Em jogo, o destino de Bolsonaro e o do Brasil

Processo de impeachment pode ser disparado pelo STF. Presidente quer blindar-se nomeando amigos para Justiça e PF — e negocia com “Centrão”. Sob Teich, ministério da Saúde paralisado. Nas ruas, covid-19 avança, mas, sem renda, população fura quarentena

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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O BRASIL NA ENCRUZILHADA

A crise política mudou de patamar com a saída de Sergio Moro do governo. O ex-ministro da Justiça caiu atirando e há grande expectativa pelas pesquisas de opinião que sinalizem a extensão dos danos causados na base política de Jair Bolsonaro. Com o lavajatismo contrariado, o que resta é o bolsonarismo raiz: será suficiente para sustentar o presidente no cargo? E ainda: que dificuldades aguardam um eventual processo de impeachment num governo tomado por militares – caso eles não abandonem o capitão reformado?  

A crise atual é, sabemos, multideterminada. É como se por uma rua viesse a covid-19, por outra a recessão econômica e o desemprego, por uma terceira a insatisfação com a saída de Moro, a intromissão do presidente na Polícia Federal e a entrega de nacos do governo para o Centrão e, por último, para completar a encruzilhada brasileira, divisássemos os Bolsonaro e sua estratégia de conflito permanente – que levou o presidente a adotar uma narrativa contra o isolamento social, inclusive –, seu elogio ao autoritarismo, seus prováveis crimes envolvendo milícias digitais, laranjas e rachadinhas. Como todos esses elementos estão em movimento, é difícil antecipar o potencial explosivo quando todos se chocarem, o que não deve demorar para acontecer.  

ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS

Segundo a aliada Record e o Correio Braziliense, Jorge Oliveira teria sido escolhido para assumir o Ministério da Justiça. Mas O Globo conta que há reticência do próprio Oliveira, que hoje ocupa a Secretaria Geral da Presidência, em relação à indicação. Ele teria aconselhado Bolsonaro a escolher um nome técnico – na mesma direção, iriam os militares que ambicionam, inclusive, alguém com o mesmo “tamanho” do ex-ministro Sergio Moro. Oliveira já foi assessor parlamentar de Jair Bolsonaro e chefe de gabinete de Eduardo Bolsonaro. Seu pai foi funcionário do presidente na Câmara dos Deputados durante 20 anos.   

O cenário está menos nebuloso em relação à indicação para a Polícia Federal. Alexandre Ramagem deve ir para o comando da instituição. Ele é hoje diretor-geral da Abin e, na condição de delegado da PF, coordenou a segurança da campanha eleitoral de Bolsonaro à Presidência, período no qual desenvolveu relação com os Bolsonaro. No Twitter, o presidente se desentendeu com uma apoiadora que questionou a indicação de alguém amigo de seus filhos. “E daí?”, retrucou. “Devo escolher alguém amigo de quem?”.

Ontem, a Associação dos Delegados da PF divulgou uma carta em que aponta “crise de confiança” na indicação do novo diretor-geral e destaca que não é papel do órgão informar sobre investigações, nem fornecer relatórios de inteligência ao presidente – como acusou Sergio Moro e como admitiu, de maneira torta, Jair Bolsonaro confirmou no pronunciamento da sexta-feira. 

De acordo com a coluna Painel, da Folha, Bolsonaro vai pressionar pela reabertura das investigações sobre o atentado à faca que sofreu durante a campanha eleitoral, sem qualquer base para tal: “Entre policiais há consenso de que a investigação foi intensa, com o maior número de diligências feitas nos últimos tempos (…) A vida de Adélio [Bispo de Oliveira] foi virada do avesso: perfis na internet, movimentações financeiras, e nada indicou a existência de mandante”. Por tudo isso, a reabertura será considerada um “escândalo” pelos policiais. 

