Fibrose cística e o drama do monopólio de fármacos

A vida de milhares de pacientes está nas mãos de uma única farmacêutica que produz remédio revolucionário. Mas o Brasil poderia iniciar o licenciamento compulsório para garantir seu acesso mais barato ao SUS. Daremos esse passo?

Raphaelle Pereira, de Curitiba. Sua família teve que vender diversos bens, pegar empréstimos e fazer
campanhas de arrecadação para conseguir comprar duas caixas do Trikafta e onze caixas
do Trixacar, uma versão genérica produzida na Argentina. Foto: Dado Galdieri/New York Times
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Um medicamento capaz de revolucionar o tratamento da fibrose cística, doença genética grave que afeta principalmente os pulmões e o sistema digestivo, tem sido destaque na mídia mundial. O Trikafta, desenvolvido pela empresa Vertex Pharmaceuticals, foi aprovado pela FDA, agência regulatória de saúde dos Estados Unidos, em 2019 e tem apresentado resultados impressionantes no tratamento da doença. A melhora das condições de vida dos pacientes foi tema de matéria do NY Times. Mas o jornal norte-americano chama a atenção para a falta de acesso ao Trikafta em países do Sul Global.

O medicamento combina três drogas que visam corrigir a função da proteína CFTR, responsável por transportar íons de cloro nas células. Em pacientes com fibrose cística, a proteína não funciona corretamente, o que leva a um acúmulo de muco nas vias aéreas e no trato digestivo. No entanto, apesar da eficácia do Trikafta, seu alto custo tem gerado preocupação entre os pacientes e seus familiares – a doença acomete principalmente pessoas com até 18 anos, e muitos não conseguem sobreviver a essa idade. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, o medicamento chega a custar R$ 880 mil por ano no Brasil. 

Em carta enviada há alguns dias a Nísia Trindade, ministra da Saúde, 34 associações de pacientes de fibrose cística e grupos da sociedade civil pedem uma ação urgente do Governo Federal. Eles fazem um apelo para que o ministério declare interesse público do medicamento Trikafta – tal medida “dará inicio ao processo de licenciamento compulsório das patentes que hoje impedem a importação ou fabricação nacional de versões genéricas do Trikafta e demais medicamentos. A concorrência é considerada por especialistas do setor como um elemento fundamental para que a empresa Vertex, titular das patentes, reduza os preços cobrados no Brasil”, afirma a carta. 

Atualmente, o medicamento está sob avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), vinculada ao ministério da Saúde. Mas a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) já estima que o preço para o SUS do Trikafta, nas condições atuais, deverá ser de R$ 888.174,43 por tratamento, por ano. Não estamos pedindo apenas a redução de preço, pedimos acesso a universal para que todos possam ser tratados. Não cabe à indústria farmacêutica decidir quem vive e quem morre para maximizar seus lucros. Nesse tipo de situação, a licença compulsória é a politica pública mais adequada para proteger a saúde da população.”, afirma Susana Van der Ploeg, advogada do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI).A fibrose cística afeta cerca de 70 mil pessoas em todo o mundo, e é uma das doenças genéticas mais comuns em populações caucasianas. No Brasil, estima-se que haja cerca de 6.600 pacientes com a doença. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) tem se manifestado a favor do acesso ao tratamento com o Trikafta, destacando a importância de se garantir o acesso a medicamentos de qualidade para os pacientes com fibrose cística.

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