A pequena (mas importante) derrota dos planos de Saúde

Justiça Federal mantém redução inédita de mensalidades, determinadas pela ANS e provocada pela redução do atendimento, em pandemia. Mas medida só atinge 20% dos contratos e lucro das operadoras continua a disparar

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Por Leila Salim e Raquel Torres | Imagem: Benett

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REDUÇÃO MANTIDA

Em julho, pela primeira vez na história, o cálculo de reajuste anual da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que as mensalidades dos planos de saúde devem ser reduzidas. Segundo as contas da agência, o reajuste para os planos individuais deve ser de -8,19%. Mas as operadoras dos planos privados, como se pode imaginar, reagiram prontamente

Ontem, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) entrou com ação na Justiça Federal do Rio questionando o cálculo feito pela ANS e argumentando que o reajuste deveria ser negativo, mas totalizando uma redução menor, de 6,91%. A ação, sustentada por um parecer elaborado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, apontou que a ANS inverteu um dos sinais de cálculo da fórmula utilizada para a obtenção do índice, distorcendo assim os valores finais. 

Mas, pelo menos até agora, não colou. Na noite de ontem, a Justiça negou o pedido liminar da Abramge e manteve o cálculo da ANS. Segundo a decisão, a fórmula utilizada é “plenamente permissível” e “merece ser mantida como suficiente para a compreensão do cálculo”. O juiz responsável pela decisão disse ainda que a conta não poderia ser encarada como uma “mera disputa matemática”, e reafirmou que se tratava de uma disputa normativa sobre a regulação dos planos. 

Não é demais lembrar: em 2020, as operadoras privadas alcançaram lucros recordes: as altas foram de 49,5%, representando, segundo a ANS, um lucro líquido de R$ 17,5 bilhões em plena crise sanitária. É que, como se sabe, nesse período houve uma queda generalizada na utilização de serviços médicos, como exames e consultas, o que diminuiu drasticamente os gastos dessas empresas. Mesmo assim, a associação representativa dos planos pretende recorrer. Após a decisão, a Abramge informou que entrará com um agravo de instrumento para garantir o reajuste de -6,91%.

Correndo por fora, há a discussão sobre o reajuste dos planos coletivos, que representam mais de 80% do mercado dos planos privados. O reajuste calculado pela ANS vale apenas para os planos individuais, que são somente 18% dos contratos. 

Os planos coletivos também são regulados pela ANS, mas a definição dos percentuais de reajuste fica de fora do escopo da agência. Para eles, vale a “livre negociação” entre as operadoras privadas e as empresas ou entidades que contratam os planos para seus funcionários.

O resultado não é muito difícil de se prever: mesmo com a pandemia, o que se viu foram aumentos de mensalidades que chegaram até a 20% em alguns casos. Segundo o Estadão, a definição do índice negativo para os planos individuais pode pressionar os contratos coletivos. 

PREÇOS DE REMÉDIOS

Está em consulta pública até o próximo dia 27 uma proposta do Ministério da Economia para mudar a regulação dos preços de novos medicamentos no país de modo a estimular a inovação na indústria. Mas entidades como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e a SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade) consideram que o texto fragiliza a regulação brasileira e que, se for adiante, vai impactar famílias, governo e saúde suplementar. 

Em nota, dizem que falta à proposta uma fundamentação técnica de análise de impacto e que há brechas para aumentos de preço. Por exemplo, uma das alterações trata de bonificar medicamentos que apresentem “inovações incrementais” acima dos preços já praticados no mercado; mas, segundo as entidades, o conceito de inovação incremental da OCDE “apresenta grandes indeterminação e elasticidade de suas fronteiras”, podendo se referir tanto a produtos como a marketing e mudanças organizacionais. 

BRASIL NO AQUECIMENTO

Em meio à imensa repercussão do novo relatório do IPCC (o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), uma reportagem do G1 enumera tudo o que o governo brasileiro tem feito – na verdade, deixado de fazer – para cumprir o Acordo de Paris. Em dezembro do ano passado, quando todos os países signatários apresentaram novas versões dos seus compromissos assumidos em 2015, o Ministério do Meio Ambiente manteve na meta o mesmo percentual de redução definido cinco anos atrás: reduzir em 43% as emissões até 2030. E acrescentou a meta intermediária de chegar em 2025 com redução de 37% em relação aos níveis de 2005. 

