“O Conselho Nacional deveria ter uma atuação mais voltada para fora”

Lenir Santos é referência quando se fala sobre direito à saúde e milita há décadas pelos direitos das pessoas com deficiência. Candidata à presidência do Conselho Nacional de Saúde, pretende fazer uma gestão colegiada e construir estratégias para que as discussões e decisões do Conselho ultrapassem seus limites, chegando à sociedade em geral.

Crédito: Luiz Filipe Barcelos
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Foi um ano marcado pelas eleições. Mas, antes de acabar, 2018 reserva mais uma votação importante para o SUS. Trata-se da eleição para a presidência do Conselho Nacional de Saúde, instância de participação da sociedade nos debates da saúde. A votação acontece em pouco mais de 24 horas, nesta sexta-feira (14/12) à tarde. Os dois candidatos  representam os usuários do Sistema Único. Desde que o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha ocupou a presidência do órgão, há um acordo de cavalheiros para que usuários e trabalhadores se revezem à frente do Conselho. Depois de três anos, o atual presidente Ronald Santos, da Federação Nacional dos Farmacêuticos, se despede. E disputam o seu lugar Fernando Pigatto, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), e Lenir Santos, da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.

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O Outra Saúde conversou com ambos, para entender suas propostas para o próximo mandato. Nesta entrevista, você conhece um pouco sobre Lenir Santos. Para ler a conversa com Fernando Pigatto, clique aqui.

A advogada Lenir Santos é uma das grandes referências quando se fala sobre direito à saúde. Ela participou da construção do SUS, é ex-secretária de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (SGEP/MS) e foi uma das fundadoras do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), onde já organizou e coordenou diversos cursos de especialização. Tem também um longa trajetória na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e hoje é presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, entidade que representa no Conselho Nacional de Saúde.

Se eleita, pretende fazer uma gestão colegiada com outros conselheiros e construir estratégias para que as discussões e decisões do Conselho ultrapassem seus limites, chegando à sociedade em geral.

Fale um pouco sobre sua trajetória na saúde e no Conselho Nacional.

Tenho um trabalho bem extenso na área da saúde, já há 31 anos. Participei ativamente das discussões da Assembleia Constituinte e, mais tarde, da elaboração da Lei Orgânica da Saúde, da montagem de muitos conselhos. Tenho também muitos livros publicados e acabei de lançar [uma edição revista e atualizada] o Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde.

Então é uma trajetória bastante longa e, na área das pessoas com deficiência, estou ainda há mais tempo, há 34 anos, porque tenho uma filha com síndrome de down. No Conselho Nacional de Saúde, represento a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, no segmento dos usuários. Comecei cobrindo o mandato de outra pessoa da Federação que não pôde continuar e já estou há três anos.

Como avalia a atuação do Conselho nesses últimos anos, especialmente diante desse movimento mais intenso de retirada de direitos que estamos assistindo e das ameaças mais recentes ao SUS, como a Emenda 95?

Primeiro, ter o Conselho é fundamental. É fundamental ter a sociedade representada para discutir a saúde. Mas vejo um problema: o Conselho Nacional deveria ter uma atuação mais voltada para fora. Tudo que se decide lá dentro precisam ter um impacto, uma penetração para fora, seja na sociedade, seja nos Conselhos Municipais e Estaduais.

E como isso poderia ser alcançado?

Uma das coisas a que me proponho, se vencer as eleições para o Conselho, é fazer com que o Conselho possa estar mais ao lado da sociedade, que ela conheça o papel fundamental que ele exerce. E para isso ele precisa sair um pouco mais ali de dentro e ter uma atuação mais externa.

Ele toma decisões fundamentais. E, por exemplo, esta recente, de não aprovar o relatório da gestão de 2017, precisava ter aparecido muito na mídia. É preciso ter uma relação mais estreita com a mídia e com outros atores da sociedade, como o Ministério Público, para poder fazer com que as discussões e decisões saiam dentro. Até mesmo para que quando um jornalista vá falar sobre algum tema mais geral – o Mais Médicos, a zika, enfim – ele se lembre de procurar alguém do Conselho para falar também.  Hoje, muitas pessoas não sabem que os conselhos existem e, quando sabem, não entendem o que eles fazem.

