Escolas e Covid: o papel dos testes de antígeno

Estudo revela que eles podem evitar suspensão desnecessária de aulas. Rápidos e menos caros, podem ser feitos aos primeiros sintomas. Mas precisam ser repetidos por dias seguidos — condição não disponível na Educação brasileira

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O FIM DAS AUSÊNCIAS DESNECESSÁRIAS
Para evitar surtos de covid-19 em escolas, qual deve ser a política de testagem, rastreamento de contatos e quarentena? A condução dos casos no Brasil – e em boa parte do mundo – ainda é em geral muito rudimentar: pessoas com sintomas são orientadas a ficar em casa e fazer o exame PCR (que só é feito a partir do terceiro dia de sintomas, e cujo resultado demora em média dois dias para sair), e tanto elas como seus contatos próximos devem fazer uma quarentena de duas semanas (veja exemplos aquiaquiaqui).

Isso significa que, de tempos em tempos, turmas inteiras precisam ficar em casa por um período prolongado, mesmo que a imensa maioria dos envolvidos não esteja infectada. É ruim para as crianças e adolescentes, que ficam com o acesso à educação prejudicado, e para os pais e responsáveis, cuja rotina se torna totalmente imprevisível. 

Mas poderia ser diferente. Reportagem do New York Times fala de uma estratégia que tem sido chamada de test to stay: os contatos próximos de infectados podem continuar frequentando a escola, desde que não apresentem sintomas e desde passem uma semana fazendo testes de antígeno todos os dias, com resultados negativos. Isso começou a ser adotado em alguns distritos escolares dos Estados Unidos. O CDC (Centro de Controle e Doenças) do país ainda não a recomenda, mas está acompanhando os números nos estados. 

Assim como os testes PCR, os de antígenos detectam se a pessoa está infectada no momento. Mas eles têm duas vantagens: são mais baratos e o resultado sai em menos de 15 minutos. A única desvantagem é que são um pouco menos sensíveis, com mais chances de falsos negativos. Porém, eles “pescam” muito bem quem está com alta carga viral, sendo bastante confiáveis para identificar justamente quem tem maiores chances de transmitir o vírus para outras pessoas. Ou seja, podem não ser o padrão-ouro para o diagnóstico, mas parecem perfeitos para evitar surtos.

Um estudo sobre o uso dessa abordagem publicado no periódico The Lancet  sugere que ela funciona bem. Foram analisadas mais de 150 escolas da Grã-Bretanha em um ensaio clínico randomizado. Comparando as  que exigiam quarentena de todos os contatos e aquelas que usaram o test to stay, não houve diferença significativa nas taxas de casos. E, no geral, só 2% dos contatos próximos dos infectados testaram positivo para o vírus – para cada aluno com covid-19, outros 49 não-infectados eram afastados da escola sem necessidade.

A estratégia só pode ser utilizada, obviamente, se houver testes de antígeno amplamente disponíveis e oferecidos pelo poder público. Em países como Reino UnidoAlemanhaCanadá e Áustria,  isso é uma realidade.

No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou na sexta-feira (mais uma vez) um plano para melhorar a testagem, com uma previsão de que mais 60 milhões de testes de antígeno sejam distribuídos. A quantidade é insuficiente para um programa regular de testagem de contactantes.
REVERSÃO?
Não ficou sem resposta o arroubo do Ministério da Saúde que, a pedido de Bolsonaro e desorganizando todo o processo de imunização contra a covid-19 no país, retirou os adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades na lista de grupos a serem vacinados. Na noite de sábado, o PSB, liderando um conjunto de outros partidos, ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pleiteando a reversão da medidaEspecialistasentidades médicas, gestores, a Anvisa e o Conselho Nacional de Saúde também manifestaram o repúdio à mudança, em declarações que repercutiram durante todo o final de semana. E tem mais: os especialistas que atuam no próprio ministério como assessores técnicos exigiram que Marcelo Queiroga volte atrás na decisão e anunciaram que, caso seja mantida, deixarão seus cargos na Câmara Técnica da pasta. 

Segundo apurou o Valor, a ação movida pelo PSB sustenta que a decisão do Ministério é inconstitucional e compromete o avanço do enfrentamento à pandemia. O texto destaca ainda a inveracidade das informações nas quais a nota do Ministério se baseia, especialmente o trecho que faz referência a uma suposta orientação da OMS contra a vacinação de crianças e adolescentes. 

“A nota informativa está pautada em premissas equivocadas e contraria frontalmente o posicionamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA —, do Conselho Nacional de Saúde e até mesmo da Câmara Técnica do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde”, diz a ação, destacando ainda que “justamente no período em que país vem apresentando algum progresso no processo de vacinação, cujos resultados são evidentes com a queda no número de casos e óbitos, o Ministério da Saúde promove mais um ato de desinformação para causar pânico na sociedade e desincentivar a população a se vacinar”. 

