COP-10: Brasil à frente no combate ao tabaco

Retomada do Programa de Diversificação de Cultivos em Áreas Produtoras de Tabaco e defesa da responsabilização da indústria pelos impactos – inclusive ambientais – do tabagismo marcaram a retomada do protagonismo do país no evento

Foto: CQCT/OMS
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Nos dias 5 a 10 de fevereiro, de segunda-feira a sábado da semana passada, ocorreu no Panamá a 10ª Conferência das Partes, ou COP-10, da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT). A chamada COP do Tabaco, realizada a cada 2 ou 3 anos, é o principal evento na agenda internacional a mobilizar esforços dos Estados e organizações da sociedade civil no combate à epidemia do tabagismo.

Sendo o Brasil o maior exportador de tabaco do mundo, nossa delegação costuma ser uma das mais assediadas pelo lobby da fumaça antes, durante e depois das COPs. Desta vez, deputados federais e estaduais apoiados por empresas do setor tentaram até formar uma delegação paralela à do Governo Federal – mas foram barrados já na Cidade do Panamá pelo secretariado da COP, visto que o regulamento proíbe a presença de participantes ligados à indústria.

Apesar dessa tentativa de interferência, a participação do Brasil na COP-10 foi positiva e propositiva, com um sentido claro de avançar no combate ao tabaco, avalia Mariana Pinho, da organização da sociedade civil ACT Promoção de Saúde, que esteve presente durante todo o evento no país centro-americano. Lá, ela conta, o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou uma medida interna decisiva: a retomada do Programa de Diversificação de Cultivos em Áreas Produtoras de Tabaco, praticamente suspenso desde 2016, e que oferece alternativas de subsistência aos pequenos agricultores que o cultivam e são explorados pela indústria.

Além disso, explica Pinho, as três principais decisões da própria COP foram introduzidas ou apoiadas pelo Brasil, que teve protagonismo nas articulações multilaterais. Por iniciativa brasileira, foi aprovado um aprofundamento do artigo 18 da CQCT, prevendo que as COPs discutam mais profundamente e proponham mais ações contra o impacto ambiental do tabaco. Na condição de co-sponsor, o país também apoiou a vinculação da Convenção-Quadro à proteção dos direitos humanos, como o direito à saúde, e a criação de um grupo de experts que estudará medidas para a responsabilização da indústria pelos danos causados pelo tabaco – com base, em parte, na experiência brasileira.

Em entrevista a Outra Saúde, Mariana Pinho traçou um quadro detalhado das ações do Brasil, dos principais temas que mobilizaram as discussões do evento e das decisões que saíram da plenária final da COP-10.

Por outro lado,, os cigarros eletrônicos, um tema central das discussões internacionais (e mesmo nacionais, tendo em vista a consulta pública lançada pela Anvisa sobre sua regulação) ficaram pelas margens do evento. A despeito da crise e das polêmicas em torno de seu uso, os dispositivos eletrônicos para fumar não constaram nas decisões da COP-10 — e devem ficar para os debates da COP-11, daqui a 2 anos.

Fique agora com a íntegra da conversa com Mariana Pinho, coordenadora do Projeto de Controle do Tabaco da ACT.


Mariana, antes de tudo, com que objetivos a ACT Promoção de Saúde foi à COP-10? Que ações vocês esperavam fazer na COP do Tabaco?

Obrigada pelo espaço. Essa foi a 10ª Conferência das Partes. Essas sessões das partes do tratado recebem os países que ratificaram a Convenção-Quadro de Controle do Tabaco (CQCT), países que não ratificaram mas querem participar e os observadores. A ACT foi como observadora, nós nos credenciamos como parte da delegação da Campaign for Tobacco-Free Kids. Além disso, também é possível o credenciamento de jornalistas. As sessões que são abertas passam pelo streaming – há uma consulta ali, e depois elas podem ser acompanhadas por qualquer pessoa. Existe um atraso de alguns minutos na transmissão, por questão de segurança, mas as sessões públicas são passadas. Geralmente, as sessões públicas são aquelas de abertura e encerramento. Isso tudo para proteger as discussões que acontecem, já que são negociações.

As decisões da COP, por um fator muito relevante, não são alcançadas por votos, mas por consenso. Isso ocorre pelo fato de que a CQCT é um tratado vinculante para os países, ou seja, as partes são obrigadas a seguir o que sair de cada COP. É diferente de outras discussões na Organização Mundial da Saúde (OMS) que são recomendações, por exemplo, e não precisam ser alcançadas com consenso. Então, por questões internas das regras da COP, quando você vê um país trazendo um debate, os outros países normalmente optam por mudar os textos, vão se ajustando e se consegue o consenso. Só depois disso a decisão é aprovada. Pela delicadeza dessas negociações é que algumas sessões não são tornadas públicas. 

