Medicina: pra não sucumbir a um mundo digital e estéril

Luiz Vianna Sobrinho e Leandro Modolo refletem sobre como medicina de dados e a mercantilização da saúde podem fazer dos doutores meros operadores de algoritmos. Será futuro inescapável ou é possível resgatar a clínica humana?

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“Tudo que é sólido se desmancha…” em dados: Um breve ensaio sobre a medicina em devir
De Luiz Vianna Sobrinho e Leandro Modolo
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“O futuro parece estar sempre à nossa espreita.” Assim começa o artigo de Luiz Vianna Sobrinho e Leandro Modolo que publicamos hoje, no Outra Saúde. Os autores, pesquisadores na área da digitalização da saúde e da medicina, tecem um cenário que à primeira vista parece distópico. As tecnologias digitais e o uso de algoritmos e machine learning podem, em pouco tempo, engolir a clínica médica. Serão os novos doutores robôs? O alerta serve menos para alimentar catastrofismos e mais para ajudar compreender uma revolução inescapável na era da Informação – e tirar proveito dela.

Escrevem os autores: “As tramas em que a transformação digital envolveu a vida contemporânea já nos apresentaram os variados robôs, cabines e chatbots em funcionamento no atendimento médico ou ‘entrega de serviços de saúde’. Este serviço de entrega tem forte apelo e embasamento científico, digamos ser um modelo epistemologicamente potente: algoritmos de deep learn que processam mais de 20 milhões de artigos científicos atualizados, inclusive cruzando e balizando seus resultados nas métricas da MBE”.

O que os autores visualizam com a expansão da medicina de dados e tecnologias afins é a perda de espaço dos médicos, cuja valor até pouco tempo atrás podia ser medido pelo tempo de experiência clínica e número de pacientes tratados. O conhecimento adquirido ao longo dos anos e dos casos era visto como a maior base de confiança possível. Mas como competir, hoje, com a quantidade imensurável de dados, estudos e probabilidades que uma máquina é capaz de processar? Os médicos poderiam ser reduzidos a operadores de protocolos? Fazer medicina será hoje trabalhar com algoritmos?

Não se trata apenas do saber médico, mostram os autores: as máquinas também tornam-se peritas em fazer análise de risco e quantificar custo-benefício de tratamentos – característica valiosa, inclusive, para o cenário atual de mercantilização da saúde. Esse é um dos temas tratados por Vianna em seu livro O Ocaso da Clínica, onde ele traça um histórico das mudanças causadas pela medicina de dados nos últimos 40 anos. Em entrevista recente ao Outra Saúde, declarou: “Reduzir toda a possibilidade de conhecimento da questão médica à objetividade de dados possibilitou que se aplicasse a extração e gestão desses dados em proporções populacionais, como nunca visto antes… Então, o que estamos vendo agora, é a aplicação plena por corporações e mesmo por sistemas de gestão estatal da saúde, como o chinês”.

Prosseguem os autores, no artigo: “A gestão corporativa embaralha-se à clínica; e num processo de simbiose os valores que passam a orientar na prática – e em última instância – o saber e fazer se submete ao caráter consequencialista que compõem as metas clínico-financeiras. Nesse ponto, para que tudo se adeque à liquidez ‘realista’ do gerencialismo, torna-se fundamental que adotemos então uma única matriz básica para inteligir e operar a dinâmica dos processos clínico-financeiro em alta performance”.

Vianna e Modolo concordam com a tese de que a medicina passa pelo momento de maior abalo de sua história, antecipada por Eric Topol, professor de cardiologia e consultor em saúde em 2012. “Ao fim, quando a manipulação de dados, por um sistema autômato de IA, chegar ao diagnóstico e às decisões necessárias para cada caso, eliminaremos um sujeito do encontro – a/o médica/o. E, consequentemente, quando o tratamento dos dados do outro sujeito do encontro, o paciente, pelo algoritmo de machine learning se consolidar, pouco restará que não seja objeto – mesmo as características psíquicas, comportamentais ou sociais serão dados digitalizados, e o sofrimento serão bits descorporificados.”

“Um modelo de medicina que permanecia por quase dois séculos”, concluem os autores, “parece chegar ao seu ocaso. E é preciso observá-la e pensar o que faremos e seremos nós, humanos”.

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