A perigosa “solução” de Salles para os incêndios

Ministério do Ambiente comprou sem licitação, e despeja no Cerrado, “retardante” cujos efeitos sobre a água e a comida são potencialmente muito graves. E mais: destino perigoso para o lixo atômico de Angra dos Reis

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A SOLUÇÃO PERIGOSA DE SALLES

Há algumas semanas a Piauí problematizou o fato de que, para combater o fogo no Pantanal, o governo do Mato Grosso estava usando retardantes – produtos químicos que não têm a devida regulação ambiental no Brasil, e cujos efeitos na saúde humana e do ambiente ainda não foram suficientemente documentados. Pois o Ibama, sob orientação do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, elaborou um contrato em regime de urgência para comprar – sem licitação – 20 mil litros do produto, agora com o Cerrado como destino. Ele seria usado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e fornecido pela  Rio Sagrado Industrial Química. A mesma empresa já ‘doou’ mil litros do produto, que foi exibido recentemente pelo ministro em uma visita à Chapada. Na ocasião, Salles disse que o retardante já foi usado no local.

A descoberta é do repórter André Borges, do Estadão, que ressalta ainda como o contrato do Ibama ignora trechos importantes de um laudo da própria autarquia publicado em 2018. O documento, que foi usado para basear os pareceres favoráveis à aquisição, diz que “o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático”. Só que ele não para por aí: alerta sobre riscos e sobre a falta de regulação no Brasil, uma vez que os dados sobre ecotoxicidade são incipientes. E enumera uma série de precauções, entre elas a “suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias”, devido ao risco de contaminação. Pelo mesmo motivo, o documento diz que esse tipo de produto deveria ser evitado em Áreas de Preservação Permanente (APP). Nada disso foi levado em conta quando a compra emergencial foi aprovada. Aliás, a Chapada dos Veadeiros é uma APP… E, segundo o governo de Goiás, não é autorizado o uso de retardantes na região.

Após a denúncia do jornal, o Ministério Público junto ao TCU pediu a paralisação do processo de compra e a interrupção de qualquer lançamento dos retardantes até que a corte analise o caso.

Em tempo: Salles participou de uma audiência pública na comissão do Senado que acompanha o enfrentamento aos incêndios no Pantanal, e justificou sua inação afirmando que o governo federal só tem competência para fiscalizar 6% desse território. O restante seria responsabilidade do estado. No G1, ambientalistas contestam o argumento: apesar de só esse pequeno percentual estar sob responsabilidade direta da União, o Ministério tem o dever de atuar na proteção do bioma, principalmente em situações de crise.

SEM DESTINO CERTO

O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra a transferẽncia do lixo nuclear das usinas de Angra; esse lixo tem sido armazenado em tanques gigantescos que já estão quase cheios, e a ideia da Eletrobras Eletronuclear é transferi-lo para 72 cilindros metálicos envolvidos por concreto e aço. Eles ficariam a céu aberto em um terreno dentro do complexo de Angra, perto do centro de informações, do mirante para os visitantes e da BR-101. Esse tipo de depósito é usado em outros países, só que foi aprovado aqui sem nenhum estudo de impacto ambiental e sem audiência pública com os moradores da região. 

“Até um tempo atrás, falar em tornado aqui no Brasil seria um absurdo. Hoje já não é mais um absurdo. Qual é a capacidade de impacto, se tiver um tornado atingindo a região de Angra dos Reis? Não é claro o que que ele suporta”, disse o procurador Ígor Miranda no Jornal Nacional. Como se sabe, o lixo atômico representa perigo por milhares de anos. Mas, apesar de os tanques de Angra estarem sendo preenchidos há anos, o Brasil ainda não tem um depósito final. 

AS MUDANÇAS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO

Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que muda o Código de Trânsito Brasileiro. O projeto havia sido entregue ao Congresso em junho do ano passado e, de lá para cá, caíram algumas das medidas propostas – como a absurda previsão de eliminar as multas para transporte de crianças sem cadeirinhas. Mas foi mantido o aumento do limite de pontos para a perda Carteira Nacional de Habilitação, que passou de 20 para 40 no caso de motoristas com infrações leves, médias e graves. Se houver uma infração gravíssima, o limite fica em 30; e só com duas ou mais gravíssimas se mantém o teto de 20 pontos. Contrariando especialistas, o presidente diz que a medida não vai aumentar os acidentes.