Mas o principal objetivo do presidente com a troca da PF seria interferir no inquérito aberto em março do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o esquema das notícias falsas usadas para intimidar e ameaçar autoridades públicas na internet e no outro inquérito, mais recente, sobre quem está por trás dos protestos em favor de um novo golpe militar realizados no dia 19 de abril. Na noite da quinta-feira, o jornalista Vicente Nunes adiantou que o primeiro inquérito tinha chegado ao chamado “gabinete do ódio” comandado por Carlos Bolsonaro, que seria o mentor de todos os ataques disparados contra membros do STF e do Congresso. “Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho, chamado por ele de 02 e vereador do Rio”, confirmou o repórter Leandro Colon na sexta. Outro alvo do inquérito é Eduardo Bolsonaro, o 03. O ministro Alexandre de Moraes, responsável pelos dois inquéritos, ordenou que não haja troca nos delegados da PF envolvidos nas investigações.

Enquanto isso, o Centrão não se assustou com a tumultuada saída de Sergio Moro e planeja, inclusive, aproveitar a instabilidade política para tomar conta do governo. Segundo Igor Gielow, o grupo já fala em interferir na indicação do próximo ministro do STF. Querem o desembargador de SP Ivan Satori para a vaga de Celso de Mello. 

E caiu justamente nas mãos do decano do Supremo o pedido de investigação feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre as acusações de Sergio Moro. Esse processo, junto com os dois inquéritos abertos pelo STF, é definido pelo colunista da Folha como um “julgamento de impeachment miniaturizado”. 

Isso porque o processo de impeachment real – até a tarde da sexta-feira, existiam nada menos do que 27 pedidos de afastamento do presidente protocolados na Câmara – ainda não teria ganhado musculatura suficiente para decolar, segundo líderes partidários

Mas há indícios de que possa ganhar. Estão sendo olhados com outros olhos duas investigações pedidas pelo Ministério Público Federal que apontam interferência inconstitucional de Jair Bolsonaro no Exército. Isso porque o presidente revogou no último dia 17 três portarias sobre monitoramento de armas e munições, de olho no seu eleitorado. Há quem tenha visto nos atos a facilitação para a formação de milícias armadas dispostas a sair nas ruas em defesa do presidente. O caso pode levar à abertura de outro inquérito no Supremo, além de ação de improbidade.

No mundo virtual, a saída de Moro gerou o maior engajamento visto desde o inesquecível discurso contra o isolamento social feito por Bolsonaro no dia 24 de março. Segundo o site Núcleo, que fez o levantamento, 52% das postagens no Twitter eram favoráveis ao ex-juiz, 21% neutras, 17% desfavoráveis a Moro e Bolsonaro, e apenas 10% pró-presidente. Já a consultoria de dados Quaest registrou perda de seguidores no perfil de Bolsonaro no Twitter e perda de popularidade digital nas redes sociais como um todo. Já Moro ganhou seguidores e popularidade. O presidente do grupo Instituto Brasil 200, que conta com a participação de notáveis empresários bolsonaristas, deu mostras de insatisfação com o episódio. Gabriel Kanner disse ao Globo que empresários se sentiram “traídos” por Bolsonaro. Já no reino dos sites de direita, O Antagonista imitou Fernando Henrique Cardoso e pediu a renúncia do presidente.   

ALIÁS

O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU recebeu denúncia contra Jair Bolsonaro. O presidente é acusado de violar o direito à saúde e à vida e de potencial genocídio por minar as recomendações da OMS e das autoridades nacionais de saúde em relação à epidemia de covid-19. A peça é assinada pelos ex-ministros da saúde Alexandre Padilha, Artur Chioro e Humberto Costa. 

DEMORA INEXPLICÁVEL

Até hoje Bolsonaro não sancionou o projeto de lei aprovado em março pelo Congresso Nacional proibindo que empresas localizadas no Brasil exportem produtos médicos, hospitalares e de higiene essenciais ao combate da covid-19 enquanto durar a pandemia. Uma reportagem do UOL relata ainda que a Anvisa havia restringido a venda para o exterior de máscaras, luvas e respiradores mecânicos, mas voltou atrás. O governo federal tem se limitado a suspender impostos e flexibilizar burocracia aduaneira para alguns produtos. Já saíram algumas listas no Diário Oficial, incluindo substâncias que não têm eficácia comprovada, mas foram propagandeadas por Bolsonaro – cloroquina e hidroxicloroquina – e Marcos Pontes – nitazoxanida, conhecida pelo nome comercial “Anitta”.  