No nosso caso, as partes também decidem os momentos em que os observadores entram. Via de regra, eles permitem nas sessões de discussão. O papel da ACT, credenciada como observadora, é acompanhar as discussões e auxiliar no avanço delas, até mesmo para favorecer o Brasil. Como os observadores também vêm de outros países, nós conseguimos conversar ali atrás – os observadores ficam literalmente atrás – para descobrir porque existe uma certa dificuldade, o que podemos transmitir para a delegação oficial do nosso país, que outros termos podemos sugerir. Fazemos esse advocacy internacional. Esse é o papel que a gente desempenha nessas discussões, de ajudar mesmo os países a avançar nas negociações.

Às vezes, as discussões ficam bem longas, tanto é que desde a COP 8 foram introduzidas as sessões noturnas – ou seja, além do dia inteiro, fazem sessões noturnas para dar conta da agenda e não postergar as decisões. E aí nós entramos para apoiar a dinâmica.

Segundo algumas das poucas matérias que saíram na mídia brasileira sobre a COP-10, o embaixador do Brasil no Panamá, Carlos Henrique Moojen de Abreu e Silva, que encabeçou a delegação brasileira na Conferência, teria defendido no seu discurso de abertura ações como a redução da área plantada de tabaco, o aumento dos impostos sobre produtos de tabaco e a manutenção da proibição dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs). Esse discurso representa a posição adotada pela delegação oficial do Brasil durante a COP?

Ele não propôs a redução da área plantada, esse foi um entendimento distorcido que foi veiculado. O que ele fala no discurso de abertura, que até foi transmitido pelo streaming, é apenas um fato: a área plantada no Brasil está caindo. Ele de maneira alguma colocou como uma intenção do Brasil reduzir, pelo que nós vimos ali.

Mas como é que surge o posicionamento do Brasil nas COPs? A Secretária Executiva da Conicq [Vera Luiza da Costa e Silva], que é a Comissão Nacional para a Implementação da Convenção Quadro, estuda vários documentos. Como ela é composta por membros de vários ministérios, ela compartilha e troca materiais com esses ministérios. Depois, ela propõe uma reunião aberta da Conicq com caráter preparatório para a COP. Para esse espaço, ela chama todas as pessoas envolvidas: nós da ACT participamos dessa reunião, o setor regulado ou produtivo também, os próprios sindicatos – enfim, é aberto. Até a Associação de Fumicultores participa, manda suas propostas e, de acordo com a agenda, traz seu ponto de vista e suas sugestões.

Com base nisso tudo, o Brasil constrói os seus discursos e os seus apontamentos, mas a sociedade civil só vai tomar conhecimento deles já na COP. Essa parte não é pública. De toda forma, tudo o que foi dito durante a COP e a MOP foi bem alinhado com o que a gente tem acompanhado da Política Nacional de Controle do Tabaco.

O que nos deixou muito satisfeitos foi a vinda de um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário à COP para anunciar algo que estávamos esperando há muitos anos, a retomada do Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. Por mais que o item da CQCT que trata disso, o artigo 17, não estivesse na pauta da COP, ele entrou na pauta do Brasil. Achamos que foi uma resposta muito positiva, até por conta desse entendimento distorcido do discurso do embaixador. A vinda do representante do MDA foi uma resposta a essa mobilização de distorção [feita pelo lobby do tabaco] e trouxe uma grande notícia.

Nós comemoramos bastante porque sabemos que hoje são em torno de 140 mil famílias produzindo tabaco no Brasil. Esse número vem caindo, porque as famílias não estão tendo seus contratos renovados [pelas empresas que compram sua produção]. Um levantamento da própria Afubra aponta que 20% delas não são donas das suas propriedades, ou seja, elas adquirem uma dívida para plantar tabaco. Depois, elas ainda não têm seus contratos renovados, já que muitas vezes são pequenas propriedades e a produção não estaria a contento ou qualquer outro motivo, e elas acabam ficando desamparadas. Por isso, é importante que o Programa Nacional de Diversificação venha também para atender essas famílias e outras que gostariam de diversificar. 

É bem importante que se saiba que, na fala do Brasil, não se propôs reduzir áreas plantadas [a nível global]. Isso foi uma distorção mesmo. Na nossa equipe de monitoramento, vimos a quantidade de notícias distorcidas que chegaram no Brasil. Isso foi disseminado principalmente no Sul, pelos canais de comunicação do Sul. O que foi amplamente divulgado é uma inverdade. O embaixador até disponibilizou de forma escrita a sua fala, para deixar isso bem claro.

