Assalto ao SUS via orçamento secreto já é realidade

• Orçamento secreto e a operação da PF na Saúde • Pequenas cidades, procedimentos descabidos • O papel de Arthur Lira • Queiroga mente • Altas dos preços de remédios e a desculpa da indústria • Leis antiaborto nos EUA •

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Operação da Polícia Federal na manhã desta sexta-feira confirmou o que já tinha sido demonstrado pela Revista Piauí em julho: o orçamento secreto e sua destinação de verbas ocultadas do Sistema de Indicações Orçamentárias é uma incontestável fonte de enriquecimento ilícito de parlamentares e seus laranjas. No caso, os laranjas são os irmãos Renato e Roberto Rodrigues Silva, que aparecem no sistema como solicitantes de 69 milhões de verbas oriundas das emendas parlamentares para serviços fantasmas em saúde. Como detalha matéria da Piauí, prefeituras de cidades pequenas do Maranhão foram as pontes para as fraudes. Na documentação oficial, ficam omitidos os nomes dos deputados responsáveis pela liberação do dinheiro, daí a popularização do termo “orçamento secreto”.

Roubalheira da mais rasteira

O método do roubo é de baixíssimo nível e remete a tempos em que a maior parte da população sequer possuía direitos políticos. Além de violar descaradamente mecanismos de transparência e acesso à informação, legislados pelo Estado brasileiro em tempos recentes, a fraude consiste em fabricação de dados notoriamente inverossímeis sobre despesas em saúde. Por exemplo: Igarapé Grande, do alto de seus 12 mil habitantes, teria realizado 12,7 mil radiografias para o dedo da mão. A Operação Quebra Ossos mostra que o esquema de corrupção já existia e usava cidades como fachada para quadrilhas como a dos irmãos Roberto e Renato. Mas sua potencialização pelo orçamento secreto é inequívoca: a cidade que sequer conta com hospitais de média ou alta complexidade e registrava 123 mil atendimentos deste tipo saltou para 761 mil em 2019, quando o expediente que Bolsonaro criou para blindar seus inúmeros crimes de responsabilidade, além das investigações contra seu filho mais velho, ainda engatinhava.

Qual o tamanho do buraco?

Caciques políticos locais também ajudam, como o prefeito da cidade, Erlanio Xavier (PDT), presidente da Federação dos Municípios do Maranhão, tipo do cargo que abre portas em Brasília. A Operação Quebra Ossos da PF, nome inspirado nas radiografias fakes acima citadas, estima desvios de R$ 70 milhões somente nesta fraude. O orçamento secreto atingiu cerca de R$ 18,5 bilhões em 2022 e já tem garantidos R$ 20 bi em 2022. Desde 2019, são cerca de 65 bilhões empenhados no que oficialmente se chama “emendas do relator”, como mostrou a CNN. Arthur Lira, presidente da Câmara, perdeu o pudor ao dizer que o Brasil deveria escolher entre mensalão e orçamento secreto, praticamente assumindo-se como chefe de quadrilha. Especialistas estimam que cerca de 30% das verbas destinadas pelos parlamentares, que deveriam ir para Ministérios como o da Saúde, coordenadores de políticas públicas reais, pegam o caminho de volta. O que explica o imenso sucesso eleitoral dos deputadores que desfrutaram desta fonte imoral de financiamento público.

Enquanto isso, Queiroga mente

Horas antes da operação Quebra Ossos prender os irmãos Rodrigues Silva, Marcelo Queiroga participou de um evento com cardiologistas e defendeu a atenção primária à saúde como caminho para prevenção de doenças cardiovasculares evitáveis. Para tal, o governo deveria investir no financiamento de remédios aos usuários do serviço público de saúde. No entanto, questionado como fazer isso diante da redução orçamentária prevista para 2023, simplesmente resolveu brigar com os documentos oficiais e afirmou não haver redução alguma, para depois emendar que uma parte apenas se “encontra sob controle do Congresso”, eufemismo que achou para definir o orçamento secreto. Seu secretário adjunto foi ainda mais longe no descompromisso com qualquer norma básica de gestão e disse que a peça orçamentária de 2023 “é uma ficção, não vai ser assim”. Tradução: os improvisos político-fiscais para tapar os buracos do desfinanciamento crônico são o plano de governo para 2023.

As mentiras da Big Pharma para justificar a alta dos preços

Nos EUA, matéria da Wired descreve estudo em que pesquisadores questionam o valor real gasto em pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos pela indústria farmacêutica. Olivier Wouters, professor da London School of Economics and Science Politics, publicou artigo no Journal of American Medicine Association no qual demonstra a falta de transparência das empresas do setor a este respeito. Ele e os demais autores analisaram os 60 fármacos liberados pelo FDA entre 2009 e 2018 e concluíram que há uma enorme caixa preta nos dados informados, o que torna contestáveis os preços de novos medicamentos, em torno de 20% mais caros a cada ano. Enquanto isso, os EUA são de longe o país que mais acumula despesas em saúde, grande parte dela em remédios, considerados muito caros por 25% da população, segundo a matéria. Para completar, como mostrou o Outra Saúde, muitas vezes a Big Pharma é financiada com dinheiro público.

O primeiro impacto das leis antiaborto nos EUA

Gestantes com riscos ou complicações enfrentam cenário de insegurança no país. Desde que a Suprema Corte derrubou a decisão do caso Roe versus Wade em junho, que garantia direito ao aborto, vários Estados norte-americanos decidiram proibir o procedimento ou restringi-lo severamente. Médicos e pacientes dizem que as regras confusas e a linguagem vaga tiveram um efeito perigoso, que dificulta o aborto em casos de gravidez de risco. E, graças ao conservadorismo religioso que motivou a decisão, mães que têm complicações em suas gestações estão passando por sofrimento físico e psíquico severo. Essa matéria da BBC mostra casos de algumas mães que tiveram a gravidez mal sucedida e conviveram com o feto morto em seu útero até que o corpo pudesse expeli-lo, sozinhas, sem ajuda médica – ou das organizações “defensoras da vida”. Agora, resta a batalha política pela reversão da decisão da Suprema Corte ou pequenos ajustes legais, como já fazem alguns estados.

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