O INCERTO FUTURO DE GUEDES

No mundo todo, os governos estão anunciando investimentos públicos para combater a recessão econômica que vem no esteio da pandemia. No Brasil… temos Paulo Guedes. Mas parece que parte do governo já percebeu que a agenda neoliberal da equipe econômica não combina com as necessidades de um período de crise. Teria partido do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, a proposta do plano Pró-Brasil, apresentado em sete slides pelo chefe da Casa Civil, Braga Netto, sem a presença ou concordância de Guedes. O avanço fez com que o ministro da Economia rompesse relações com Marinho, que teria tentado aproveitar a convocação de ministros para o pronunciamento do presidente na sexta para conversar com Guedes, mas teria levado um fora. Para viabilizar o Pró-Brasil – que já ganhou inúmeros apelidos: Plano Marshall, PAC do Marinho, PND do governo civil –, essa fração do governo estaria bolando uma proposta de emenda à Constituição para flexibilizar o teto de gastos imposto pela EC 95. Se a PEC for mesmo apresentada pelo governo, a equipe econômica vai tomar o rumo de Moro e sair do governo, de acordo com fontes ouvidas por Miriam Leitão.  

“TUTELADO”

No Ministério da Saúde, a situação se complica. Secretários estaduais de saúde denunciam que, desde 17 de abril, não há mais reuniões dos conselhos de gestores Conass e Conasems com o governo federal. Antes eram diárias. Os secretários reclamam da atuação de Nelson Teich à frente da pasta. O novo ministro foi caracterizado como “frio, distante, tutelado e vacilante” por fontes ouvidas pela coluna Painel.

INSATISFAÇÃO COM ISOLAMENTO AUMENTA

Os governadores estão perdendo apoio da população quando o assunto são as quarentenas. Há um mês, 70% dos brasileiros apoiavam as medidas. Hoje, o percentual caiu para 58%. O maior nível de insatisfação do país foi constatado no Nordeste, onde a desaprovação subiu de 58% para 64%. Lá também é a região onde o desagrado aumentou mais no período. A pesquisa foi feita pelo Instituto Travessia, a pedido do Valor

Acontece que a percepção de risco dos brasileiros à covid-19 é baixa. E se isso está diretamente ligado à atuação dos governos em disponibilizar de forma rápida e transparente informações sobre o número de casos – que por aqui estão desde sempre subnotificados –, há um fator que vem sendo bem explorado politicamente por aqui: o otimismo. “Essa percepção otimista, relacionada à falsa sensação de familiaridade com a doença (por exemplo, “é apenas uma gripe como outra qualquer”), resulta em baixa adesão aos comportamentos de prevenção”, escrevem os pesquisadores Gabriel Gaudêncio e Paulo Sérgio Boggio no Questão de Ciência

Eles notam: “No Brasil, o risco de influência social negativa tem sido percebido nos discursos de algumas figuras públicas, como artistas, políticos e empresários (a maioria, sem domínio em ciências da saúde), que têm minimizado a severidade da epidemia, em clara contraposição aos fatos apresentados e às medidas sugeridas por pesquisadores, profissionais habilitados e organizações internacionais de saúde. A soma dos vieses, apresentados com mensagens minimizando os riscos do novo coronavírus, culmina, por exemplo, em aglomerações de pessoas manifestando-se em plena Avenida Paulista em defesa do fim do isolamento físico, e contra o que eles acreditam ser uma ‘invenção comunista’.”

