Cinema: O nazismo mora ao lado

No interior da Colômbia, o olhar de um alemão intriga: será ele Hitler? A presença de nazistas na América Latina é tema recorrente — eletrizante ou divertida, mas sempre sombria. Meu vizinho Adolf é convite para revisitar este acervo

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Por José Geraldo Couto, no Blog do Cinema

E se Hitler tivesse sobrevivido à derrota alemã na Segunda Guerra e viesse morar, disfarçado de cidadão comum, num vilarejo remoto da América do Sul? É disso que desconfia, com crescente convicção, o seu vizinho de muro, um velho judeu polonês sobrevivente do Holocausto. Eis o provocador ponto de partida de Meu vizinho Adolf, de Leon Prudovsky, em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira.

Estamos em 1960 no interior da Colômbia. Em maio o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann havia sido capturado pelo Mossad (serviço secreto israelense) na Argentina e levado para julgamento em Israel. É nesse contexto que o sr. Polsky (David Hayman) vê chegar seu novo vizinho, um certo Herzog (Udo Kier, de Bacurau), um lacônico alemão de barba vasta e olhos azuis. São justamente os olhos que chamam a atenção de Polsky, que julga reconhecer neles o olhar de ninguém menos que Adolf Hitler, a quem ele avistou pessoalmente na juventude, num torneio internacional de xadrez.

Crescentemente intrigado, o solitário e rabugento Polsky passa a bisbilhotar secretamente o vizinho, ao mesmo tempo em que mergulha na documentação disponível sobre Hitler: fotos, biografias, cartas, etc., em busca da confirmação de suas suspeitas. O consulado israelense da cidade mais próxima não o leva a sério. Seria apenas mais um lunático que julgava ter encontrado o supremo facínora.

Dessa situação promissora, o diretor Prudovsky, ele próprio um israelense de origem russa, constrói, sem grandes rasgos de invenção, um eficiente misto de comédia, suspense e drama, que se afrouxa um tanto no desfecho meloso.

Tema recorrente

É curioso esse interesse recorrente da literatura e do cinema na presença, real ou imaginária, de criminosos nazistas em solo sul-americano. O caso mais notório e extravagante é o de Os meninos do Brasil, livro de Ira Levin de 1976, levado às telas dois anos depois por Franklin J. Schaffner, com Gregory Peck, Laurence Olivier e James Mason no elenco. Livro e filme imaginavam uma trama em que o famigerado médico nazista Josef Mengele realizava no Brasil o experimento monstruoso de produzir 95 clones de Hitler e espalhá-los pelo mundo. Os meninos do Brasil está no YouTube, na versão original sem legendas e numa versão dublada em português.

Curiosamente, o verdadeiro Mengele morreria no ano seguinte, 1979, ao sofrer um AVC quando nadava em Bertioga, no litoral de São Paulo. Vivia com nome falso e sua identidade só foi comprovada mediante uma exumação, anos depois.

Patagônia e Brasil

Mengele voltaria a ser personagem em 2013, no argentino O médico alemão, de Lucía Puenzo, em que a sinistra figura entrava – com outro nome, claro – na vida de uma família em viagem pela Patagônia, no mesmo ano de 1960 em que se passa Meu vizinho Adolf. Um ano depois, em 2014, a comédia uruguaia de suspense Sr. Kaplan, de Álvaro Brechner, colocava em cena outro idoso solitário que desconfiava que um alemão recém-chegado a sua praia fosse um criminoso de guerra nazista.

E o inédito La bruja de Hitler, da dupla argentina Ernesto Ardito e Virna Molina, imagina que em 1961 uma família de fugitivos nazistas chega à Patagônia e faz amizade com uma família local, no intuito de levar uma vida pacata. A Patagônia, pelo visto, sempre foi o destino preferencial dos nazistas, ao menos na ficção. Recém-estreado no festival de Málaga, La bruja de Hitler deve entrar em cartaz na Argentina em junho e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.

Nessa seara, o exemplar brasileiro mais famoso é Aleluia, Gretchen (1976), de Sylvio Back, uma ficção assustadoramente colada à realidade, em que nazistas alemães se instalam no interior do Paraná e dão prosseguimento a seus ideais e atividades em defesa da supremacia ariana. O filme está disponível de graça na plataforma Itaú Cultural Play.

Numa época de recrudescimento do extremismo de direita, com o surgimento de centenas de células neonazistas, sobretudo no sul do Brasil, pode ser interessante revisitar esse acervo de ficções ora eletrizantes, ora divertidas, mas quase sempre sombrias. Meu vizinho Adolf, mesmo sem ser um grande filme, vale como uma porta de entrada.

Geraldo Sarno

O Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília está exibindo até 11 de junho uma retrospectiva completa do grande cineasta Geraldo Sarno (1938-2022), autor de obras marcantes como Viramundo, Coronel Delmiro Gouveia e Sertânia. Comentei este último, testamento e obra-prima do diretor, há dois anos.

A mostra conta com 26 filmes, entre longas, médias e curtas-megragens, além de palestras e debates, e segue depois para os CCBBs de São Paulo (de 17/6 a 9/7) e Rio de Janeiro (19/7 a 8/8).

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