Como o CO² (e os ambientes de trabalho) entorpecem

Pesquisas revelam: exposição exagerada ao gás, comum no mundo empresarial, leva a resultados piores em testes de cognição — e atrai enxames insetos noturnos, nas casas. E mais: um misterioso “Cascavel” no ministério da Saúde

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MUITO ALÉM DA COVID

Embora essa mensagem ainda seja menos difundida do que seria necessário, hoje está bem estabelecido que o coronavírus se transmite pelo ar. Via aerossóis (partículas ainda menores do que as pequenas gotas que liberamos ao espirrar tossir), ele consegue flutuar por distâncias longas, especialmente em locais fechados e pouco arejados, onde não tem muito como se dissipar. 

Mas a ventilação deveria se tornar uma bandeira essencial na saúde pública por outros motivos também. Um perfil de Joseph Allen publicado ontem na Science traz várias informações interessantes sobre isso – o professor da Universidade de Harvard é um dos cientistas que impulsionaram o debate sobre a transmissão do coronavírus pelo ar desde o começo da pandemia, e há anos estuda a relação entre ar e saúde. Suas pesquisas envolvem os efeitos de gases tóxicos emitidos por móveis, carpetes e tintas; ar viciado; e altos níveis de dióxido de carbono, o CO₂. Entre outros pontos, o trabalho de Allen tem demonstrado o quanto a má circulação do ar prejudica nossa capacidade de raciocinar direito.

Quando um prédio tem salas hermeticamente fechadas – o que passou a ser comum nas últimas décadas, em nome da eficiência energética –, há um acúmulo de CO₂ e de compostos orgânicos voláteis (VOCs) no espaço. Vários experimentos conduzidos por Allen atestam que pessoas que passam muito tempo em escritórios com ventilação ruim (e maior concentração de VOCs e CO₂) se saem pior em testes cognitivos do que aquelas em locais com a ar limpo. Um trabalho em especial mostrou que pilotos de avião expostos a níveis de CO₂ comuns em cockpits tiveram resultados ruins em testes de resposta de emergência, em comparação a quando respiravam melhor.

Recentemente, a Wired tratou do impacto de ambientes arejados na prevenção da malária, doença transmitida por mosquitos que mata 384 mil pessoas por ano no continente africano, sendo mais de 90% menores de cinco anos. “Pessoas adormecidas são um buffet desprotegido para os insetos, que são atraídos pelo dióxido de carbono. Uma casa cheia de ar exalado estagnado e os coquetéis complexos de odores corporais os atraem como mísseis em busca de carne”, diz a reportagem, que trata de um experimento realizado na Gâmbia em que se construíram diferentes tipos de casa para ver quais eram melhores para deixar os mosquitos de fora. A base era mais ou menos a mesma (paredes de barro e telhados de metal), mas havia pequenos ajustes em cada uma delas. 

As casas mais comuns no país muitas vezes não têm janelas; quando têm, raramente usam mosquiteiros, por conta do calor. Mas os pesquisadores constataram que, ao se abrirem janelas muito grandes e teladas, isso reduziu tanto a presença de mosquitos como a temperatura. “O que a equipe descobriu é que ser à prova de mosquitos não significa necessariamente a criação de uma fortaleza impenetrável, mas sim deixar escapar o ar expirado. A ventilação protege dos mosquitos famintos, porque evita que o CO₂ se acumule durante a noite”, explica a matéria. Mesmo em casas com pontos de entrada para os mosquitos, como portas mal encaixadas, a circulação do ar promovida pelas janelas fez com que eles fossem menos atraídos para dentro.

Com suas pesquisas sobre cognição, Joseph Allen conseguiu atrair a atenção de empresários, tornando-se consultor. O argumento econômico – de que vale a pena perder um pouco de eficiência energética em troca de milhares de dólares ganhos com a produtividade dos funcionários – já está fazendo efeito, segundo a Science. Mas é preciso que a promoção do bem-estar e a prevenção de doenças também impulsione esse tipo de mudança arquitetônica em políticas públicas, incluindo as de moradia.

INSTITUCIONAL, MAS NEM TANTO

Um “colaborador eventual”, sem vínculo oficial, mas responsável pelas relações institucionais do Ministério da Saúde com parlamentares, estados e municípios. Por mais contraditório que pareça, foi assim que Airton Soligo, o “Airton Cascavel”, explicou sua atuação na Saúde em depoimento à CPI ontem.  O empresário, que depois do período de atuação informal foi nomeado assessor especial do Ministério, tem extenso currículo na vida pública de Roraima: já foi prefeito, deputado estadual e deputado federal. Ele participou de viagens com ministros e reuniões com gestores antes de ter qualquer cargo oficial no governo. 

Falando à CPI, buscou minimizar sua atuação no Ministério durante a pandemia e disse que era apenas um “facilitador”, usando sua experiência política para auxiliar a pasta loteada a militares a quem faltava o “traquejo” institucional. Como lembrou a Folha, não era exatamente assim que o viam secretários estaduais e municipais de saúde, que chegavam a chamá-lo de “ministro de fato” na gestão Pazuello. 

Como assessor especial, Cascavel esteve no Ministério entre junho de 2020 e março deste ano. Mas sua chegada à pasta coincide com a integração de Pazuello à Saúde, quando o general ainda era secretário-executivo na gestão de Nelson Teich. Quando pipocaram na imprensa reportagens dando conta de sua atuação informal junto à Pasta, Cascavel foi convidado por Teich para assumir o cargo de assessor especial. 