Ele vetou um trecho (que havia sido incluído pelos parlamentares) segundo o qual motociclistas só poderiam avançar entre veículos quando o trânsito estivesse lento ou parado. “Queriam, estava no projeto, nós vetamos, permitindo que o motociclista apenas pudesse ultrapassar filas de carros parados com baixa velocidade. Nós vetamos isso. Continua valendo, numa velocidade maior, o ciclista [sic] poder seguir destino”, disse Bolsonaro ontem à noite, em transmissão ao vivo. De acordo com ele, o veto foi porque “o motociclista, ele cuida da vida dele, pô. Ele que está em cima daquele trem ali”. E também por outro motivo: “Você, gordinho aí, uma pizza fria também acho que não cabe. [Tem que] Receber a pizza quente em casa“. A justificativa oficial do governo é que, além de restringir a mobilidade desses veículos, o trecho em questão criava insegurança jurídica pela dificuldade de definir e medir o que é “fluxo lento”. 

Outro artigo vetado dizia que os motoristas deveriam se submeter a exames realizados pelo órgão executivo de trânsito e que os exames de aptidão física e mental e a avaliação psicológica deveriam ser realizados por médicos especialistas em medicina do tráfego e psicólogos especialistas em psicologia do trânsito. De acordo com o presidente, no ano que vem o governo vai submeter outro projeto para que os exames de saúde possam ser feitos por qualquer médico.

Também mudou o prazo de validade da carteira, que passou de cinco para dez anos no caso de motoristas de até 50 anos. de idade. A lei deve ser publicado no Diário Oficial da União hoje e entra em vigor em seis meses.

PRIMEIRA MORTE

Uma das raras pacientes reinfectadas pelo novo coronavírus morreu após três semanas de internação. Ela era holandesa, tinha 89 anos e tratava câncer com uma terapia que prejudicava seu sistema imunológico. 

Mesmo que raras, as notícias sobre reincidência da covid-19 têm levantado questões sobre a duração da imunidade e, principalmente, sobre se as futuras vacinas vão de fato nos ajudar a alcançar a imunidade coletiva. No New York Times, especialistas explicam que as vacinas têm mais chances de gerar imunidade robusta do que infecções naturais. “Por exemplo, o coronavírus é particularmente bom em se esquivar dos primeiros alarmes imunológicos do corpo, ganhando um tempo valioso para semear uma infecção. Em algumas pessoas, esse retardo eventualmente desencadeia uma reação imunológica excessiva em cascata que pode ser mais prejudicial do que a própria infecção. As vacinas têm como objetivo desencadear uma resposta imune sem interferência do vírus e, portanto, podem evitar essa sequência inflamatória. As vacinas também podem ser manipuladas para aumentar a memória imunológica, produzindo assim respostas mais duradouras e protetoras”, diz a reportagem. 

MAIS UMA PAUSA

Foi interrompido um ensaio clínico da farmacêutica Eli Lilly que avalia seu tratamento com anticorpos monoclonais contra a covid-19. O estudo, patrocinado pelo governo dos EUA, observa os benefícios da terapia em cerca de 300 pacientes hospitalizados. Em um comunicado, um porta-voz do NIH o (National Institutes of Health , agência americana) informou que a interrupção se deu quando o conselho de segurança  descobriu que, após cinco dias de tratamento, o grupo de pacientes que recebeu os anticorpos apresentou um “estado clínico diferente” do grupo que recebeu placebo; uma diferença que “cruzou um limite predeterminado de segurança“, segundo o New York Times. Não há mais detalhes.

O tratamento da Lilly é semelhante ao da Regeneron, que foi administrado a Donald Trump. Ambas as empresas solicitaram recentemente autorização de uso emergencial para seus produtos, mesmo antes do fim dos testes. Há menos de um mês, a Lilly divulgou um comunicado à imprensa indicando resultados preliminares promissores para pacientes não gravemente doentes. Esses resultados, porém, não foram publicados em nenhuma revista revista científica. E, ao que parece, trata-se de ensaios diferentes – já que os testes agora paralisados envolvem apenas pessoas hospitalizadas.

