O ganho duplo da nova política de saúde bucal

Relançamento do Brasil Sorridente beneficia usuários do SUS e também profissionais da odontologia, categoria de alta densidade no país. Agora inserida na Lei Orgânica da Saúde, política poderá ser assumida também por estados e municípios

Foto: Agência Alagoas/Senado Notícias
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Gilberto Pucca em entrevista a Gabriel Brito

O presidente Lula sancionou a Lei 8.131/2017 e incluiu a Política Nacional de Saúde Bucal na Lei 8.080/1990, a Lei Orgânica da Saúde, que institucionalizou o próprio Sistema Único de Saúde. Em evento realizado ontem (8/5), que contou com o senador Humberto Costa, autor do projeto de Lei, e a ministra Nísia Trindade, o governo comemorou a retomada de mais uma política pública destruída pelos governos Temer-Bolsonaro.

Em seus discursos, as autoridades destacaram suas experiências pelo território brasileiro e o contato com pessoas que passaram a maior parte de suas vidas sem acesso a serviços odontológicos. Ao Outra Saúde, Gilberto Pucca, coordenador do programa Brasil Sorridente entre 2003 e 2015, destaca a dimensão da autoestima e dignidade humana que tal política é capaz de proporcionar.

“Além da saúde em si, cria-se autoestima, devolve-se dignidade para pessoas que deixam de sorrir com a mão na frente. Isso é fundamental pra saúde geral das pessoas, inclusive”, explicou. Apesar de já dispor de políticas de saúde bucal, a novidade é que a nova lei acopla os serviços odontológicos ao escopo básico do SUS. Assim, Nísia já anunciou a abertura de 3.685 novas equipes de saúde bucal, que farão parte dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família, além da abertura de 630 novos serviços odontológicos.

De acordo com o governo, a versão anterior do programa tinha levado tratamentos dentários a cerca de 80 milhões de brasileiros, basicamente 50% dos usuários exclusivos do SUS, se considerarmos que cerca de 75% da população brasileira só utiliza o sistema público de saúde.

“A nova lei aumenta a legitimidade da política de saúde bucal, porque todas as frentes da saúde são pactuadas entre o governo federal, estados e municípios. Nós precisamos dos governadores e dos prefeitos, que são fundamentalmente os gestores locais do sistema de saúde. E a nova lei, sancionada nesta segunda, dá legitimidade a todos os municípios que ainda não têm serviços de saúde bucal irem nesta direção – e permite aos que já a possuem, expandi-la”, afirmou Gilberto Pucca, que esteve presente à cerimônia de lançamento do novo Brasil Sorridente.

Outra dimensão importante do programa se direciona à própria categoria de dentistas. O Brasil é o país do mundo que tem a maior quantidade de profissionais de odontologia e o SUS emprega cerca de um terço deles. A volta de uma política de saúde bucal é uma boa notícia também para esses profissionais, que viram os serviços odontológicos retrocederem no sistema público nos últimos anos, ao passo que o mercado privado não pode absorver tamanha força de trabalho.

Pucca relembra como foi a primeira versão do programa: “Impactou os currículos das universidades, porque como se criou o mercado de trabalho, elas começaram a se interessar e formar profissionais adequados para o serviço público. Foi um impacto gigantesco, tanto na absorção dos profissionais como nas reformas curriculares das universidades de odontologia”, comentou Pucca.

Como avalia a sanção do Projeto de Lei 8.131/2017, que institui a política nacional de saúde bucal?

A sanção do PL é fundamental porque agrega a política nacional de saúde bucal à Lei 8.080, a lei que rege o SUS, a lei mestra da saúde no Brasil. Acrescenta-se aos pilares do SUS a política nacional de saúde bucal. Dessa forma, a política de saúde bucal passa a ser perene, isto é, deixa de ser uma política de governo e passa a ser uma política de Estado, portanto, terá de ser mantida por todos os governos que vão se suceder.

Você foi coordenador do programa Brasil Sorridente nos primeiros governos Lula. Qual a experiência acumulada nesta área para a nova fase da política de saúde bucal e o que esta nova lei muda em relação à condição anterior?

Coordenei a Política Nacional de Saúde Bucal de 2003 a 2015, estive treze anos à sua frente, quando implantamos o Brasil Sorridente. Agora, a nova lei aumenta a legitimidade da política de saúde bucal, porque todas as frentes da saúde são pactuadas entre o governo federal, estados e municípios.

Nós precisamos dos governadores e dos prefeitos , que são fundamentalmente os gestores locais do sistema de saúde. E a nova lei, sancionada nesta segunda, dá legitimidade a todos os municípios que ainda não têm serviços de saúde bucal irem nesta direção, e permite aos que já a possuem expandi-la.

Que impacto um programa como este pode ter na sociedade?

A experiência que eu trago desses treze anos à frente deste tema é que a saúde bucal é muito mais importante do que a gente possa imaginar. Quando se implanta o serviço de saúde bucal, se dá acesso ao tratamento odontológico para todas as pessoas, em especial aquelas que nunca tiveram nenhum acesso a este tipo de cuidado. Além da saúde em si, cria-se autoestima, devolve-se dignidade para pessoas, que deixam de sorrir com a mão na frente. Isso é fundamental para saúde geral das pessoas, inclusive.

Qual o nível de transversalidade de uma política de saúde bucal? Com quais políticas públicas e demandas sociais ela se encontra?

A transversalidade é uma questão muito cara a mim, não só na saúde bucal. Não dá mais para se fazer saúde sem vê-la como algo transversal. Saúde bucal é um exemplo disso. Em 2012 nós chegamos a ter a participação do Brasil Sorridente em ações dentro de onze ministérios.

Por exemplo, o ministério dos Esportes colocou a saúde bucal dentro do projeto Segundo Tempo, que era quando as crianças voltavam no contraturno para fazer exercícios e praticar algum esporte. Tivemos no ministério da Justiça um outro belíssimo exemplo, época em que estavam implantando as equipes de saúde para atender os apenados do sistema de justiça e implantamos os serviços odontológicos nas penitenciárias. 

No antigo ministério das Cidades, implantamos a fluoretação de água do abastecimento público. No ministério do Desenvolvimento Agrário, levamos equipes de saúde bucal a áreas de alta vulnerabilidade social do campo, onde tinha agricultura, mas os trabalhadores não eram assistidos, num trabalho em conjunto dos dois ministérios.

Enfim, o programa Brasil Sorridente já tem em seu histórico a prática da política de saúde em transversalidade com outras políticas públicas.

Segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), o Brasil possui atualmente 372.753 cirurgiões-dentistas, 20% do total global de profissionais. A política de saúde bucal teria um papel importante na carreira destes profissionais? Estamos falando de uma categoria que carece de uma política pública de criação de postos de trabalho?

Depois da implantação do Brasil Sorridente, o maior empregador de odontologia do Brasil passou a ser o Sistema Único de Saúde. Nós alcançamos a marca de que a cada três dentistas no país um está vinculado ao Sistema Único de Saúde. Quer dizer, isso impactou os currículos das universidades, porque como se criou mercado de trabalho no serviço público, as universidades começaram a se interessar a formar profissionais adequados para este contexto. Foi um impacto gigantesco, tanto na absorção dos profissionais como nas reformas curriculares das universidades de odontologia.

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