Aborto: os novos fantasmas dos conservadoress
Só este ano, sete novos projetos legislativos tentam restringir direito, mesmo nos poucos casos em que a lei o reconhece. Propostas miram, entre outros, o aborto por meio de fármacos e teleassitência — que pode ser seguro e já é praticado no SUS
Publicado 24/09/2021 às 07:18 - Atualizado 24/09/2021 às 09:54
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QUANTOS PASSOS ATRÁS? |
Se o México descriminalizou o aborto há duas semanas e a Argentina o legalizou no fim do ano passado, o máximo que o Brasil tem conseguido fazer é evitar uma rápida corrida para trás. Quem nota o descompasso é o site Gênero e Número a partir de levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfmea). Até agora, em 2021 foram apresentados sete projetos de lei envolvendo o aborto na Câmara dos Deputados – e todos eles buscam impedir ou criar barreiras para a interrupção da gravidez, incluindo nos casos hoje autorizados pela legislação. O número de projetos de lei sobre o tema diminuiu em relação a 2019 (quando foram 28) e 2020 (14), mas antes havia os que buscavam garantir ou ampliar esse direito. Agora, não mais. O principal nome da Câmara na cruzada contra o aborto é o da deputada Chris Tonieto (PSL/RJ), que este ano apresentou duas propostas. Uma é para a criação do Estatuto do Nascituro – que volta e meia aparece no Congresso – e outra é para proibir a orientação, prescrição ou realização do procedimento via telemedicina. Para quem não está familiarizado com o assunto, pode parecer estranha a ideia de se realizar aborto “a distância”. Mas isso é possível porque, quando realizado no começo da gestação e bem orientado, o aborto induzido por medicamentos é bastante eficaz e seguro, podendo acontecer em casa. O recurso já era usado em países como os Estados Unidos antes da pandemia e, com a covid-19, se mostrou uma boa forma de garantir a continuidade do acesso. No Brasil, o Ministério Público Federal publicou uma nota em julho deste ano defendendo a prática nos caso de gravidez decorrente de estupro. O primeiro serviço legal de aborto por telemedicina aqui é o Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) do Hospital das Clínicas de Uberlândia. Só em 2021, conseguiu evitar 90% das internações de aborto legal. Mas voltando à incansável Chris Tonieto, ela também apresentou um Projeto de Decreto Legislativo com o objetivo de sustar resolução do Conselho Nacional de Saúde que destaca o aborto legal como direito. Sim, era aquela mesma resolução que o ministro da Saúde Marcelo Queiroga decidiu tornar sem efeito por pressão de bolsonaristas nas redes sociais. Segundo Joluza Batista, assessora técnica do Cfemea, o endurecimento dos projetos contra o aborto no Congresso tem sido muito visível nas duas últimas legislaturas e, principalmente, desde 2019. Claro que “essa alta movimentação é conectada com o governo Bolsonaro e sua pauta conservadora, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e a agenda internacional. Existe uma estratégica tática dos fundamentalistas em cima dos PLs, por isso, eles trabalham muito nessa pauta, buscando retrocesso dos direitos das mulheres”, diz ela. E essa a agenda não é apenas nacional, mas também local. Vale ressaltar que o direito ao aborto no Brasil – ainda muito restrito – é recente. Embora esteja previsto no Código Penal desde 1940, ele só começou a se concretizar realmente em 1989, quando foi criado o primeiro serviço público destinado a isso. Os 25 anos seguintes viram relativo empenho do Estado em efetivar esse direito. Mas depois, houve uma estagnação, e agora um alargamento parece completamente fora do horizonte. |
CIÊNCIA NA REDE |
A rede de cientistas no Twitter pode ter sido decisiva para aumentar o interesse pelas máscaras PFF2 (as peças faciais filtrantes que, como já comentamos muitas vezes por aqui, são a proteção mais segura contra a covid-19) no Brasil. Divulgado ontem pela Agência Bori, relatório do projeto Science Pulse apresenta uma pesquisa que monitorou 1,5 mil perfis de instituições e especialistas brasileiros no Twitter entre setembro de 2020 e agosto de 2021. Dois indicativos sustentam a tese: o primeiro é a relação positiva entre as menções feitas pelos cientistas sobre as máscaras PFF2 e as tendências de busca pelo tema registrada pelo Google Trends no mesmo período. Além disso, a pesquisa mostrou que a popularização do termo PFF2 (superando a nomenclatura internacional para os mesmos equipamentos, N95) acompanhou a sua utilização pelos perfis de cientistas e instituições monitorados. Apesar de, como observa o relatório, não ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito direta, comprovando o papel do Twitter no impulsionamento de interesse pelas máscaras, a pesquisa indica essas duas evidências e reitera a importância dos esforços de divulgação científica nas redes. |
SILÊNCIO E SIGILO QUEBRADO |
