Palestina: o apartheid também é farmacêutico

Israel impõe fortes restrições à entrada de medicamentos em Gaza e cria obstáculos às farmacêuticas palestinas, aumentando a dependência dos territórios ocupados. Há denúncias de experimentos médicos com prisioneiros e cadáveres. Como sempre, com a conivência dos EUA…

Créditos: Organização Mundial da Saúde
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Por Candice Choo-Kang, no People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite

A Teva Pharmaceuticals, sediada em Israel e globalmente reconhecida como uma das maiores produtoras de genéricos, fabrica diversos medicamentos essenciais, incluindo versões de sais de anfetamina mistos (geralmente comercializados sob o nome comercial Adderall), fluoxetina, ibuprofeno, entre outros. Em 2022, a empresa alcançou um lucro bruto de 6.973 milhões de dólares [33,8 milhões de reais]. Como uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo, a Teva opera instalações na América do Norte, Europa, Austrália e América do Sul, com distribuidoras autorizadas como CVS Pharmacy, Walgreens e Wal-Mart. A Teva também é uma das empresas cúmplices na restrição do fornecimento de remédios à Palestina, que aumenta a carga sobre a saúde nos territórios ocupados.

A empresa enfrentou a possibilidade de ser incluída em uma lista negra pela Organização das Nações Unidas por operar em assentamentos ilegais na Cisjordânia. Ativistas palestinos anônimos que trabalham no acesso a medicamentos informaram ao People’s Health Dispatch que a Teva continua sendo um grande fornecedor de medicamentos na Cisjordânia. Outras empresas farmacêuticas que operam na área são a Taro Pharmaceuticals (anteriormente de propriedade israelense, agora de propriedade do fabricante indiano Sun Pharmaceuticals) e a empresa americano-irlandesa Perrigo.

Por outro lado, há seis farmacêuticas palestinas, das quais cinco estão atualmente ativas. Uma está inativa na Faixa de Gaza, devido à guerra e ao bloqueio em curso, o que impede a fabricação de medicamentos. Na Cisjordânia, a Pharmacare, Al-Quds Pharmaceuticals, Birzeit Pharmaceutical Company, Beit-Jala Pharmaceutical Company e Sama Pharmaceuticals conseguem fornecer parte dos medicamentos necessários. Juntas, essas empresas fabricam apenas 50% dos remédios vendidos na Palestina.

O Protocolo de Relações Econômicas, conhecido como Protocolo de Paris, que governa as relações econômicas, dita que Israel controla todas as importações e exportações palestinas por meio de impostos e controle de fronteiras, sujeitos às políticas econômicas israelenses. Essa classificação de “importações” para os medicamentos palestinos destinados a Jerusalém Oriental ocupada restringe sua distribuição a todos os palestinos.

A fabricação de medicamentos palestinos é ainda mais limitada pelo controle de Israel sobre a importação de matérias-primas e equipamentos nos territórios palestinos ocupados. Como resultado, muitos palestinos encontram os medicamentos israelenses a preços mais acessíveis, devido às altas taxas impostas por Israel aos produtos que entram na Cisjordânia. “Portanto, vemos o povo palestino consumir medicamentos israelenses”, disse um especialista palestino em farmacêutica que preferiu permanecer anônimo.

A situação deixa a Faixa de Gaza altamente dependente de organizações humanitárias, como a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) para medicamentos. O bloqueio agrava as infecções resistentes a medicamentos, pois os protocolos para combater a condição não podem ser seguidos consistentemente devido ao fornecimento inconsistente de antibióticos.

Dano ao meio ambiente, dano à dignidade humana

A indústria farmacêutica também causa estragos na Palestina por meio de violações ambientais e de direitos humanos. Ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) poluíram a água na Palestina por meio de esgoto não tratado nos territórios ocupados, representando riscos tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana – levando à resistência antimicrobiana.

Relatos perturbadores sugerem que o Ministério da Saúde de Israel permitiu que grandes empresas farmacêuticas israelenses testassem produtos em prisioneiros palestinos mantidos em prisões israelenses. Essa alegação, feita pela professora Nadera Shalhoub-Kevorkian e por Mohammad Baraka, chefe do Comitê de Acompanhamento Superior para Árabes em Israel, levanta sérias preocupações éticas. Em 1997, a ex-política israelense Dalia Itzik relatou que mais de 5 mil testes haviam sido realizados nesses prisioneiros.

A recusa das autoridades israelenses em devolver os corpos de vários mártires palestinos, como Fares Baroud, levantou suspeitas de que eles foram submetidos a experimentos médicos. Em 2015, Riyad Mansour, embaixador palestino nas Nações Unidas, acusou as autoridades israelenses de retirar órgãos de corpos palestinos, possivelmente para experimentos médica – uma acusação que continua sendo feita durante o auge do conflito atual.

Israel é obrigado pela 4ª Convenção de Genebra (artigos 50, 55 e 56) a garantir o fornecimento adequado de suprimentos médicos na Palestina. No entanto, um ativista anônimo que falou com o People’s Health Dispatch afirmou que, durante conflitos, as farmacêuticas israelenses reduzem o fornecimento de medicamentos na Cisjordânia para fortalecer as reservas de medicamentos de Israel. Em Gaza, a capacidade de receber medicamentos externos é gravemente afetada pela guerra, o que significa que muitos pacientes não recebem as doses necessárias ou outras formas de cuidados de saúde.

EUA são coniventes na escassez contínua de medicamentos na Palestina

As mesmas empresas farmacêuticas israelenses que exploram a situação nos territórios palestinos ocupados se beneficiam das políticas e incentivos fiscais dos EUA através de múltiplas vias. Ao mesmo tempo, os palestinos não recebem ajuda significativa dos EUA. Na verdade, o apoio dos EUA a essa ocupação insidiosa nega à Palestina a capacidade de prosperar. Até o momento, muito poucos políticos norte-americanos apoiaram um cessar-fogo, muitos permanecem em silêncio e vários políticos de alto perfil prometeram apoio a Israel.

A Teva Pharmaceuticals recebeu milhões de dólares em créditos fiscais e descontos de estados dos EUA ao longo dos anos. Tais subsídios são comuns nos país, uma vez que os governos estaduais fornecem benefícios fiscais para as empresas operarem no seu território. Os subsídios permitiram que a Teva obtivesse lucros maiores. A empresa anteriormente controlada por israelenses, Taro Pharmaceuticals, também se beneficiou das políticas de fabricantes de medicamentos dos EUA.

A influência da indústria farmacêutica se estende à exploração de políticas, como a reformulação de medicamentos sob a Lei de Medicamentos Órfãos [para doenças raras], permitindo que as empresas se beneficiem de créditos fiscais e exclusividade de mercado por sete anos. Isso pode resultar em preços exorbitantes de medicamentos. Por exemplo, antes de ser adquirida pela Sun Pharmaceuticals, a Taro comprou o Daranide, um medicamento para glaucoma, e o reformulou sob a Lei de Medicamentos Órfãos. O Daranide costumava custar cerca de 50 dólares por frasco, mas disparou para mais de 13 mil dólares após a reformulação. Da mesma forma, a Immunity Pharma Ltd, outra farmacêutica israelense, teve seu tratamento para esclerose lateral amiotrófica (ELA) designado como medicamento órfão.

As ações da Big Pharma estabelecem um precedente para outras indústrias conduzirem negócios às custas das vidas palestinas. Enquanto a Palestina estiver ocupada, sua indústria farmacêutica e economia nunca florescerão completamente. Para que a saúde prospere, a Palestina deve ser libertada.

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