Sônia Fleury entra no debate sobre a proposta do IEPS

Para cientista social que participou da criação do SUS, proposta do instituto de Armínio Fraga para a Saúde expressa a estratégia dos que querem a privatização – mas sobre as pilastras do sistema público… Neste caso, como encará-los?

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Lançada com algum foguetório em 4/7, e batizada sintomaticamente de “Mais SUS”, a agenda do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) para a Saúde Pública brasileira está provocando burburinho. Sintética, composta de seis pontos-chave construídos com esmero, ela flerta com propostas do movimento sanitarista. Defende, por exemplo, elevar o investimento no SUS dos atuais 3,9% do PIB para 6%. Sugere ênfase na atenção primária à Saúde. E é proveniente de um instituto que informa, de modo ostensivo, ter como mentor o banqueiro Armínio Fraga, notório por executar, quando esteve à frente do Banco Central (governo FHC), políticas de claro corte neoliberal. Na última terça-feira (12/7), Outra Saúde publicou nota expondo a contradição. Horas depois, recebia da cientista social Sonia Fleury uma primeira reação, riquíssima e provocadora, na forma de artigo. Temos o prazer de publicá-lo aqui.

O texto de Sonia – integrante do grupo de pesquisadores e ativistas que lançou, ainda nos anos 1970 a proposta do Sistema Único de Saúde – sustenta duas ideias essenciais. A proposta do IEPS está, segundo ela, no campo da democracia e da defesa do SUS – por isso deve ser acolhida com respeito, num cenário em que paira a ameaça de depredação e pilhagem do país em todos os terrenos e sentidos. No entanto, ela expressa uma visão limitada de Saúde Pública na qual o SUS (ainda que reforçado) serve de pilastra sobre a qual os interesses privados montam seus impérios.

O artigo é provocador desde o início. Ao invés de se injuriar com as teses do IESP, a cientista social reconhece a legitimidade de sua iniciativa. “Não há estranheza” – diz ela, divergindo neste aspecto de nossa nota –  “que acadêmicos, banqueiros, artistas, profissionais, políticos, gestores, formadores de opinião, passem a engrossar as fileiras junto aos movimentos sociais que construíram e defenderam o SUS desde a Constituição de 1988 até agora”. Ou seja, os movimentos que impulsionaram a reforma sanitária não deveriam se enxergar como tutores únicos da proposta.

Fariam muito melhor – prossegue o artigo – se, ao aceitarem o diálogo com os pontos defendidos do IESP, enxergassem seus limites. E aqui o texto se torna ainda mais agudo. Para Sonia, é funcional, aos defensores refinados da privatização da Saúde, contar com um SUS mais forte. Porque neste caso, e num cenário de insegurança para as populações da América Latina, o sistema “funciona como um resseguro de todos que perdem seus planos privados de saúde” e, portanto, “é essencial para garantir a continuidade da extrema lucratividade dos planos e seguros de saúde, que operam na atenção diagnóstica, secundária e terciária, disputando fundos públicos escassos e drenando para suas redes recursos que deveriam ser investidos em melhorias de serviços laboratoriais”.

Com base nestes argumentos, Sônia chega ao ponto central. “A agenda [do IESP] peca mais pelo que não é dito do que pelo que é dito”. Tal proposta sugere que o SUS restrinja-se à atenção primária, ficando todos os serviços (cada vez mais sofisticados e custosos) de atenção secundária e de diagnósticos nas mãos de prestadores privados. E pior: mantendo-se as renúncias fiscais, subsídios e compra incondicional de serviços atuais, que “drenam para suas redes recursos que deveriam ser investidos em melhorias de serviços laboratoriais, diagnósticos, hospitais e especialistas do setor público”.  É desta forma que as teses do IEPS “perpetuam a dependência do SUS em relação à rede privada, ao invés de lutarem por sua emancipação da perspectiva de mercantilização da saúde”.

No momento em que se aproximam a Conferência Livre de Saúde e as chances de virar a página do pesadelo brasileiro, o artigo de Sonia merece ser lido na íntegra. Convida e ao mesmo tempo alerta. Há sinais de que os tempos de devastação do SUS podem passar. Mas os que lutam pela Saúde Pública integral precisam estar prontos para os debates e disputas de alto nível que vêm por aí.

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