O governo ataca os laboratórios públicos

Suspensos contratos com 7 laboratórios que produzem de remédios do SUS. Decisão favorece multinacionais. Leia também: novos dados da OMS sobre vacinação e fome no mundo; bactéria da infecção urinária já resiste a antibióticos

Produção de medicamento, cápsulas para ingestão.
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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O MAIOR GOLPE 

Desde o final de junho, o Ministério da Saúde suspendeu contratos com sete laboratórios públicos nacionais, atingindo a produção de 19 medicamentos distribuídos pelo SUS a mais de 30 milhões de pessoas. A suspensão afeta as PDPs, sigla de parcerias para o desenvolvimento produtivo, quando as entidades públicas se ligam a empresas privadas. A lista inclui alguns dos principais laboratórios públicos – Biomanguinhos, Butantã, Bahiafarma, Tecpar, Farmanguinhos e Furp – e faz referência a farmacêuticas como GlaxoSmithKline Brasil e Libbs. Os medicamentos feitos a partir de PDPs ficam, em média, 30% mais baratos do que os valores de mercado. De acordo com a Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil, a interrupção abrupta pode causar um prejuízo de R$ 1 bilhão na cadeia produtiva nacional. 

Estadão obteve ofícios assinados por Denizar Vianna Araújo, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Nos documentos, ele informa que PDPs para a produção de medicamentos como insulina e vacina tetraviral estão suspensas. Procurada pelo jornal, a Pasta negou a situação (apesar das evidências) e afirmou que encaminhou aos laboratórios um ofício que solicita “manifestação formal sobre a situação de cada parceria”. O órgão federal informou ainda que “o chamado ‘ato de suspensão’ é por um período transitório”, enquanto ocorre “coleta de informações”.

“Os ofícios dizem que temos direito de resposta, mas que a parceria acabou. Nunca os laboratórios foram pegos de surpresa dessa forma unilateral. Não há precedentes”, afirmou ao jornal Ronaldo Dias, presidente do laboratório Bahiafarma e da Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil. A entidade pretende entrar na Justiça contra a medida. 

O representante de um laboratório de São Paulo falou ao Estado em off sobre uma situação bastante concreta de prejuízo: uma planta industrial no valor de R$ 500 milhões, construída em uma parceria de um laboratório privado com o Instituto Butantã e financiada pelo BNDES ficaria completamente obsoleta. “Toda cadeia econômica está severamente afetada”, diz a fonte anônima.

Ronaldo Dias resume: “É um verdadeiro desmonte de milhões de reais de investimentos que foram feitos pelos laboratórios ao longo dos anos, além de uma insegurança jurídica nos estados e entes federativos. Os laboratórios não têm mais como investir a partir de agora. A insegurança que isso traz é o maior golpe da história dos laboratórios públicos.”

PANORAMA DA VACINAÇÃO

Ontem, OMS e UNICEF divulgaram seu Relatório Anual sobre Imunização. A média de cobertura global está em 86%, um ponto percentual a mais do que ano passado e cinco a mais do que há uma década. A média, porém, esconde cenários preocupantes. Há muita iniquidade: quase metade das crianças não vacinadas estão em países muito pobres e em guerra como Afeganistão, República Centro-africana, Chade e República Democrática do Congo. Entre a Europa e a África subsaariana existe um abismo de 18 pontos percentuais, nota a reportagem do El País Brasil

Há também regressão, especialmente em relação ao sarampo. São exemplos dessa situação o Burundi, que passou de uma cobertura vacinal de 98% para 88%; o Equador de 97% a 83%; a Bósnia, de 94% a 68% e as Filipinas, de 87%, a 67%. Além da guerra, os motivos para essa diminuição, segundo o relatório, são governos que pararam de se esforçar por acreditar que o objetivo estava cumprido, a falta de investimento em saúde pública e, em alguns lugares, a falta de confiança nas vacinas. 