As expectativas eram grandes, mas o aguardado depoimento de Danilo Trento, diretor de relações institucionais da Precisa Medicamentos, à CPI da Covid, foi majoritariamente marcado pelo silêncio.Trento se recusou a responder a maioria das perguntas dos senadores e não explicou sua atuação na empresa intermediária, investigada por irregularidades nas negociações da vacina indiana Covaxin com o Ministério da Saúde. A comissão aprovou a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático do empresário e de seu irmão, Gustavo Trento. Randolfe Rodrigues (Rede-Ap), vice-presidente da CPI, apresentou registros de transações no mínimo curiosas envolvendo a transferências de cifras vultosas da Primarcial, empresa de Danilo Trento, a joalherias e padarias. A cúpula da comissão suspeita que o empresário atuava lavando dinheiro para a Precisa Medicamentos por meio da sua companhia, que segundo ele seria uma “empresa de participações”. Além de não responder a nenhuma das questões sobre as transações, Trento chegou a dizer que não sabia informar que tipo de participações seriam feitas pela sua própria empresa. Sobre a atuação na Precisa, apenas disse que “representava a empresa de forma institucional”. Outra pergunta que paira no ar é a relação entre o empresário e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). A comissão quer saber se Trento estava junto ao filho mais velho do presidente em uma comitiva do Senado que foi a Las Vegas no ano passado, acompanhando a Embratur. O empresário confirmou a ida à cidade estadunidense em 2020, mas não quis responder se estava acompanhado de algum senador e nem informar a data e motivo da viagem. Senadores apresentaram registros indicando que Trento estaria em Las Vegas nos mesmos dias informados pela agenda oficial de Flávio Bolsonaro. Os senadores querem entender se, de fato, a viagem conjunta ocorreu e, caso positivo, com que objetivo. O filho do presidente divulgou nota negando ter se reunido com Danilo Trento em Las Vegas. |
BLOQUEADOS |
Ainda ontem, a Precisa teve R$ 142 mil bloqueados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, como resultado de ação movida pelo laboratório mineiro Côrtes Villela. É que além de negociar a venda de imunizantes da Bharat Biotech com o Ministério da Saúde, a intermediária fechou contrato também com o setor privado. Os R$ 142 mil correspondem ao valor pago pelo laboratório à Precisa em janeiro deste ano, equivalente a 10% do valor total acordado para a compra de 7,2 mil doses da Covaxin. O contrato, é claro, foi rompido depois que a Anvisa negou o pedido de importação do imunizante e não concedeu o certificado de boas práticas ao laboratório indiano. Mas, diferentemente do que o contrato previa, a Precisa nunca devolveu o dinheiro ao Côrtes Villela… Pois é. Apenas boas referências. |
HOMICÍDIO? |
O escândalo da Prevent Senior segue tendo desdobramentos. Ontem, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo montou uma força-tarefa para acompanhar o inquérito policial que apura se a utilização de pacientes como cobaias para testes com os medicamentos do “kit covid” nos hospitais da rede se configura como crime de homicídio. O inquérito tramita no Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa. A força-tarefa do Ministério Público vai ainda, segundo a Folha, auxiliar na investigação do dossiê elaborado por funcionários e ex-funcionários da Prevent e entregue à CPI da Covid. O MP, que já tem um inquérito civil para apurar a operadora, pode agora abrir investigação criminal. |
PRECISA SER ACESSÍVEL |
A OMS atualizou suas recomendações sobre tratamentos contra a covid-19 para incluir mais uma opção: é a combinação de anticorpos sintéticos desenvolvida pela Regeneron e produzida pela Roche. Ela deve ser oferecida para pacientes com casos não-graves mas alto risco de hospitalização – como idosos e imunossuprimidos. Mas os grandes entraves ao acesso são o alto custo e a baixa disponibilidade do tratamento. Segundo a OMS, estão em andamento negociações com a Roche para redução do preço e aumento da oferta, especialmente em países e média e baixa renda. E, mais uma vez, pede a transferência de tecnologia para garantir a ampla produção. |
DEVE CONTINUAR |
Tedros Ghebreyesus tem amplo apoio para um segundo mandato como diretor-geral da OMS. Encabeçados pela Alemanha, cerca de 20 países da União Europeia propuseram sua candidatura ontem, último dia para os Edatdos-membros designarem seus nomes de preferência. Os nomes ainda estão em segredo, mas foram adiantados por fontes diplomáticas. Aparentemente, não há outro na disputa. É um pouco curioso que o apoio venha da Europa e não da África, onde Tedros é bastante popular. No continente africano, até agora nenhuma nação declarou seu apoio publicamente. A Etiópia, seu país natal, desistiu de patrocinar a candidatura por conta dos posicionamentos públicos do diretor contra o governo na guerrra do Tigray. |
O TAMANHO DO DESAFIO |
Pela primeira vez desde fevereiro, os Estados Unidos registraram uma média de mais de duas mil mortes diárias nesta semana. Apenas três meses atrás esse número era 217 – quase dez vezes menor. Os novos casos e novas hospitalizações estão em queda, mas variam muito entre os estados. Nos do Sul, onde em geral há menos gente vacinada, vários hospitais estão no limite de sua capacidade. |
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