Uma rápida pesquisa nas notícias divididas por estados no G1 mostra que, no fim de semana, 26 pessoas foram presas em um município da Grande Natal por descumprirem o isolamento social e participarem de uma competição de “canto de pássaros” (que, além de tudo, não tinha autorização do Ibama) e outros 16 jovens que se aglomeravam em uma caminhonete foram detidos na Bahia por estarem indo para uma tal “Covidfest”

Também na Bahia, um decreto da prefeitura de Barreiras publicado na sexta-feira libera o funcionamento de bares, restaurantes, missas e cultos sem qualquer lotação limite para os estabelecimentos – desde que as pessoas mantenham distância de 2 metros umas das outras. Quem vai fiscalizar?

Em Araguaína, no Tocantins, a prefeitura precisou voltar atrás. Depois de flexibilizar as medidas de isolamento e reabrir parte do comércio, o município registrou confirmação de 12 casos em apenas dois dias – o que fez com que o prefeito decretasse no sábado estado de alerta. No total, há 20 casos confirmados por lá.

São Paulo registrou no sábado a pior taxa de adesão ao isolamento para este dia da semana desde o início da quarentena, em 24 de março. O estado divulgou que 52% ficaram em casa. Nos dias anteriores, houve mais circulação ainda, com média de 48% de adesão. Para não colocar em risco o SUS, o ideal era que 70% ficassem em casa – e o governo já baixou essa meta para 60%, mas, mesmo assim, não consegue chegar perto.

O problema se repete em Teresina, onde a taxa de adesão de 53% está muito longe do ideal, que é 73%. Mas, por lá, a média de isolamento teve uma ligeiríssima melhora de 1% no período entre 19 e 25 de abril.


MORTES E PERFIS

Passou de 200 mil o número de mortes por coronavírus no mundo todo e, no Brasil, são 4.205, em 61.888 casos confirmados. Só em São Paulo, a covid-19 matou em 37 dias mais do que homicídios e acidentes de trânsito (somados) em todo o ano de 2017, calcula a Piauí.

Algo que chama a atenção por aqui é o aumento de óbitos entre menores de 60 anos. O grupo ainda é minoria, mas, como observa a reportagem da Folha, cresceu 64 vezes em menos de um mês. Em comparação, as mortes dos maiores de 60 aumentou 18 vezes. Se no início de março 89% das mortes eram de idosos, agora o percentual é de 72%. E mais: antes os portadores de doenças prévias eram 85%, e agora são 70%. Por quê? As fontes ouvidas na matéria têm algumas hipóteses. Pode ser porque a população brasileira é mais jovem, na média, do que a europeia. Pode ser que tenha começado a atingir mais jovens no momento em que chegou às periferias, onde há mais jovens e mais problemas na assistência à saúde. Quando à questão das doenças prevalentes, talvez haja comorbidades escondidas, porque jovens fazem menos exames do que idosos. As perguntas ainda não têm respostas fechadas. E daqui a pouco vai ser difícil formular essas perguntas: com a troca do comando do Ministério da Saúde, a Pasta suspendeu a divulgação de balanços completos que traziam esses dados.

Aliás… Outra informação bem importante diz respeito à cor de quem morre. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva solicitou ao Ministério que seja incluído o campo raça/cor nas fichas de hospitalizações e que esses dados sejam divulgados nos boletins epidemiológicos e demais documentos da Pasta sobre a covid-19. Será que o pedido vai vingar?

VISIVELMENTE PIOR

Há novidades no reino da subnotificação brasileira. A Folha apurou que o Ministério da Saúde só conseguiu processar metade das cerca de 260 mil amostras enviadas aos laboratórios públicos até o dia 20. O dado trata dos exames PCR, mais confiáveis, que precisam de análise laboratorial. Um número bem relevante de testes – quase 40 mil – não foram processados porque as amostras eram insuficientes ou estavam danificadas. Já a rede privada não tem um número consolidado de exames PCR feitos. A  rede Dasa e o Grupo Fleury dizem ter feito 40 mil cada.