Pela primeira vez o relatório inclui dados da vacinação contra o vírus do papiloma humano, que pode provocar câncer de colo do útero nas mulheres. Noventa países já a incluíram em seus sistemas de saúde e o relatório analisa 75 deles para concluir que entre 10 e 15% das meninas foram vacinadas. “O problema, mais uma vez, é que a cobertura mais elevada se dá em países desenvolvidos, quando a maior parte desses casos ocorre em territórios pobres”, diz Jan Grevendonk, especialista da UNICEF em entrevista ao El País.

Os especialistas dizem que é preciso deixar de pensar somente em estratégias nacionais e garantir um foco local, buscando comunidade por comunidade onde as taxas estão ruins. Há dois meses, Gana se tornou o primeiro país a incorporar a aplicação de vacinas por drones. Mas apesar de a tecnologia garantir a entrega dos imunizantes em áreas remotas, os especialistas dizem que o que resolve mesmo é ter profissionais de saúde tanto para aplicar as vacinas, quanto para verificar previamente onde estão as crianças que precisam se vacinar.

Embora o relatório não considere que o movimento antivacinação já tenha um impacto significativo nos resultados globais, os especialistas alertam que é preciso prestar atenção. “É um grupo muito pequeno, mas suas mensagens viajam mais rápido do que antes”, diz Grevendonk. Os especialistas acreditam que os sistemas de saúde precisam ser capazes de tirar dúvidas da população em relação às vacinas.

A FOME NO MUNDO

Pelo terceiro ano consecutivo, o número de pessoas famintas no mundo aumentou. A conclusão é de outro relatório anual da OMS divulgado ontem sobre segurança alimentar e nutrição. Em 2018, 820 milhões de pessoas não tiveram comida suficiente – ou seja, a cada nove pessoas, uma passa fome. E dois bilhões não tiveram acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e suficientes.

O maior número de pessoas subnutridas (mais de 500 milhões) vive na Ásia, enquanto o continente africano tem as maiores taxas de fome do mundo. Na África Oriental, 30,8% da população está subnutrida. Juntos, a África e a Ásia têm mais de nove entre dez crianças com atraso no crescimento em todo o mundo. No sul da Ásia e na África subsaariana, uma criança em cada três é raquítica.

Ao mesmo tempo, o sobrepeso e a obesidade continuam a aumentar em todas as regiões. Justo na Ásia e na África estão quase 75% de todas as crianças com excesso de peso do globo, situação em grande parte impulsionada por dietas pouco saudáveis.

PRATOS DE FÉRIAS

E uma reportagem da BBC fala da fome de crianças brasileiras que têm na merenda escolar sua principal – e às vezes a única – fonte de alimento. Nas férias, tudo piora. Os dados por aqui são os seguintes: nove milhões de brasileiros entre zero e 14 anos vivem em situação de extrema pobreza; em 2017, havia 207 mil crianças menores de cinco anos com desnutrição grave no país. 

“Quando minha filha me deu essa neta pra criar, ela me disse: ‘mãe, ou você pega a menina, ou eu vou matar ela de fome’. Eu aceitei e agora estou nessa situação. Passo as noites acordada pensando, vou vivendo de pinguinho. Minha neta levanta de manhã e quer o pão dela, e eu me viro e me rebolo, porque na escola ela recebe, e em casa eu não posso dizer pra ela que não tem pão”, diz a faxineira Marinalva Maria de Paula, de 57 anos, sem trabalho fixo há quatro.

DESDE O COMEÇO

Novos estudos da OMS mostram que alimentos infantis são vendidos como sendo adequados para bebês com menos de 6 meses (quando eles na verdade só deveriam mamar) e que, ainda por cima, muitos contêm níveis inadequadamente altos de açúcar. Foram analisados quase oito mil alimentos ou bebidas comercializados para bebês e crianças pequenas de 516 lojas em quatro cidades de países diferentes, Em cerca de metade dos produtos examinados mais de 30% das calorias eram de açúcares totais, e um terço dos produtos continham açúcar adicionado ou outros adoçantes.