Antes do evento, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura chegaram a enviar ofícios ao Ministério da Saúde pedindo que a participação do Brasil na COP-10 fosse “cautelosa”. Porém, chegando no evento, o MDA acabou cubrindo esse papel mais avançado que você citou. O que levou a essa guinada?

Quando surgiram esses documentos, nós manifestamos nossa preocupação junto ao Ministério da Saúde e também ao Ministério do Desenvolvimento Agrário quanto a esse interesse do MDA nos cigarros eletrônicos, que era um dos pontos do ofício. 

Porém, o que a gente percebe é que não havia na agenda da COP nenhuma proposta de decidir algo sobre os cigarros eletrônicos. O que se produziu foi conhecimento, evidências científicas, e um relatório sobre novos produtos, incluindo cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido. São documentos técnicos, evidências, relatórios e certamente é importante que as partes acolham esses documentos técnicos produzidos e usem da forma adequada em seus países. Mas [o ofício do MDA] era uma grande preocupação, porque ele dizia que, caso se tomasse uma decisão, não poderíamos avançar nesse tema, mas não era esperado que acontecesse qualquer decisão nova sobre os cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido. Esse é um primeiro ponto. 

Por outro lado, depois desse ofício, houve uma reunião em que a Ministra da Saúde e o Ministro Paulo Teixeira estiveram juntos e fizeram um pronunciamento conjunto sobre cigarros eletrônicos. Provavelmente, após essa reunião, eles conversaram sobre essa questão e se acertaram. Aquele vídeo mostra um alinhamento entre os ministérios, do meu ponto de vista.

De fato, não houve nenhuma questão aqui no Panamá que mudasse o rumo das discussões do Brasil ou de qualquer outro país sobre os dispositivos eletrônicos para fumar. Cabe dizer que frente a toda a pressão que o Brasil sofreu, que a gente viu em momentos como as entrevistas, o posicionamento do Brasil foi de reiterar que estamos em consulta pública na Anvisa e que a agenda da COP não justificava se posicionar de uma forma ou outra, isso ficou bem claro. Por mais que o texto da consulta pública já siga no caminho da proibição da venda, da importação e da propaganda dos DEFs, não tinha porque esperar qualquer manifestação diferente disso por parte  do Brasil.

Ainda nesse assunto da pressão, vimos que vários parlamentares federais e estaduais do Rio Grande do Sul que são representantes do lobby do tabaco se articularam para ir ao Panamá, mas acabaram barrados pelo secretariado da COP, já que tinham ligações com a indústria, algo que não é permitido aos participantes. Apesar disso, a presença desses lobistas se fez perceptível? Quais ações eles tomaram para pressionar a delegação oficial brasileira?

Eles vieram sabendo que não iam entrar. Eles já fizeram isso outras vezes e sabiam que não iam entrar. Eles vêm fazer barulho, é isso que eles vêm fazer, porque eles sempre – estou falando do grupo, às vezes mudam os parlamentares individuais –  vêm às COPs sem credenciamento prévio para fazer pressão, buscar reuniões, esclarecimentos, achando que tem que saber detalhadamente tudo sobre o que se está discutindo. E como eles têm mandato, eleitores e são do Sul, muitos são de famílias ou regiões produtoras de tabaco, e acabam tendo uma audiência e comunicando o que eles bem querem, e acaba tendo essa pressão. 

A gente já esteve em outras COPs e vimos manifestações e atividades semelhantes. A embaixada sempre recebe de alguma forma para conversar, dar informes, e eventualmente esclarecer alguma dúvida. Pelo menos não houve, ou não chegou ao nosso conhecimento, alguma tentativa de burlar as normas, o que a gente comemora. Falamos isso em uma das reuniões: nada do que foi feito aqui no Panamá se transformou numa violação das regras do tratado, e está bem claro quem é que pode participar e de que forma.

De toda forma, eles dão trabalho, sabe? O fato de eles levarem à imprensa uma informação distorcida ou que não é verdadeira faz com que se tenha que ficar correndo atrás disso. Deu trabalho para a sociedade civil, que segue alerta e monitorando tudo, mas também deu para a delegação brasileira, que tem que ter jogo de cintura. Eles bagunçam os trabalhos aqui. O fato de haver reuniões [com os deputados] recepcionadas pelo embaixador ao mesmo tempo que as sessões noturnas da COP-10 leva a delegação a ter que se dividir. Algumas ficam lá na sessão noturna, outras têm que receber eles. Isso dá uma atrapalhada na dinâmica dos trabalhos.