E, se os números oficiais de mortes são definitivamente mais confiáveis do que o de diagnósticos positivos, eles também são muito, muito falhos. Os registros de cartórios no país inteiro mostram 800 mortes a mais do que o Ministério da Saúde, ou uma diferença de cerca de 25%. E esses números variam em cada município – há locais em que os números dos cartórios chegam a ser o dobro ou o triplo dos oficiais, como diz o pesquisador Domingos Alves no El País.

Em São Paulo, o número de mortes em casa dobrou: entre os dias 10 e 20 de abril, o Samu emitiu 120 atestados de óbito nas residências. Em Manaus, os enterram triplicaram nas últimas duas semanas. Na quarta passada foram 120 sepultamentos, quatro vezes mais do que a média de 30 que aconteciam diariamente antes da pandemia. Mas… a secretaria de saúde do estado só contou sete mortes por covid-19 naquele dia.

MUITA ATENÇÃO

“A guerra começou agora, pessoal, não vamos abaixar a cabeça”. A mensagem, que circula em áudios no WhatsApp, traz a voz embargada de Franklin Quirino, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena de São Gabriel da Cachoeira. A cidade amazonense é a que tem maior população indígena em todo o país e registrou ontem seus dois primeiros casos de covid-19. O município é porta de entrada para uma região onde vivem 23 povos, e ainda é via de acesso para a Terra Indígena Yanomami.

Há motivos de sobrapara preocupação. Os leitos de UTI mais próximos ficam em Manaus, a cerca de 850 quilômetros de distância e onde o sistema de saúde está abarrotado. “Precisamos urgentemente de um hospital de campanha, de respiradores e de médicos em condições de enfrentar essa situação grave. O município fez muito esforço para se manter isolado, mas infelizmente algumas pessoas não respeitaram a quarentena. Agora, nosso temor é que haja a contaminação comunitária, que pode levar a uma grave crise humanitária para os 23 povos indígenas do rio Negro”, disse à Folha Juliana Radler, representante do Instituto Socioambiental no Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19.

O secretário nacional da Secretaria Especial de Saúde Indígena, Robson Silva, responsabilizou os indígenas. “Lamentável, mas esse é um fenômeno que afeta e afetará pessoas no mundo inteiro. A Sesai continua atenta para que os problemas não cheguem às aldeias. Mas, para isso, precisamos continuar contando com apoio das populações indígenas. Alguns indígenas têm saído de suas aldeias, não atendendo as barreiras sanitárias, e isso pode trazer problemas”.

Acontece que a Sesai já registra casos entre indígenas que estão em tratamento por outras doenças em Casas de Apoio à Saúde Indígena (Casais) de Manaus e Roraima. Segundo o site Amazônia Real, nesses estabelecimentos profissionais de saúde atuam muitas vezes sem equipamentos de proteção. “Pegamos a doença aqui mesmo, não viemos com ela. Tem mais ou menos de oito a dez pessoas com a doença”, denuncia Milton Makxi etnia Hixkaryana, paciente da Casai Manaus desde março.

Enquanto isso, as infrações ambientais na Amazônia não param de crescer. A Força-Tarefa Amazônia, do MPF, pediu na Justiça que sejam tomadas medidas imediatas nos dez principais locais de crimes. O requerimento considera que presença dos criminosos coloca em risco sanitário indígenas e populações tradicionais.

SITUAÇÕES LOCAIS

É bem possível que comecem a ser comuns no Amazonas as cenas que nos aterrorizaram quando chegavam do Equador, há pouco tempo. É que o sistema funerário no estado anda perto do colapso também; o sindicato das funerárias afirma que só tem estoque de urnas para os próximos dez dias. Um novo carregamento deve chegar em 20 dias. A capital foi destaque no Fantástico de ontem, que mostrou hospitais lotados, ambulâncias rodando horas com pacientes em busca de leitos e doentes morrendo em casa. Em tempo: a secretária de saúde do estado, Simone Papaiz, está com covid-19.

