Faz sentido o alto preço dos remédios no Brasil?

Aumento foi de 5,6%, mas estudo do Idec aponta que o teto para os preços de medicamentos está em desacordo com a realidade. Há falta de transparência das farmacêuticas, na lei de patentes e na produção nacional de fármacos

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Matheus Falcão em entrevista a Alessandra Monterastelli, no PULSO

O Governo aprovou, no início da semana, o reajuste de 5,6% para os preços dos remédios, válido em todo território nacional a partir de segunda-feira (3/4). O valor foi calculado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), obedecendo ao teto de medicamentos brasileiro. Contudo, uma pesquisa promovida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) revela que o valor estabelecido pelo teto é muito alto – e, portanto, não cumpre a função de controlar variações de preços como deveria. 

A Cmed é o órgão responsável por vincular um preço máximo aos medicamentos comercializados nacionalmente. As indústrias farmacêuticas, assim como o varejo, são obrigadas a respeitar o limite de valor pré-estabelecido e que varia para cada remédio. “Por ser muito alto, esse teto não impede, por exemplo, um aumento muito elevado no preço de remédios que possa prejudicar o acesso ou a própria compra pelo Sistema Único de Saúde”, afirmou, no programa PULSO, do Outra Saúde, Matheus Falcão, assessor do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O programa foi ao ar na terça-feira, 4/4.

A pesquisa acompanhou dados de acesso a remédios desde a implementação do sistema de regulação, nos anos 2000, até agora. Apesar de especialistas considerarem o teto defasado, as regras jurídicas não permitem que a Cmed altere o limite atual. Para o Idec, a única possibilidade de alterar o teto de forma efetiva seria através de um projeto de lei. Falcão cita o PL 591, que tramita no Senado e propõe um conjunto de mudanças na regulação existente – inclusive o aumento da transparência exigida das farmacêuticas quanto aos custos reais de produção e distribuição de seus produtos. 

Quando um medicamento novo chega ao Brasil, a Cmed compara o seu preço com aquele praticado em outros países – como os Estados Unidos e Alemanha. “São países que naturalmente vão ter um preço mais elevado do que aquele que nós observamos na seleção brasileira”, afirma Falcão. Essa, segundo ele, deveria ser outra norma a ser revisada. Hoje, as indústrias responsáveis pela criação e produção dos princípios ativos – geralmente estrangeiras – não devem declarar quando gastam em sua produção. A falta de transparência, segundo Falcão, é uma “luta global” e leva ao monopólio das farmacêuticas sobre determinados medicamentos, além do estabelecimento de preços muito altos sem qualquer tipo de justificativa. 

Falcão cita que, no geral, os processos de criação de medicamentos contam com um alto grau de investimento público – especialmente para a inovação. “Seria interessante saber quanto do investimento em novos medicamentos provém do Estado e quanto vem do setor privado”, reflete. Hoje, a falta de transparência não permite calcular esse tipo de parâmetro. Mas, segundo ele, estudos vêm mostrando que o Estado costuma financiar o início da pesquisa, quando há maiores riscos. “Quem capitaliza, depois, via patente é o setor privado”, conclui. 

Políticas sociais e produção nacional

Em 2004, através da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, o Brasil passou a adotar uma série de medidas para melhorar o acesso da população aos medicamentos. Entre as políticas lançadas, estava o Farmácia Popular, existente até hoje, que consiste na distribuição gratuita ou venda de remédios a preços mais baixos através de estabelecimentos próprios ou farmácias conveniadas. Apesar dos avanços, Falcão defende que o debate deve ser ampliado, tocando em questões como a lei de patentes e a produção nacional de remédios. 

Na segunda-feira (3/4), o Governo Federal anunciou também a retomada do Complexo Industrial da Saúde, com o objetivo de diminuir a dependência de importações de insumos na área da saúde e aumentar a produção em solo brasileiro para uma média de 70% do total. “Além de debater o acesso a medicamentos, precisamos falar sobre uma política nacional de ciência, tecnologia, inovação e de produção industrial para garantir a cadeia de fornecimento”, argumenta Falcão. 

Hoje, o Brasil produz apenas cerca de 10% dos princípios ativos necessários para a produção de remédios. A maior parte dos insumos é importada de países como China e Índia. “A questão dos remédios não é uma questão simplesmente focada nesse ponto naquele; mas envolve um conjunto de questões”, conclui o especialista.

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