Quais prioridades você percebeu na atuação da delegação oficial do Brasil? E como a ACT avalia essa atuação em termos de êxitos e limites?

Eu destacaria, claro, o protagonismo do Brasil na ideia de propor uma decisão sobre o Artigo 18 da CQCT, que fala sobre a proteção do meio ambiente. A decisão de propor que se aprofundasse a discussão nas COPs sobre o impacto ambiental do tabaco foi idealizada pela delegação brasileira, que conseguiu outros países para também a apresentarem. Vieram o Equador e o Panamá, depois se confirmou o apoio dos outros países. Eu acho que isso é importantíssimo, por diversos motivos. 

Os artigos 17 e 18, que tratam da diversificação [N.E: oferecer alternativas a quem depende economicamente da produção e venda de tabaco] e do meio ambiente, sempre caminharam juntos mas são dois artigos que têm baixa implementação no mundo. O artigo 17, a gente até entende, porque não são todos os países que produzem tabaco. Ele não é só para países produtores, também é preciso diversificar as alternativas para os vendedores, mas é principalmente para produtores. A baixa adesão é, em parte, relacionada a isso. 

Mas o artigo 18, da questão ambiental, precisava de uma atenção própria, porque ela não envolve só a produção. Além do aspecto dos impactos da produção e cura do tabaco, ela também envolve fabricação, deslocamento e descarte dos produtos de tabaco. Por isso, o fator ambiental deve ser uma questão de todos  os países. Esse foi um destaque bem importante do protagonismo brasileiro na COP, ainda mais pela escolha de relacionar esse assunto com outros tratados que estão sendo discutidos hoje, como o Tratado Global de Plásticos. Isso trouxe um aprofundamento sobre o artigo 18, e agora vamos estudar o que existe do tema e para a COP-11 devem vir relatórios sobre o assunto.

Outra decisão bastante importante em que o Brasil esteve envolvido na COP foi a da criação de um grupo de experts que discuta temas ligados ao artigo 19 da CQCT, que trata da responsabilização. Alguns anos atrás, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com uma ação de ressarcimento contra duas empresas de tabaco pelos danos e custos causados pelo adoecimento de pessoas em decorrência do uso dos cigarros. A experiência do Brasil foi bem importante na construção dessa ação. O que se decidiu é que deve haver mais estudos sobre a metodologia de cálculo dos danos para auxiliar os países que estão pensando em adotar medidas semelhantes à brasileira.

O Brasil também foi um dos que introduziu uma decisão de alinhar a CQCT com o entendimento de que ela seja um instrumento de proteção dos direitos humanos. 

Mas, para nós, apesar de não ser uma decisão da COP, a volta do Programa Nacional de Diversificação durante uma COP, foi a grande vitória da delegação brasileira.

A Estratégia Global de Combate ao Tabaco, que valia de 2019 a 2025, teve sua vigência renovada por mais cinco anos. Como a ACT vê essa decisão?

A Estratégia Global é basicamente a implementação do tratado pelas partes que o ratificaram. Com a pandemia no meio do caminho, a assistência técnica acabou, de alguma forma, prejudicada. É importante que se tenha essa busca pela implementação das medidas pelos países, então pensamos que é por aí mesmo. É importante que se avance nesse ponto.

No final do evento, foi redigida a Declaração do Panamá, que reconhece o “conflito irreconciliável entre os interesses da indústria do tabaco e da saúde pública”. Como você avalia essa redação? As decisões da COP, em termos de ações e de estudos, caminharam no mesmo sentido dessa afirmação bem taxativa da declaração?

Essa frase vem do texto da própria Convenção, está lá no preâmbulo dela que os interesses são irreconciliáveis. Esse é um fundamento da Convenção-Quadro, e por conta desse princípio é que a indústria do tabaco, seus representantes ou pessoas aliadas a ela não participam das discussões. 

Isso não foi criado do nada. Tudo parte de discussões durante a elaboração do tratado e a construção do texto que vêm desde meados dos anos 1990. Se percebeu que era importantíssimo afastar a indústria para resguardar as medidas ali tomadas.  Ela sempre vai querer se desenvolver, ampliar seu mercado, vender seu produto e ter uma imagem positiva, o que é irreconciliável  com a proposta de agenda da Saúde Pública, que é que esses produtos fiquem menos acessíveis, que as pessoas entendam dos seus prejuízos e que elas não os experimentem ou comecem a usá-los.