A capital do Maranhão chegou a 90% de ocupação dos seus leitos de UTI na rede pública; só há 112 no total, até ontem à noite só havia 11 livres. Em todos os outros municípios, restam apenas 81. Na semana passada, como dissemos aqui, o governador Flavio Dino (PCdoB) havia prometido decretar lockdown tão logo a ocupação na região metropolitana chegasse a 80%. De acordo com ele, o documento já estava pronto para ser assinado. Segundo o G1, o governo está “avaliando” essa possibilidade e informou ontem que vai instalar “em até 45 dias” um hospital de campanha com 200 leitos de UTI.

No município do Rio, acabaram as vagas em UTIs da rede estadual. Na sexta, segundo OGlobo, já havia mais de 300 pessoas na fila. A situação é gravíssima. A matéria do G1 conta que nos 20 primeiros dias de abril quase 800 pessoas procuraram as emergências municipais com falta de ar e precisaram de internação, mas 145 morreram esperando. Além dos leitos, faltam ambulâncias para as transferências. E no Hospital Federal Ronaldo Gazolla, referência no tratamento de covid-19 na capital, agora há contêineres frigoríficos para manter cadáveres até o sepultamento. O mesmo tipo de estrutura vai ser instalado em UPAs.

O primeiro hospital de campanha do estado foi inaugurado no sábado, mas só com 30 dos 200 leitos prometidos. Desses iniciais, dez são de UTI. As vagas não suprem nem 5% da demanda da capital, calcula a Folha. Na verdade, a promessa era de que dez unidades temporárias seriam abertas ainda em abril, com quase mil leitos de UTI. Teriam chegado em ótima hora… Mas foram postergados para maio.

Fortaleza tem 98% de suas UTIs da rede estadual reservadas para covid-19 cheias; no Ceará inteiro, a taxa é de 77%. O governo do estado comprou 90 toneladas de equipamentos de proteção individual e testes rápidos direto da China, em conjunto com outros estados do Nordeste. Segundo o governo do estado, 200 respiradores devem chegar até o próximo dia 4.

REAÇÃO ÍNFIMA

No fim de semana o novo ministro da Saúde tuitou, com se fosse algo grande, que até o fim do mês o governo teŕa passado aos estados 272 respiradores produzidos pela indústria nacional. Só de olhar assim, já dá pra ver que o número é bem mirrado. E é mais ainda se comparado aos respiradores prometidos: deveriam ser 14 mil. O governo estima que os outros 98% sejam entregues em… três meses.

A falta de respiradores, aliás, é a justificativa do Ministério para a entrega tão tímida dos leitos de UTI alugados: só 350 dos dois mil leitos prometidos (17,5%) chegaram aos estados, e 15 estados não receberam nenhum.

Existe outro problema: não adianta ter camas e equipamentos se não houver profissionais que sabiam manejar leitos de UTI. Segundo o Conselho Federal de Medicina, há hoje menos de cinco mil com essa habilitação, e 30 mil leitos de UTI disponíveis só para pacientes com covid-19 (sem contar os voltados para outras doenças). Em situações normais, cada médico cuida de no máximo dez leitos ao mesmo tempo. A conta fica ainda mais apertada quando centenas de trabalhadores estão e continuam sendo afastados devido a infecções pelo novo coronavírus. Segundo a reportagem do UOL, as maiores dificuldades nesse sentido estão nas regiões Norte e Nordeste. Para contornar a carência, autoridades e hospitais estão fazendo às pressas treinamentos rápidos para profissionais, mesmo sem especialidade na área.

ALI NA FRENTE

A crise do coronavírus está deixando na mão pacientes de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, e especialistas preveem que isso deve gerar grandes problemas nas próximas semanas. “O sistema já era congestionado antes, com filas de meses para atendimento. Com a covid, muitos casos graves são mandados para casa”, diz Bruno Pessoa, médico de Recife, na Folha. Uma saída é a de ter ‘duas portas’ de atendimento, uma para covid-19 e outra para pessoas com outros sintomas. Mas, com falta de estrutura e pessoal, nem sempre dá para fazer isso. 