Mas nem deu tempo de oficializar o vínculo antes que a animada dança das cadeiras no Ministério substituísse o então ministro Teich por Pazuello. Coube, então, diretamente ao general e amigo pessoal de Cascavel refazer o convite e conduzi-lo ao cargo

Ainda no depoimento, Airton Cascavel confirmou que, mesmo sem cargo oficial, atuava como representante no Ministério e negociava politicamente com estados e municípios. No entanto, disse que a informalidade seria apenas uma espécie de problema técnico: por ser administrador de sua própria empresa, estaria impedido de assumir cargos públicos. A proibição, que longe de ser uma formalidade técnica, busca garantir os princípios da administração pública, parece não ter sido empecilho para que o empresário atuasse na prática como agente do primeiro escalão do governo. 

SEM SIGILO

Está mantida a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático de Pazuello, aprovada em julho pela CPI. Ontem, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o recurso da Advocacia Geral da União (AGU) que tentava reverter a medida. Representando Pazuello, a AGU argumentou que o general da ativa não teria praticado qualquer conduta ilícita e que o pedido se basearia unicamente no fato de ter ocupado o cargo de chefe da pasta. O órgão disse ainda que não haveria fundamento legal na quebra de sigilo, que representaria uma “devassa indiscriminada e violadora da dignidade e intimidade individual” do ex-ministro. 

Mas Lewandowski entendeu que a CPI justificou devidamente a medida e sustentou que ela pode ajudar nas investigações sobre ações e eventuais omissões do governo na pandemia. A quebra de sigilo, que incluirá dados fiscais, bancários e comunicações ocorridas desde 2018, foi apresentada na comissão pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e aprovada por maioria.  

MAIS CONFRONTO

Como comentamos ontem, está declarado o choque entre a Polícia Federal e a CPI.  Após a PF anunciar a abertura de um inquérito para apurar supostos vazamentos de depoimentos sigilosos à comissão, os senadores reagiram. Ontem, a cúpula da CPI acusou o governo Bolsonaro de uso político da PF e pediu que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, tomasse providências quanto ao que consideram intimidação aos trabalhos de investigação. 

A perspetiva agora é que a Advocacia do Senado ingresse com  habeas corpus para trancar o inquérito. Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, pediu ontem explicações do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino. Já Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, foi contundente quanto ao tom persecutório do inquérito: “Isso equipara-se a transformar a honrosa Polícia Federal em polícia política”, disse.

QUILOMBOLAS SEM VACINA

Levantamento inédito realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (Conaq) com apoio da Terra de Direitos e da Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam) mostrou que populações quilombolas estão longe de ter seu direito à vacinação garantido

Como contou a coluna de Lauro Jardim n’O Globo, o mapeamento, feito em mais de 445 quilombos brasileiros, aponta que o ritmo de vacinação para essa população não acompanha os avanços nacionais. A garantia do direito esbarra em problemas no planejamento, na distribuição de doses e também na falta de certificação de comunidades específicas. Pessoas que, mesmo classificadas como quilombolas, residem em áreas externas aos territórios, têm recebido negativas em postos de vacinação. 

O DEBATE CONTINUA

O Chile entrou para a lista dos países que vão oferecer uma dose de reforço aos vacinados contra a covid-19, neste momento voltada apenas para quem recebeu as duas doses da CoronaVac. O processo vai começar com os maiores de 55 anos, que receberão o imunizante de Oxford/AstraZeneca. Em seguida, os menores de 55 anos receberão o da Pfizer/BioNTech.

O pedido da OMS por uma “moratória global” da aplicação de reforços até o fim de setembro – para que países mais pobres consigam imunizar ao menos 10% de suas populações – não deu muito efeito. A Alemanha vai revacinar todo mundo que não recebeu um imunizante de mRNA. Israel mantém o reforço para maiores de 60 anos. A França vai começar a aplicar terceiras doses entre idosos e a população imunodeprimida. E o governo dos Estados Unidos, que tem sido firme  em negar a necessidade de reforço para a população em geral, disse estar trabalhando para levá-lo a pessoas com o sistema imunológico comprometido “o mais rápido possível”.

É preciso notar, porém, que parte dessas iniciativas não está em completo desacordo com o que prega a OMS. Quando a diretora de vacinação da OMS, Katherine O’Brien, foi questionada sobre se o pedido de moratória se estendia também para a população mais vulnerável, ela relativizou, afirmando que pessoas especialmente vulneráveis devem continuar sendo protegidas.

SPUTNIK SUSPENSA

Wellington Dias (PT), governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, anunciou ontem a suspensão do contrato para compra de 37 milhões de doses da vacina Sputnik V. A decisão foi comunicada após reunião com o Fundo Russo de Investimento Direto.  

Dias, que lamentou o fim da tratativa, credita a decisão às restrições colocadas pela Anvisa para importação e aplicação da vacina no Brasil, assim como à decisão do Ministério da Saúde de  não incluí-la no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Como você leu aqui, no fim de julho o Ministério havia decidido, também, rescindir o contrato intermediado pela União Química, que previa a importação de 10 milhões de doses da Sputnik. 

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