NO CORPO TAMBÉM

Talvez a anorexia não seja uma doença de origem apenas psicológica. Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte publicaram, na Nature Genetics, os resultados de um estudo que analisou dados genéticos de quase 17 mil pessoas com anorexia e 55,5 mil que não tinham a doença em 17 países. Foram identificadas as variações genéticas mais encontradas em quem tinha anorexia, e apesar de elas terem variações semelhantes às de pessoas consideradas saudáveis (baixo índice de massa corporal, menor risco de diabetes tipo 2, etc.), havia também genes encontrados em quem tem outros transtornos psiquiátricos, como TOC, depressão e esquizofrenia. O estudo sugere que uma combinação desses fatores de risco psicológico transforma os fatores metabólicos (que são em princípio saudáveis) em doença. Segundo os autores, a anorexia deve ser considerada um transtorno metabólico-psiquiátrico híbrido.

PELO BOM CENSO

Cinco ex-presidentes do IBGE assinaram ontem uma carta pública em defesa do Censo 2020. Eles pedem a manutenção das perguntas que foram retiradas do questionário da pesquisa e criticam a atual gestão do instituto por “desrespeitar os rigorosos procedimentos técnicos e operacionais”, que, segundo eles, sempre pautaram os trabalhos do IBGE. A iniciativa faz parte da campanha Todos Pelo Censo, organizada por servidores da instituição. Assinam a carta: Roberto Olinto, Paulo Rabello de Castro, Wasmália Bivar, Eduardo Nunes e Eurico Borba.

E, de acordo com levantamento do economista Ricardo Paes de Barros que compara 87 países, o censo brasileiro é um dos menores do mundo. Barros é responsável por definir as prioridades para os cortes determinados pelo governo Bolsonaro. 

Reportagem da Fiocruz ouviu duas especialistas em saúde e educação, que respondem por que é um problema para as áreas cortes no questionário básico do censo. Segundo elas, não há como substituir os dados da maior pesquisa brasileira, principalmente porque o Censo é o que melhor capta a realidade dos municípios.

“FUTURE-SE”

O Valortraz informações sobre o programa do governo federal para o ensino superior. Segundo o jornal, será batizado de… Future-se (pois é). E trará mesmo a proposta de que as universidades e os institutos federais captem recursos com o setor privado. O programa será apresentado hoje para Bolsonaro e para reitores. Amanhã, acontece o lançamento oficial. Antes de entrar em vigor, passará por consulta pública. Ainda segundo o jornal, a adesão será opcional. E a cobrança de mensalidades não deve mesmo integrar o programa – até porque um estudo apresentado no MEC no ano passado mostrou que se todos os universitários da rede federal pagassem mensalidade, a mudança traria um incremento de apenas R$ 4 bilhões. 

QUIMIOTERAPIA

“Temos um problema pela frente, estamos resolvendo junto com parlamentares. O Brasil precisa de uma quimioterapia. Alguns pouquíssimos ainda reagem, mas serão convencidos pelo povo, pela maioria desta Casa”. A frase é do presidente Jair Bolsonaro e foi dita ontem durante solenidade na Câmara dos Deputados que homenageou o comando de operações do Exército.

DÚVIDA

A jornalista Claudia Collucci repercutiu hoje na Folha a pesquisa que traça cenários de saúde dependendo do financiamento do SUS, publicada na Lancetsemana passada. Ela conclui o texto assim: “Na falta de dinheiro novo no front, é urgente que o país utilize melhor os recursos existentes. Um dos caminhos seria aprimorar a coordenação entre os setores público e privado de saúde. O particular era para ser suplementar ao público, como em outros países com sistemas universais de saúde. Mas sempre competiu com o SUS por recursos financeiros, médicos, tecnologia entre outros, levando à duplicação na produção de serviços. O diagnóstico é antigo, mas cadê vontade política para meter a mão nessa cumbuca?”. Nós aqui ficamos em dúvida sobre como seria uma “coordenação” com o setor privado que, de fato, fortalecesse o SUS. 

