Começam os trabalhos para o Complexo Industrial da Saúde

Grupo de trabalho criado na gestão do ex-ministro Temporão, foi reestruturado e fortalecido. Meta é que 70% dos insumos de saúde sejam produzidos no Brasil, para impulsionar a economia e o SUS – e tirar o país da dependência tecnológica

Fiocruz
Foto: Fiocruz
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O governo federal anunciou, enfim, a retomada do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, em cerimônia oficial realizada nesta segunda-feira (3/4). O objetivo é diminuir a dependência de importações de insumos na área da saúde, aumentando a produção em solo brasileiro para uma média de 70% do total. O clima do evento foi de otimismo e contou com a presença do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Eles anunciaram a reestruturação do Geceis (Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde).

Durante a cerimônia, a ministra Nísia Trindade afirmou que se trata do maior grupo executivo da história do país, com a participação dos ministérios da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, coordena um braço do projeto dentro do ministério da Saúde. 

Nos últimos anos, a dependência tecnológica do Brasil em relação à produção de insumos, equipamentos e princípios ativos de medicamentos vem se agravando. “Nos anos 1980 o Brasil produzia metade dos princípios ativos necessários. Hoje, apenas 10%”, afirma José Temporão em entrevista ao Outra Saúde. O ex-ministro lembra que o problema afeta diretamente a economia, com impacto direto na balança comercial – devido à alta taxa de importação de insumos, que são provenientes de países como China e Índia.  

Entre as ações esperadas para alavancar a indústria nacional estão a redução da tributação – para que as indústrias locais consigam competir com as internacionais – e juros mais baixos no BNDES. Temporão afirmou que serão retomadas políticas iniciadas quando ele estava à frente da pasta, em 2007, para o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde. A principal delas refere-se às chamadas PDPs (Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo), parcerias entre laboratórios públicos e empresas desenvolvedoras de tecnologias que, após um certo período de trabalho conjunto, são incorporadas ao setor público. O método baseia-se no poder de compra do Estado para induzir à internalização da produção. “Sem a PDP, o ministério, estado ou município é obrigado a comprar de fornecedores externos. Esse tipo de parceria promove também a economia de recursos”, afirma. 

Em um primeiro momento, segundo sua visão, será necessário analisar dados epidemiológicos de contágios e mortes e em índices de gastos com Saúde de cada estado e município. É preciso mapear os medicamentos e equipamentos necessários para o combate das doenças – e quais tecnologias são necessárias para a sua produção. Também será necessário avaliar qual o seu impacto no orçamento. Por fim, vale analisar as “janelas de oportunidade” existentes, ou seja, em quais casos o Brasil já desenvolveu algum tipo de conhecimento. 

Como exemplo, o ex-ministro citou a produção de vacinas em território nacional, hoje liderada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan. “O Brasil produz praticamente 85% das vacinas utilizadas no Plano Nacional de Imunização (PNI)”, afirma. “Isso foi possível graças às parcerias entre os laboratórios, as farmacêuticas e essas instituições brasileiras”, conclui. Hoje, já existe um marco regulatório no ministério da Saúde que estabelece a prática de PDPs. Com a formação do novo Grupo Executivo, a expectativa é de que o estudo e implementação desse tipo de iniciativa seja priorizada. 

Uma resposta a problemas latentes

No mesmo dia em que foi anunciada a retomada do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, o aumento de 5,6% no preço de todos os remédios passou a valer a nível nacional. A nova taxação se soma a outras questões que determinam o acesso a medicamentos no Brasil, como a lei de patentes. Hoje, quando uma farmacêutica lança um novo remédio no mercado, é possível produzir a fórmula genérica apenas após o prazo de 20 anos. A regra obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a comprar os compostos mais modernos a altos preços para a distribuição. Muitas vezes, os custos definidos pelas farmacêuticas impedem a compra de parte da população nas farmácias.  

“Sabemos também que as multinacionais detentoras de patentes fazem manobras judiciais para estender o prazo de suas patentes além do que a lei permite”, argumenta Temporão. Um exemplo é o dolutegravir, principal medicamento utilizado no Brasil contra o HIV e produzido pela ViiV HealthCare, cujo prazo da patente vence em 2026. Segundo pesquisadores da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), a empresa estaria bloqueando a produção de genéricos no país através de medidas judiciais*.

O momento, para o ex-ministro, é mais promissor do que era em 2008. O envolvimento de outros ministérios no projeto impulsionam a ideia de que a Saúde não é só gasto – pelo contrário, o investimento na área “pode ser um dos motores para o Brasil enfrentar a crise econômica, através da criação de emprego e inovação”, acredita Temporão. “O que está acontecendo agora é o lançamento de um projeto que começou em 2008, mas em um novo momento político, institucional e um novo momento para o próprio SUS”, conclui.

*Editado em 12/04 | A ViiV HealthCare negociou uma Aliança Estratégica com a Farmanguinhos/Fiocruz para a transferência da tecnologia visando a produção do medicamento. Em nota, a farmacêutica disse que “apenas defende e cumpre a validade legal da propriedade intelectual do medicamento” e que a aliança estratégica a longo prazo assinada com a Farmanguinhos/Fiocruz no dia 14 de julho de 2020 “tem como objetivo melhorar a capacidade nacional de produção de medicamentos para o tratamento de pessoas que vivem com HIV”.

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