Anunciou compromissos como o de zerar o desmatamento ilegal até 2030 (claro que há uma pegadinha – declarar por canetada qualquer desmatamento como “legal” resolve essa questão), reflorestar 12 milhões de hectares e assegurar 45% de fontes renováveis. Mas até hoje o governo não esboçou nenhum plano para alcançar essas metas. Antes de Bolsonaro assumir a presidência, um plano com prazos estava sendo construído pelo Meio Ambiente, mas a secretaria responsável pela manutenção das metas contra as mudanças climáticas foi extinta.

O físico Paulo Artaxo, autor-líder de um dos capítulos do relatório do IPCC e professor da USP, falou da tragédia brasileira ao Estadão:  “O Brasil tem dois aspectos importantes. O primeiro é o desmatamento da Amazônia, e o segundo é a falta de incentivos para a geração de energia sem emissão de carbono, energia eólica e solar. Não há programas consistentes de longo prazo para isso. O Brasil está perdendo uma oportunidade de ouro de se tornar um país sustentável e com isso ter uma liderança mundial do ponto de vista econômico. Isso claramente está acontecendo. E não é só o governo Bolsonaro, o Congresso Nacional é dominado por 60% de ruralistas, que vão sofrer os efeitos das mudanças climáticas, mas na filosofia desse pessoal, só conseguem pensar nos próximos quatro anos, talvez oito, o ‘meu mandato’. Depois disso não têm o menor compromisso com a sustentabilidade do planeta. E com as empresas é a mesma coisa: querem o maior lucro no menor tempo possível. Se não mudar isso, não tem o que fazer”.

A propósito: a OMS lembra que os sistemas de produção, embalagem e distribuição de alimentos geram nada menos que um terço das emissões de gases do efeito estufa hoje. 

SIGILO PRA QUÊ?

Como antecipou a Crusoé ontem, o Ministério da Saúde impôs sigilo a todos os documentos que tratam da compra da Covaxin, que está no centro das investigações da CPI da Covid por toda sorte de suspeitas de irregularidades. A comissão, claro, já recebeu os documentos. Mas, agora, eles não podem mais ser acessados publicamente via Lei de Acesso a Informação. 

A justificativa é curiosa: segundo respondeu o Ministério na última sexta, o acesso aos documentos estaria “suspenso e restrito” porque os papéis ainda estariam em “fase preparatória”, ou seja, tramitando internamente na Pasta. Mas foi a própria Saúde que anunciou, no fim de julho, que o contrato para aquisição da Covaxin, intermediado pela Precisa Medicamentos, havia sido cancelado. A dúvida sobre a finalidade do sigilo paira no ar…

CÉREBRO PANDÊMICO

Não apenas a infecção pelo coronavírus e as sequelas da covid podem impactar nossas funções cerebrais. Cientistas têm mostrado que a exposição prolongada ao estresse crônico causado pela pandemia, independentemente da infecção pelo vírus, pode provocar efeitos que vão desde redução da memória e da concentração até atrofia de algumas partes do cérebro. 

É o que vem sendo chamado de “cérebro pandêmico”, um termo não científico que os pesquisadores adotaram para descrever o fenômeno. Como reportou a BBC,  especialistas explicam que lidamos agora com algo bem diferente do estresse “bom”, aquele com período de início e fim, vinculado a situações pontuais. O estresse no contexto da pandemia é crônico, intenso e mais grave porque se renova diariamente. Nossas mentes lidam com a situação sem a perspectiva de um “fim à vista”. 

O resultado é a liberação intensa do cortisol, um hormônio que, se desregulado em nosso organismo, pode provocar consequências como perda de massa muscular, dificuldade de crescimento, falhas na aprendizagem e, segundo os atuais estudos, também afetar o volume de algumas áreas do cérebro. 