SOB RISCO

Como dissemos ontem, o ebola chegou em Goma, uma cidade densa e que faz fronteira com Ruanda. E a OMS alertou para o fato de que, se o vírus se estabelecer nessa metrópole, aumentam os riscos de disseminação. “O caso em Goma poderia potencialmente representar uma virada nesta epidemia. É uma porta de entrada para a região e o mundo”, afirmo o diretor-geral do organismo, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Neste fim de semana, agressores não identificados mataram dois profissionais de saúde que combatiam a doença na província de Kivu Norte. Outros ataques aconteceram ao longo do ano.

UM MAPA

O site Gênero e Número lançou o Mapa da Violência de Gênero, que reúne dados e leis sobre violência contra mulheres e população LGBT. Estão lá informações das duas maiores bases oficiais de dados sobre violência do país – a do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus) e a do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) –, é possível ver os registros de agressões por localidade, encaminhamentos judiciais de cada caso e autoria dos crimes. 

AFASTADO

A Câmara Municipal do município cearense de Uruburetama aprovou ontem o afastamento do prefeito da cidade, José Hilson de Paiva (PCdoB), suspeito de abusar de pacientes mulheres no exercício da medicina. Vídeos que mostram consultas de Paiva foram divulgados pela TV Globo e mostram o ginecologista colocando mulheres de costas apoiadas em macas. Em um deles, o médico coloca na boca o seio de uma paciente. São 63 vídeos que mostram atendimentos de 23 mulheres – e há indícios de abuso de 17 delas, segundo o Ministério Público, que apura as denúncias. O político nega tudo. Ficará longe do cargo por 90 dias.

PROIBIDAS

Nos EUA, clínicas de planejamento familiar que sejam mantidas com impostos de contribuintes não podem mais encaminhar mulheres para o aborto. A ordem foi dada ontem por Trump. Hoje, o programa de planejamento familiar atende cerca de quatro milhões de mulheres e as clínicas recebem US$ 260 milhões por ano em subsídios.  

NAS RUAS

Em Israel, país conhecido por políticas favoráveis à população LGBT (e por fazer pinkwashing, ou seja, na verdade usar isso como estratégia para promover uma boa imagem), houve uma série de protestos depois que o ministro da Educação, Rafi Peretz, disse na TV que acredita em terapias de conversão de homossexuais. Centenas de pessoas foram as ruas em Tel Aviv pedir que ele seja demitido. Benjamin Netanyahu o criticou, mas não sinalizou demissão.

BRUMADINHO

Ontem, a Vale assinou um acordo com o Ministério Público do Trabalho e deve pagar R$ 700 mil aos companheiros, filhos, mães e pais de cada funcionário da empresa que morreu no rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho. As famílias também vão receber pensão mensal até a data que a vítima completaria 75 anos.

DE SIMPLES A COMPLEXA

A resistência a medicamentos antimicrobianos, como antibióticos, já complica o tratamento de simples infecções urinárias, levando até a internação de pacientes. Reportagem do New York Times traduzida pelo Globo mostra que um terço das infecções causadas pela bactéria E.coli – o tipo mais comum – já estava resistente ao remédio mais usado, e pelo menos um quinto se provou resistente a outros cinco antibióticos comumente utilizados no tratamento. Os dados são de Nova Iorque, cidade que criou um aplicativo para celular que informa médicos e enfermeiros sobre as cepas relacionadas à infecção urinária e que drogas podem ser ineficazes. 

CORTE

A Netflix anunciou que vai enfim cortar uma das cenas finais do seriado 13 reasons why, quando a protagonista se suicida.

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