NOTÍCIAS DA J&J

O anúncio da interrupção nos testes da Lilly vem apenas um dia depois de a Johnson & Johnson pausar os ensaios com a sua vacina. Ontem a Anvisa recebeu oficialmente um comunicado da Jansen (divisão farmacêutica da empresa) informando sobre o ocorrido. A agência brasileira diz que vai investigar os dados e decidir pela continuidade ou não do estudo. No Brasil, há 12 voluntários participando até agora.

VERBA CONFIRMADA

O Banco Mundial confirmou a aprovação de um pacote de financiamento de US$ 12 bilhões para países em desenvolvimento comprarem testes, tratamentos e vacinas contra a covid-19, quando elas estiverem disponíveis. A intenção havia sido anunciada em setembro.

DIFERENÇA NÍTIDA

Opositores do governo Bolsonaro são mais bem informados sobre a covid-19, estão mais preocupados com a doença e têm maior intenção de se vacinarem quando possível, segundo uma pesquisa do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da UnB feita em parceria com pequisadores da UFG, da UFPR e da Western University (do Canadá). Foram entrevistados 2,7 mil brasileiros. Entre os que se disseram mais críticos ao governo, só 44% estão muito preocupados com a doença, enquanto entre os satisfeitos com Bolsonaro eram apenas 21%.

Para medir seu conhecimento sobre o vírus e a doença, os entrevistados responderam a um questionário cuja pontuação variava entre zero e 100. A média foi 74; mas entre os que avaliam o governo como “ótimo” ou “bom”, ela foi de 69, contra 79,3% entre os que o consideram no “ruim” ou “péssimo”. Cerca de 8% dos que availam bem o governo dizem que não vão se vacinar de jeito nenhum; o percentual cai para 1,7% entre os mais críticos.

Uma nova etapa da pesquisa vai acontecer após as eleições para ver como as campanhas eleitorais irão afetar o nível de informação e o comportamento em relação à pandemia. Aliás, ontem o candidato à prefeitura de São Paulo, Celso Russomano (que, por sua vez, recebeu apoio de Bolsonaro publicamente) sugeriu que pessoas em situação de rua podem ser mais resistentes ao coronavírus por não conseguirem tomar banho todos os dias. 

Para lembrar: ainda em maio, um estudo da Universidade de Cambridge e da Fundação Getúlio Vargas estimou que os atos e discursos de Jair Bolsonaro poderiam estar por trás de pelo menos 10% dos casos de covid-19 registrados até aquele momento.

NA CAMPANHA ELEITORAL

Mesmo depois do amontoado de evidências contra o uso de hidroxicloroquina para curar ou prevenir covid-19, em vários municípios o remédio está sendo usado por políticos na disputa eleitoral. Uma série de reportagens especiais da Agência Pública mostra como isso tem sido feito em dez cidades onde o ‘kit covid’ foi distribuído . Em geral são municípios do interior ( “No Brasil profundo, a cloroquina é ‘pop'”, diz o texto), mas também há histórias nas capitais do Rio Grande do Norte e do Amapá. Em pelo menos oito dos dez municípios, moradores relataram que os remédios foram entregues até para quem não tinha os resultados do teste para a covid-19. 

“É muito fácil você conseguir votos e a simpatia do povo assim: ‘olha como eu cuido da população da minha cidade, eu estou distribuindo um kit de remedinhos de graça’”, comenta Natália Pasternak, do Instituto Questão de Ciência. A estratégia geral é resumida pelo cientista político Daniel Menezes, professor da UFRN, ao falar sobre o prefeito de Natal Álvaro Dias (PSDB), candidato à reeleição: “A minha hipótese é a de que ele, de posse de pesquisas qualitativas, conseguiu mapear muito bem o sentimento da população. ‘O pessoal quer remédio? Então remédio eu vou dar’”. Em Cárceres,no Mato Grosso, a prefeitura colocou até Jesus na jogada. O pacote com ivermectina distribuído à população vinha com a mensagem “esta luta é do Senhor Jesus. Juntos venceremos Covid-19”. O detalhe é que essa droga não é recomendada nem mesmo pelo Ministério da Saúde, cujos protocolos ainda insistem na cloroquina.

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