Uma pesquisa da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisa os efeitos do distanciamento social e da ansiedade durante a pandemia em nossos cérebros. Exames de imagem detectaram mudanças no volume das regiões temporal, frontal, occipital e subcortical, assim como no hipocampo e na amígdala,segundo os cientistas. 

É importante lembrar que a prevalência de níveis elevados e prolongados de cortisol foram associados a transtornos de humor e encolhimento do hipocampo em momentos anteriores à pandemia, especialmente em pacientes com depressão. A questão é que os efeitos do “cérebro pandêmico” são mais amplos e atingem um número consideravelmente maior de pessoas. Além do comprometimento da memória e da capacidade de aprendizagem, estão associados aos efeitos do “cérebro pandêmico” as oscilações de humor frequentes, os sentimentos de medo ou incapacidade de concentração, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo ou tomar decisões sem hesitação.

Segundo os pesquisadores, o fenômeno não é irreversível, mas, como tudo que nos aguarda no contexto pós-covid, exigirá tempo, paciência e esforços combinados para seu enfrentamento. 

VÍRUS PERIGOSO

As autoridades da Guiné confirmaram ontem um caso de infecção e morte pela doença do vírus de Marburg numa cidade do sul do país. Essa doença é altamente contagiosa e causa febre hemorrágica, com uma taxa de mortalidade muito alta, que varia de 24% de até 88%. O vírus é transmitido por morcegos e se espalha entre pessoas por contato direto com fluidos corporais e superfícies contaminadas – como exige contato, não é tão fácil de se espalhar mundo afora como o SARS-CoV-2. Ainda não existe nenhuma vacina nem tratamento antiviral. 

Um ponto especialmente preocupante é que não há, ao menos na divulgação da OMS, nenhuma informação sobre a fonte dessa infecção; especialistas da Organização estão no país ajudando a investigar, e estão em andamento esforços para rastrear pessoas que possam ter tido contato com o paciente. Os países vizinhos estão em alerta.

O Marburg é da mesma família do vírus que causa o ebola; foi descoberto nos anos 1960 quando houve surtos simultâneos na Alemanha e na Sérvia, na época associados a trabalhos de laboratório com macacos importados de Uganda. Houve desde então surtos esporádicos em alguns países africanos, como Angola, Quênia e Uganda, mas essa é a primeira vez que um caso é detectado na África Ocidental. 

Um detalhe: faz apenas dois meses que a Guiné declarou o fim de seu mais recente surto de ebola – que começou em Gueckedou, mesma cidade onde foi detectado o vírus de Marburg. Foi também lá que o surto de 2014–2016 na África Ocidental teve início. 

MUDANÇAS À VISTA

Bolsonaro entregou ontem à Câmara dos Deputados as propostas do chamado Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família. E, pelo que se sabe até agora, a estrutura da política de transferência de renda irá mudar. 

O programa é uma das principais apostas do governo para a campanha de reeleição presidencial no ano que vem. Bolsonaro fez questão de ir pessoalmente à Câmara para apresentar o projeto, que, no entanto, ainda deixa em aberto um ponto crucial: o valor do benefício. A ideia é  que isso seja definido até o fim de setembro. O Planalto pretende, assim, pressionar o Congresso a aprovar as medidas orçamentárias que, segundo lógica de contingência de verbas para áreas sociais, são consideradas essenciais para “viabilizar” o auxílio. Segundo o governo, no entanto, a expectativa é que o valor médio das parcelas seja de R$ 300. 

Diferentemente do Bolsa Família, o Auxílio Brasil pretende ser uma espécie de “guarda-chuva” para distintos programas sociais e tipos de auxílio. Estão previstos o Auxílio Esporte Escolar; a Bolsa de Iniciação Científica Júnior; o Auxílio Criança Cidadã; o Auxílio Inclusão Produtiva Rural; o Auxílio Inclusão Produtiva Urbana; e o Benefício Compensatório de Transição, esses últimos buscando apontar vias de saída do programa. Também fazem parte benefícios à primeira infância, composição familiar e de superação da extrema pobreza.

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