EM SILÊNCIO

Profissionais de saúde estão relatando que muitos pacientes não têm sintomas aparentes de covid-19, mas mesmo assim os exames mostram pneumonia avançada e oxigênio no sangue abaixo do normal. “Estamos começando a reconhecer que a pneumonia da covid-19 causa inicialmente uma privação de oxigênio que chamamos de ‘hipóxia silenciosa‘ – ‘silenciosa’ por sua natureza traiçoeira, difícil de ser detectada”, afirma o médico Richard Levitan na BBC. Ele vai além: a maioria dos pacientes com covid-19 que ele precisou entubar tinham saturação bastante baixa de oxigênio, “praticamente incompatível com vida”, mas “estavam falando em seus celulares”. Várias pessoas buscam atendimento já com insuficiência respiratória muito grave porque os sintomas não aparecem antes.

Ainda não se sabe bem por que isso acontece, mas os médicos dizem que uma das melhores maneiras de monitorar pacientes é rastrear os níveis de oxigênio no sangue. É muito difícil, porém, encontrar dispositivos que medem esses níveis, chamados oxímetros de pulso, e as pessoas estão correndo atrás de aplicativos de celular, pagos, que prometem o mesmo resultado. A reportagem do site The Verge explica por que isso pode ser perigoso. Os aplicativos não medem os níveis de oxigênio com precisão, principalmente quando os níveis estão baixos – ou seja, quando são mais necessários.

PREFERIRAM ABANDONAR

Já comentamos aqui da briga dos planos de saúde para acessarem cerca de R$ 15 bilhões de um fundo da ANS. A agência havia colocado como condição que as operadoras se comprometessem a seguir atendendo inadimplentes durante a pandemia. Pois bem: elas preferiram desistir da verba.

ABRINDO AS PORTAS

Na Europa, onde alguns países já têm medidas de isolamento há meses, as portas começam a se abrir. O roteiro da União Europeia para orientar as reaberturas diz que deve haver algumas condições para isso, assim como as recomendações da OMS que já comentamos aqui. A cuva de contaǵio tem que estar descendo, é preciso ter capacidade de testar em massa para captar novos surtos, etc.

Itália, Espanha e França registraram ontem a maior queda no número de morte das últimas semanas. Na Espanha, pela primeira vez em 42 dias as crianças com menos de 14 anos puderam sair de casa e respirar ar livre neste fim de semana. Ainda só podem sair uma hora por dia, e os parques estão vetados. Os casos por lá estão caindo… Mas agora há também uma diferença de metodologia na contagem: na sexta, o governo anunciou que os testes rápidos positivos não vão mais entrar nas estatísticas; só os do tipo PCR, que são mais exatos. A Itália pensa em abrir gradualmente a economia a partir do dia 4. Na França, deve ser no dia 11.

Nos EUA, sabemos, a curva não está descendo nem estável. O país tem hoje mais de 50 mil mortes e quase um milhão de casos confirmados, e a Casa Branca passou aos governadores a responsabilidade pelas suas aberturas, oferecendo um roteiro de diretrizes –  bem semelhante ao da União Europeia, por sinal. Vários estados já começaram a reabrir. Trump elogiou.

PASSAPORTE EM XEQUE

A OMS revisou 50 estudos científicos e, em relatório técnico, afirmou que os chamados ‘passaportes de imunidade’ não devem ser usados como estratégia para flexibilizar quarentenas. Isso porque não há evidências de que pessoas com anticorpos estejam protegidas de uma nova infecção – não se sabe qual o nível da proteção que elas adquirem, nem quanto tempo ela dura – e assim os passaportes poderiam “aumentar o risco de transmissão continuada”. Outro motivo, talvez mais importante, é que os testes que detectam anticorpos ainda não tiveram sua precisão comprovada até agora. Não se sabe direito se eles distinguem bem entre os anticorpos contra o novo coronavírus e aqueles que produzimos após outros resfriados comuns, por exemplo.

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