Os motivos da grave crise no Hospital Universitário da USP

Artigo expõe as entranhas de uma tragédia anunciada: desde 2014, o HU enfrenta cortes e precarização dos funcionários, mesmo prestando serviços de qualidade à sociedade e contribuindo com a pesquisa acadêmica. Seria um plano para privatizá-lo?

.

Semanas depois de os dirigentes do Hospital São Paulo admitirem uma das mais severas crises da sua história, outro importante hospital do estado também mostra estar mal das pernas. Em rico artigo, dois professores da USP descrevem como o Hospital Universitário (HU) foi de “demorada construção” ao “célere desmonte”. O texto remonta desde a sua criação e início das operações, em 1981, passa por uma exposição de seus principais indicadores de desempenho, até culminar em seu estrangulamento, que começou a partir de 2014, quando Marco Antonio Zago e Vahan Agopyan, como reitor e vice-reitor, assumem a Reitoria.

Essa chapa assumiu durante um período de queda acentuada na arrecadação fiscal do ICMS e no financiamento da instituição, que uniu-se à total omissão tanto da prefeitura quanto do estado diante uma tragédia anunciada no HU. A partir da análise do Anuário Estatístico da USP, de 2010 a 2021, após um breve período de crescimento no número de cirurgias (20%), consultas médicas e exames complementares (40%) até 2013, o número de consultas anuais foi caindo até chegar a cerca de -60% em 2019 e -71% em 2020 (em comparação com 2009). O gráfico abaixo mostra o atendimento a servidores da universidade e à comunidade SUS-Butantã em queda livre. Junto à disponibilidade de leitos, a oferta de empregos – que se dava precariamente, via contratos temporários – também caiu.

Fonte: Anuários Estatísticos USP

“Tal processo teria a ver só com a insuficiência de recursos?”, questionam-se os autores. Os números comprovam o alto potencial de desempenho, tanto no apoio à população quanto em ensino, pesquisa e extensão da USP. Durante a pandemia de covid, quando o Hospital das Clínicas ficou lotado, o HU virou referência em obstetrícia. Há enorme potencial desaproveitado. Mas nem mesmo as comprovadas “eficiência” e “desempenho” são capazes de impedir os cortes…

“Como explicar que o hospital já tenha sido capaz de realizar: 1) 1.170 cirurgias em 2010 e tenha realizado apenas 615 em 2019?; 2) 163.035 consultas médicas em 2013 e tão somente 79.058 em 2019?; 3) 398.756 exames complementares em 2012 e ínfimos 146.239 em 2019?; e 4) 1.472 internações em 2009 e apenas 421 em 2019?” questionam os autores.

Entre as hipóteses para o abandono descritas pelos autores, fica claro que a visão privatizadora dos últimos reitores é a principal responsável. Eles acreditam que há a intenção de entregar o HU a uma organização social de saúde (OSS). Zago chegou a declarar, em 2016, que o HU “parasita a vida da universidade”. Em total consonância com os governos de São Paulo, essas gestões mostram completa submissão ao arcabouço fiscal que rege – e sufoca – a disposição de verbas para o financiamento público. O fato é que o HU “só ainda não deixou de funcionar mais amplamente pela dedicação de todo o pessoal que lá trabalha diuturnamente”, e precisa ser recuperado com urgência.

Fonte: Anuários Estatísticos USP
Leia Também: