Como formar a nova geração do campesinato

Campo vive crise de transição geracional e precisa oferecer condições para que jovens permaneçam na terra. Eles sonham frequentar a universidade e acessar seus próprios projetos É possível conciliar os novos anseios sem perder a identidade?

A pauta da juventude camponesa precisa ser tratada com mais atenção por todos os segmentos – Arquivo MPA
.

Por Frei Sérgio Antônio Görgen, no Brasil de Fato

A juventude camponesa tem sido vítima, ao longo de mais de 70 anos na história recente do Brasil, da desterritorialização do campesinato e da perda de identidade. Por falta de renda estável, poucas alternativas de lazer, atração de novos padrões de consumo, dificuldades de acesso à educação, preconceito social, dificuldade de inserção produtiva autônoma no núcleo familiar, penosidade do trabalho, essa juventude tem buscado outros caminhos. E não só por opção, mas por expulsão, pressão ou constrangimento de uma realidade no campo que não oferece as condições para que a juventude permaneça na roça e projete melhores condições de vida e um ideal de existência digna.

Além do mais, a juventude camponesa projeta sonhos de frequentar universidade, de superar a penosidade do trabalho rural, de ser reconhecida socialmente, de participar das decisões familiares, de acessar seus próprios projetos, de viver em liberdade suas relações afetivas.

Porém, é esta juventude que pode dar continuidade ao campesinato e que pode diminuir as distâncias culturais entre campo e cidade sem perder a identidade. Haverá riscos sérios para o povo brasileiro, em tempo não muito longo, caso a principal base social produtora de alimentos, as 6 milhões de famílias camponesas, abandonem por completo esta labuta por falta de reprodução da vida social e da produção familiar de alimentos básicos que abastecem a mesa do povo. Esta é uma preocupação central e estratégica para a sociedade brasileira como um todo.

É necessário pensar, projetar e construir o conceito e a prática de uma “Nova Geração Camponesa”, com uma dimensão progressista, transformadora, superando o poder patriarcal e uso de agrotóxicos, por exemplo. Mas não se trata simplesmente de terra arrasada que negue o passado e seus valores, mas uma verdadeira “transição de geração”, onde se inova, renova e revoluciona sem esquecer nem perder a importância e o resgate de saberes estratégicos seculares e até milenares que estão presentes na vida camponesa. Lutar e construir uma Nova Geração Camponesa, talvez, consiga motivar e mobilizar uma necessária força mística capaz de encantar a juventude e construir um horizonte de sentido para uma parte significativa da juventude brasileira.

A Nova Geração Camponesa terá muito do atual campesinato, com suas experiências, seus encantos e desencantos, mas também muito do que hoje é luta e utopia: com agroecologia e produção sem venenos; com tecnologias sociais e equipamentos mecânicos adequados que reduzam a penosidade do trabalho; com comunidades camponesas vigorosas e autônomas com acesso e produção de cultura, arte, música, teatro, relações de lazer, moradia, sociabilidade, convivialidade, saúde, educação de qualidade, comunicação instantânea; acesso à água de qualidade; acesso à terra em quantidade suficiente através de uma profunda reforma agrária; beneficiamento e industrialização da produção e relação de abastecimento direta com as populações urbanas; alimento de qualidade, ar puro e segurança; convívio com as pessoas, com a natureza e com as paisagens que gerem bem viver, paz interior e superação da ansiedade.

Parece cada vez mais claro que a produção camponesa de alimentos saudáveis em comunidades vivas e ativas culturalmente possa se transformar em uma extraordinária possibilidade de trabalho e vida decente em futuro não muito distante.

Antes que o envelhecimento da população rural chegue, no Brasil, a um ponto sem retorno e se torne irreversível, é preciso construir uma mudança de disposição da juventude, uma cultura de permanência e volta ao campo com Políticas Estratégicas do Estado Brasileiro, voltadas para manter e atrair uma geração jovem para a produção de alimentos e serviços ecossistêmicos (ar puro, água limpa, paisagens, biodiversidade, fitoterápicos, microrganismos…), para a vida no campo e seus encantos.

Entre as várias medidas propostas há uma direta e concreta que terá um efeito rápido, eficaz e consistente: uma Bolsa Permanência no Campo, mensal, com tempo mínimo de cinco anos, que estimule jovens recém-formados – ensino médio, técnico ou superior – a retornar e/ou permanecer no campo.

Este artigo faz parte da série temática “A gente não quer só comida: Agricultura Camponesa indispensável para a reconstrução do Brasil”. Confira a série completa. Já se você prefere assistir aos vídeos de reflexão, acesse este link.

Frade Franciscano, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores e Via Campesina Brasil.

Leia Também: