Open Health: mais abuso e discriminação à clientela da saúde

Um cientista político e um pesquisador de dados alertam para os riscos do programa feito para retirar usuários do SUS e empurrá-los a planos privados precários, supostamente “baratos”. Governo já utiliza estratégia de entrega de dados pessoais

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Dois pesquisadores alertam sobre os principais motivos que movem a “transformação digital” na saúde. Em artigo na CartaCapital, o cientista social e coordenador do projeto de prospecção estratégica Brasil Saúde Amanhã da Fiocruz, Leonardo Castro, e o cientista da computação e pesquisador na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Marcelo Fornazin, descrevem os riscos do big data e do compartilhamento indevido de dados. O alerta é feito em relação à segurança dos mais de 48 milhões de usuários de planos de saúde, dada a falta de responsabilidade jurídica das empresas e as possíveis falhas do sistema de decisões automatizados.

Anunciado no início deste ano, o polêmico programa do ministério da Saúde, o open health, inspira-se em práticas do setor financeiro para sustentar que o compartilhamento de dados com setor privado aumentaria a concorrência entre as empresas. “Contudo, não foram apresentadas evidências de que a abertura dos dados pessoais geraria benefícios para o SUS e a população Brasileira”, escrevem. E a estratégia já foi posta em prática com a criação, em 2020, da Rede Nacional de Saúde de Dados – que, na prática, já prevê a disponibilidade de milhões de dados sensíveis da população às corporações.

Além do problema da privacidade, há também o risco de racismo algorítmico. Os pesquisadores explicam que as aplicações de técnicas de “treinamento” da inteligência artificial, que requerem quantidades imensas de dados, criam potenciais vieses prejudiciais e excludentes a segmentos marginalizados – e também aos que mais necessitam de tratamento. A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, diretriz que poderia orientar o desenvolvimento da IA de forma ampla no país, trata de forma rudimentar e superficial esses desafios, segundo eles. Ainda mais com a rapidez com que a “corrida de dados” vem mobilizando os setores de planos e seguros privados de saúde.

O ministro Marcelo Queiroga “desconversa”, aponta Lígia Formenti, colunista de Saúde do JOTA. Em artigo na Folha, publicado no mês passado, ele afirma que as operadoras teriam acesso apenas aos dados financeiros e que a consulta seria anônima. Mas não há detalhes sobre quais mecanismos seriam usados para a proteção. O ministro não explica quais dados estariam disponíveis. Ele também não revela como se daria a suposta “redução de mensalidades” dos planos de saúde. A colunista sugere que uma das possibilidades seria que as operadoras, a partir dos dados, barateassem os planos para pessoas com boa saúde e menor risco de gastos. Mas essa “seleção de risco”, que encarece convênios de idosos e doentes crônicos, não é permitida na saúde suplementar.

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