Documento vazado do CDC traz alerta sobre Delta: “a guerra mudou”

Novos dados sugerem que vacinados infectados podem transmitir tanto quanto quem não se imunizou. Mas proteção contra hospitalizações e mortes está praticamente inalterada – é urgente ampliar as coberturas

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Um documento interno do Centro de Controle e Doenças (CDC) dos Estados Unidos traz novos detalhes sobre o quanto a variante Delta do coronavírus é perigosa. Em um conjunto de slides, cujo conteúdo foi vazado pelo Washington Post, o órgão diz que a variante parece gerar doenças mais graves que as versões anteriores do vírus, tem maior probabilidade de escapar da proteção das vacinas e é mais transmissível que os patógenos que causam MERS, SARS, ebola, resfriado comum, gripe de 1918 e varíola. Sua capacidade de transmissão seria semelhante à da varicela, com cada infectado contaminando em média de oito a nove pessoas. Para comparação, no resfriado comum uma pessoa passa o vírus para outras duas.

Um funcionário do governo norte-americano confirmou que foram essas as informações que fizeram o CDC mudar sua recomendação sobre o uso de máscaras por pessoas vacinadas, no início desta semana.

A avaliação foi feita tanto a partir de estudos conhecidos como de dados recentes, ainda não publicados. O mais preocupante é o de que pessoas vacinadas que se infectam podem transmitir a Delta tão facilmente quanto quem não recebeu a vacina. Isso saiu de análises sobre um surto em Massachusetts, em que infectados com e sem vacina liberaram quantidades quase iguais de vírus. Análises genéticas mostraram que vacinados chegaram a transmitir a Delta entre si.

O documento argumenta que o CDC precisa “reconhecer que a guerra mudou”. Para pesquisadores ouvidos pelo Washington Post, isso significa que a forma como se entende o sucesso e o fracasso no controle da pandemia precisa mudar. Na verdade, especialistas já vinham alertando que seria mesmo muito difícil varrer rapidamente o coronavírus do planeta – isso não aconteceu com praticamente nenhum vírus mortal, mesmo com vacinações em massa. “Precisamos realmente mudar em direção a uma meta de prevenção de doenças graves e consequências médicas, e não nos preocupar com todos os vírus detectados no nariz de alguém. É difícil, mas acho que temos que ficar confortáveis ​​com o fato de o coronavírus não desaparecer”, avalia Kathleen Neuzil, especialista em vacinas da Escola de Medicina da Universidade de Maryland.

Os dados apresentados pelo CDC reforçam que os imunizantes usados naquele país continuam altamente eficazes na prevenção de doenças graves, hospitalizações e mortes, mesmo com a Delta (ainda não há estudos específicos sobre o desempenho da CoronaVac frente a essa variante). Nada indica que isso vá mudar. Não é à toa que, mesmo dominando vários países, a Delta não tem causado estrago em locais com alta cobertura vacinal, e que as internações e mortes têm afetado quase exclusivamente quem não se vacinou. Então precisa ficar clara a mensagem de que os imunizantes continuam sendo a forma de enfrentar essa e qualquer outra variante. 

Além disso, o papel dos vacinados no espalhamento do vírus provavelmente tem sido bem menor do que o de quem não tomou vacina; afinal, a imunização evita em alguma medida as infecções (segundo o documento, o risco de contaminação pela Delta é três vezes menor entre vacinados), e obviamente é preciso estar infectado para passar o vírus adiante. “No geral, a Delta é a variante problemática que já sabíamos que era, mas o céu não está caindo“, diz John Moore, virologista da Weill Cornell Medicine, ao New York Times. O desafio foi e continua sendo o da alargar a vacinação. 

Até lá, mesmo onde a Delta não domina: foco nas outras formas de prevenção já conhecidas, principalmente para quem não pôde se vacinar, como é o caso da maior parte da população por aqui. Ventilação e distanciamento social continuam funcionando. E ampliar o uso de máscaras PFF2 é mais urgente do que nunca.

Quem não se comunica…

Na apresentação do CDC, os autores salientam que o órgão tem “desafios de comunicação” crescentes conforme surgem casos de infecção entre pessoas vacinadas: mesmo que eles quase nunca se agravem, alimentam as preocupações de um público convencido de que as vacinas não funcionam mais ou que doses de reforço são necessárias.

Ainda no Washington Post, Matthew Seeger, especialista em comunicação de risco da Wayne State University, diz que as autoridades de saúde pública caíram em uma espécie de armadilha ao enfatizar a grande eficácia das vacinas, o que é necessário, sem ao mesmo tempo deixar claro que elas não são perfeitas. Essa é, aliás, uma preocupação que temos apontado por aqui há um bom tempo. Como as falhas possíveis (e esperadas) das vacinas nunca foram bem disseminadas, elas tendem a despertar insegurança quando aparecem.

Agora mesmo, a historia de um documento vazado pela imprensa em vez de divulgado apropriadamente pelo governo americano pode acabar virando munição para o movimento antivacina, como “prova” de que os imunizantes não funcionam. Isso quando, na verdade, os dados apontam justo para a necessidade de ampliar a vacinação. 

A comunicação do CDC – que acaba chegando ao mundo todo – não tem mesmo sido das melhores. A mais recente mudança na recomendação sobre o uso de máscaras, por exemplo, não veio acompanhada das evidências científicas que a apoiavam. Em outros momentos, decisões bem embasadas ofereceram orientações pouco claras – como quando o órgão flexibilizou o uso de máscaras pela primeira vez, em abril, e havia tantas condicionalidades que a tarefa de explicar quando alguém poderia ficar “livre” da proteção não era das mais fáceis.

Em tempo: para tentar destravar a campanha vacinal no país, que estagnou e anda muito mal em alguns estados, Joe Biden anunciou ontem uma série de medidas. Funcionários federais vão ser obrigados a tomar vacinas, do contrário precisarão usar máscaras e fazer testes duas ou mais vezes por semana. Biden também liberou verba para os estados pagarem US$ 100 a cada pessoa que se vacinar. Também vai haver reembolso a empresas que deem folga remunerada para empregados tomarem vacina ou levarem seus familiares. Ainda há dúvidas, porém, se juridicamente o governo tem autoridade para levar a cabo todas medidas.

Porta de entrada

Uma matéria do New York Times explica que a solução para cortar a transmissão da Delta, e não apenas os casos, graves, pode estar no nariz. É que as vacinas disponíveis hoje são injetadas no músculo e os anticorpos produzidos ficam principalmente no sangue, mas a principal porta de entrada do coronavírus no corpo são as cavidades nasais. E o fato de os principais sintomas da Delta serem parecidos com os de um resfriado comum sugere que ela se multiplica rapidamente no nariz. 

Quando o vírus desce para os pulmões, o organismo vacinado tem força para liquidá-lo, mas não necessariamente há anticorpos suficientes para isso no nariz. Isso ajudaria a explicar a alta carga viral com Delta nos vacinados. Para resolver esse problema, especialistas têm apontado (desde antes da chegada da Delta, na verdade) a necessidade de desenvolver vacinas em spray nasal, que acabariam com o a infecção logo na chegada. 

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