Por conta dessa discussão é que se construiu o artigo 5.3 da CQCT, para proteger as discussões do tratado mas  também as políticas dele contra a interferência da indústria. Apesar de manifestações de alguns países se alinharem a ela, nenhuma COP de que eu me lembre teve uma presença clara da indústria ali e atuando. O que já ocorreu, por exemplo, é que desde que a COP decidiu fazer o escaneamento dos jornalistas para ver se eles estavam vinculados a alguma empresa do setor, foi identificada a construção de canais vinculados ao consumo de cigarros eletrônicos com um viés muito claro, que estavam se credenciando como imprensa. Por essa razão, eles decidiram fazer um screening da imprensa e evitar essa distorção que seria a presença de aliados das empresas de tabaco e de cigarros eletrônicos.

Além da COP-10, a ACT acompanhou o 3º Encontro das Partes, a MOP-3, que é menos conhecida. Como foi a participação brasileira nessas negociações? O que apareceu na pauta desse evento?

A MOP é ligada às negociações do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco. Quem ratifica o Protocolo necessariamente tem que ter ratificado a Convenção-Quadro, ele é um “tratadinho” dentro da CQCT. 

Ele também tem caráter vinculante, mas hoje é ratificado por poucos países.  Menos de 70 países ratificaram o Protocolo, então [a MOP] já é menor por conta disso, ficam ali um terço das pessoas que estavam na COP. As delegações diminuem porque especialistas da saúde acabam não ficando e a maioria dos parlamentares e membros do Poder Executivo dos países também não. Eu mesma não vi aqui nenhuma movimentação de cobertura de imprensa brasileira. 

No mais, a reunião das partes do Protocolo é bem semelhante à COP. A agenda da MOP se centra principalmente em avançar no número de ratificações do Protocolo e na implementação das medidas, pois o tratado está avançando muito lentamente. O Brasil defendeu que é preciso ir além do chamado track and trace no de rastreamento do tabaco. O sistema do Brasil precisa ser aprimorado, mas ele já é um exemplo porque é independente, não foi proposto pela indústria e não depende dela para funcionar. É preciso fazer o roadmap, que é o mapeamento de toda a cadeia, não só do comércio ilícito. 

A delegação do Brasil quase toda ficou da COP para a MOP, e veio também representante da Polícia Federal que tem uma contribuição importante no controle das fronteiras. A participação foi positiva, com falas boas. Assim como nas COPs, o Brasil tem um papel muito reconhecido na região das Américas e na plenária geral, bastante alinhado com o combate ao tabaco.

Para concluir, duas perguntas sintéticas. O balanço final da COP-10 é positivo ou negativo para a pauta do controle do tabaco? O Brasil foi protagonista nos rumos do evento?

Acho que é positivo. A gente pôde ver mais uma vez as partes buscando ativamente o consenso, e isso é muito importante em um tratado como esse. Como eu falei no início, conseguimos propostas muito positivas como a do aprofundamento do Artigo 18, da questão ambiental.

Já o protagonismo brasileiro veio de duas formas. Olhando para dentro, ele veio com a volta do Programa Nacional de Diversificação. Estou falando dele várias vezes porque isso é muito importante, queríamos resgatá-lo desde 2016, quando primeiro ele hibernou e depois foi afogado [pelos governos Temer e Bolsonaro]. Olhando para fora, o Brasil teve protagonismo porque é um país respeitado e referência em vários dos assuntos debatidos, então as delegações ouvem o Brasil e buscam a cooperação. Até a disposição para cooperar, por parte do governo brasileiro, é um ponto muito relevante para nós.

É importante também demarcar que, apesar do barulho e da movimentação [dos parlamentares e da imprensa ligada ao lobby do tabaco], a delegação brasileira e a reunião da COP ficaram protegidas do conflito de interesses, a gente percebeu um compromisso de proteger as discussões da influência da indústria. É lamentável que informações cheguem de forma distorcida, infelizmente o Estado não atua mais firmemente e a única fonte de informação que chega para as pessoas leva informações distorcidas e que incitam o ódio. Apareceu uma matéria da ITGA [na sigla em inglês, Aliança Internacional dos Fumicultores, grupo de lobby da indústria] em que eles se dizem persona non-grata, falam de totalitarismo e ditadura na COP. A gente tem essa demanda de que o Estado informe melhor e combata essas distorções.

Apesar disso tudo, o balanço é positivo, tanto na COP quanto na MOP tivemos bons resultados. Porém, surge agora bastante coisa para fazer, porque as decisões que criam um grupo de experts para o artigo 19 e aprofundam as políticas ambientais do artigo 18 também vão deixar algumas tarefas para o Brasil. Nós vamos acompanhar como o Brasil vai participar disso, como os relatórios vão ser produzidos e, como sempre, a ACT se coloca à disposição para participar dessas discussões.

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