Houve reação ainda na Câmara dos Deputados. O parlamentar Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou requerimento pedindo esclarecimentos sobre o papel de Bolsonaro na decisão. O deputado pediu a cópia integral do processo que baseou a nota informativa. Além de solicitar cópia de qualquer correspondência eletrônica entre o Ministério da Saúde e a Presidência da República referente à vacinação desde março do ano passado, requer também todos os estudos e pareceres utilizados para sustentar a exclusão dos adolescentes da lista de grupos a serem imunizados. Valente afirmou que, caso não se consiga provar o embasamento técnico ou científico da decisão, a ação pode gerar responsabilização civil e criminal daqueles que a determinaram… A ver. 

Pelo menos 20 capitais e o Distrito Federal decidiram ignorar a decisão do Ministério. Entre as capitais, estão Porto Velho, Salvador e Manaus.  Em São Paulo, que começou antes a imunização dos adolescentes, quase 90% deles já foram vacinados.
PFIZER X MODERNA
Um novo relatório publicado pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos sugere que, no longo prazo, o imunizante da Moderna protege mais contra hospitalizações e mortes por covid-19 do que o da Pfizer/BioNTech. No geral, ambas se mostraram mais efetivas do que a da Janssen.

Foram analisados os dados de quase 3,7 mil pessoas que foram hospitalizadas em 18 estados, entre março e agosto deste ano (ou seja, o período incluiu o domínio da variante Delta). Entre elas, 20% tinham tomado as duas doses da Pfizer, 12,9% a da Moderna e 3,1% a da Janssen.

Considerando todo o período, a Moderna ofereceu 93% de proteção contra hospitalizações; Pfizer e Janssen ofereceram, respectivamente, 88% e 71%. Mas foi na avaliação após 120 dias que apareceram as maiores diferenças: a vacina da Moderna continuou 92% efetiva, mas a proteção da Pfizer caiu para 77%. A da Janssen não foi avaliada nesse período, mas, segundo o CDC, após 28 dias ela tinha caído para 68%. 

O que explica a diferença observada entre as duas vacinas de mRNA? Ainda não está totalmente claro, mas isso pode ter a ver com dois fatores: a Moderna usa uma dosagem mais alta e um intervalo entre doses ligeiramente mais longo: são quatro semanas, contra as três adotadas nos Estados Unidos para a Pfizer.

 
AINDA PODE MUDAR
Poucas horas após a divulgação do relatório do CDC, um painel consultivo da FDA (agência reguladora dos Estados Unidos) recomendou a aplicação de uma terceira dose da vacina da Pfizer contra a covid-19, mas apenas em maiores de 65 anos e pessoas com maiores riscos de doença grave. Os cientistas argumentaram que os dados da Pfizer ainda apontam alta proteção contra hospitalizações com o tempo – mesmo que haja uma queda – e que não demonstraram se uma terceira dose poderia conter a transmissão. Alguns também criticaram a falta de dados sobre a segurança de dose extra em pessoas mais jovens. 

A agência não é obrigada a seguir as recomendações do painel, mas costuma fazê-lo. Se isso acontecer, a decisão irá contra os planos do governo Joe Biden, que já prometeu a dose extra a toda a população com mais de 16 anos. Só que há uma brecha: o painel não definiu quem extamente seriam as pessoas com maiores riscos; isso vai ficar a cargo do CDC, que pode incluir dezenas de milhões de pessoas.

Mesmo a decisão final da FDA pode ser modificada, e já existe pressão para isso. Ontem, o diretor do National Institutes of Health, Francis Collins, disse à imprensa que a recomendação atual do painel é preliminar, e que se prevê uma aprovação mais ampla “nas próximas semanas”. Anthony Fauci, principal conselheiro médico da Casa Branca, sugeriu o mesmo.
TAMBÉM NO SUS
O dia de ontem marcou o centenário de Paulo Freire, o patrono da educação brasileira. Nascido em 1921 e falecido em 1997, Freire é um dos autores brasileiros mais lidos e reconhecidos no mundo, e segue sendo referência e inspiração para a construção de projetos emancipatórios de educação e de sociedade. Não à toa, o educador pernambucano virou alvo preferencial da propaganda ultraconservadora bolsonarista nos últimos anos. 

Mas, se o ódio e a ignorância atravessam gerações – Freire foi perseguido, preso e exilado durante a ditadura empresarial-militar de 1964 a 1986 –, suas contribuições mais ainda. E são parte também dos esforços de construção do SUS, integrando o projeto da educação popular em saúde. O especial lançado pela Escola Politécnica da Fiocruz recupera essa história, que é indissociável da própria trajetória da Reforma Sanitária brasileira. 

O enfrentamento à “concepção bancária” da educação – aquela que entende o aluno como um depósito, um ser vazio que apenas recebe passivamente algo pronto – se expressou no campo da saúde ajudando a entender e transformar os espaços envolvidos no processo de saúde e doença. Isso ajudou a repensar a relação entre profissionais e usuários dos serviços de saúde e constituir um campo que busca, até os dias de hoje, avançar na implementação dessa proposta tanto na formação dos trabalhadores que atuarão no SUS como no trato com a população nas próprias unidades de saúde. 

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