresas envolvidas são LTV, Transportadora 3C, Chiesa, Crisma e Jappe | Foto: MP-RS
A fraude teria sido comprovada por meio de análises químicas do leite cru, quando foi identificada a presença do formol, que, mesmo depois dos processos de pasteurização, persiste no produto final. Com o aumento do volume do leite transportado, os “leiteiros” lucravam 10% a mais que os 7% já pagos sobre o preço do leite cru, em média R$ 0,95 por litro.
Uma das formas de adulteração identificada é a da adição de uma substância semelhante à ureia e que possui formol em sua composição, na proporção de 1 kg deste produto para 90 litros de água e mil litros de leite.
“Começamos a constatar a possibilidade de adição de formol no ano passado para maquiar a adição de água no produto. Utilizavam uma substância usada pela indústria moveleira”, explica o promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho. Ele afirma que a substância química era colocada nos caminhões de transporte antes mesmo de se recolher o leite com os produtores.
As empresas de transporte envolvidas no crime são a LTV, de Guaporé; a Transportadora 3C, de Ibirubá; a Transportadora Chiesa, de Ibirubá; a Transportes Crisma, de Ibirubá; e a Transportadora Jappe, de Horizontina.
Um processo criminal já foi instaurado contra as pessoas envolvidas na fraude. Foram cumpridos ao todo 22 mandatos de prisão, busca e apreensão nos municípios de Ibirubá, Horizontina e Guaporé. Foram presos empresários do ramo do transporte e apreendidos documentos e computadores em empresas e residências, além de 17 caminhões utilizados para o transporte do leite adulterado.
“Fraude por adição de água é facilmente detectável“, diz técnico em laticínio
O técnico em laticínios Fábio Carvalho entende que as indústrias do setor deveriam ser mais rigorosas no controle de qualidade de seus produtos. Para ele, a operação Leite Compensado demonstra que tanto as empresas quanto o governo federal – a quem cabe a fiscalização – têm deixado a desejar no controle do leite que recebem de produtores e transportadores.
“A fraude por adição de água é facilmente detectável, existem vários exames de rotina que poderiam ser feitos todos os dias. É uma fraude muito mal feita e grosseira, por isso chama a atenção que não tenha sido detectada”, comenta.
Ele acredita que as empresas do setor tenham sido pegas de surpresa pelo esquema criminoso das transportadoras, já que a adição de ureia e formol prejudica, inclusive, a própria produção das indústrias. “Além dos exames de rotina, as empresas precisam fazer pesquisas nas áreas físico-química e microbiológica para verificar suspeitas e acusar problemas. Fica claro que as empresas foram logradas. Além do prejuízo de imagem, a adição de formol é contraproducente, pois inviabiliza a produção de uma série de derivados do leite”, informa.
O técnico afirma que o ministério da Agricultura também é responsável pela fiscalização do produto nas grandes empresas e deveria ser mais atuante nos procedimentos. “Há uma falha, o controle de qualidade do leite no Brasil precisa ser feito com muita atenção. É um produto altamente perecível, consumido por crianças e idosos, por pessoas adoentadas e com baixa imunidade. É um produto muito suscetível à fraude”, explica.
Em nota divulgada à imprensa, o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS) afirma que ” todos os lotes identificados com problema foram retirados do mercado e não se encontram mais à disposição do consumidor”. O comunicado também ressalta que “a indústria reafirma seu empenho na obtenção e distribuição de leite e derivados de alta qualidade e de consumo seguro, com a realização de análise do produto recebido dos produtores, importantes parceiros no elo da cadeia produtiva”.
As empresas são sim responsaveis pela qualidade the materia prima adquirida. Não foram logradas.