Ele também precisa se relacionar melhor com os estaduais e municipais. Tudo que o Conselho Nacional decide precisa reverberar nos demais. Quando não reverbera, ele perde o próprio sentido, porque o um Conselho não está ali para falar para si mesmo. E isso tem acontecido muito pouco. Se for olhar todas as decisões do Conselho, o quanto elas reverberaram nos estados e municípios, você verifica que, na maioria das vezes, não reverbera na maioria das vezes. Então é preciso haver uma ação mais concreta: alguma maneira de ter uma comunicação do Conselho Nacional com, no mínimo, os Conselhos estaduais, e que os estaduais se comuniquem com os municipais. É preciso um plano de comunicação permanente entre eles.

O Conselho Nacional tem conseguido pautar e fiscalizar as políticas públicas adequadamente?

Tudo isso tem a ver com a força que ele precisa ter. Se ele for fraco perante a sociedade, passa a ter dificuldades para pautar essas coisas. Vamos imaginar que ele não concorde com alguma política, ou que ela esteja abandonada, ou que esteja sem recursos ou esteja sendo mal conduzida.. Ele precisa ter força para o seu diálogo dele, seja com o Ministério ou com diversos atores da gestão do SUS, reverbere. Isso só vai acontecer se ele for forte, se, tiver reconhecimento.

O professor Nelson Rodrigues dos Santos, do Idisa, escreveu recentemente um texto em que defende que o CNS tenha uma presidência compartilhada por cinco conselheiros. Qual a sua avaliação?

Esta ideia é a minha ideia. Um dos motivos para eu estar me candidatando é acreditar que o Conselho deve ter uma presidência colegiada. Se não pudesse fazer isso, eu nem me candidataria. Acho que não pdoe ser uma gestão personalista. Concordo 100% com tudo que está escrito no manifesto. Nas propostas que fiz e mandei para os conselheiros está a de uma reforma do regimento, e que a presidência tenha mais quatro ou cinco vice-presidências que atuem de maneira colegiada.

Isso evita que tenha personalismo na presidência, garante que haja compartilhamento das decisões. Afinal, a natureza do Conselho é que ele seja um colegiado, então que seja também um colegiado na mesa diretora, que as decisões ali tomadas sejam compartilhadas por todos os segmentos que estão lá dentro.

Sugere alguma mudança no modelo das conferências?

Elas são importantíssimas, porque, a cada quatro anos, fazem um diagnóstico da saúde e do país como um todo. E este é um processo verdadeiramente ascendente: são feitas as conferências municipais, as estaduais, e então a nacional. E é fundamental que elas aconteçam. O problema é que depois são traçadas as diretrizes que vão pautar o Plano Nacional de Saúde, que se faz a cada quatro anos, e esse documento não pode vir com um ‘monte’ de diretrizes. Tem que ter um outro tipo de ordenação para que seja bem realista, senão você acaba não cumprindo. Não fica factível. Muitas vezes ele tem 500 diretrizes, isso não é possível.

O que se pode esperar do controle social no próximo governo? Que tipo de novas dificuldades podem surgir?

De acordo com o que tem sido noticiado na imprensa, tudo indica que haverá uma forte pressão para diminuir a atuação dos órgãos de controle social. E como eles são financiados pelo próprio poder público, é complicado isso. Acho que serão anos complicados, difíceis.

Os conselhos de saúde não devem acabar, porque estão garantidos na Constituição. Teria que mexer na Constituição para acabar com eles. Mas é possível que se mude a forma como eles são financiados, a forma como ocorrem as reuniões, tudo isso pode acontecer. Por isso, é preciso ser muito forte, a sociedade ter um sentimento de pertencimento com os Conselhos para não permitir que isso aconteça.

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