As mil mortes

Com 1.117 registros, Brasil lidera pela primeira vez a lista mundial de mortes por coronavírus em 24 horas. Total já chega a 17.971

Foto: Alex Pazuello / Semcom Manaus
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Mais de mil vidas perdidas. Ontem, pela primeira vez, o Brasil encabeçou a lista mundial de mortes por coronavírus em 24 horas. Não foi o único recorde trágico do dia: a marca também nos colocou no pequeno grupo de nações, composto por EUA, Reino Unido, França e China, que chegaram a registrar mil mortes diárias nessa pandemia. Segundo o Ministério da Saúde, entre segunda e terça-feira, foram contabilizados 1.179 óbitos. O saldo letal está em 17.971. No mesmo intervalo, também foi registrado um recorde de novos casos. Foram 17.408, num total que ultrapassa os 271 mil. Nesse ritmo, atingiremos as 300 mil infecções confirmadas por coronavírus na sexta-feira.  

Tudo isso não mereceu atenção do Ministério da Saúde. Na coletiva de imprensa diária, o governo escolheu dois destaques: o lançamento de uma campanha de doação de leite materno e de um serviço de teleatendimento psicológico para profissionais da saúde que atuam no combate à covid-19. Não houve comentários da pasta sobre o recorde de óbitos. Tampouco sobre protocolos de uso de medicamentos prestes a sair, como o da cloroquina. Desde que o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério, as coletivas têm sido povoadas por autoridades do segundo e terceiro escalões que não se sentem à vontade para responder às perguntas mais importantes sobre as ações do governo federal. Provavelmente porque faltam ações. Mas também porque falta respeito às instituições democráticas e à população.

Desde o começo dessa semana, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República dobrou sua aposta no contorcionismo narrativo. Num dia marcado por um número de mortes que superou aquelas causadas pelos deslizamentos e chuvas na região serrana do Rio de Janeiro em 2011, quando 900 óbitos foram registrados, a Secom divulgou um “Placar da Vida”. Nele, os únicos números em destaque são o de “brasileiros salvos”, “em recuperação” e infectados. O Ministério da Saúde prontamente compartilhou a peça publicitária em suas redes. O tal placar começou a ser divulgado na segunda-feira (18).

A distorção da realidade encontra seu maior mestre no presidente Jair Bolsonaro. Ontem, ele afirmou que em “poucos lugares faltaram respiradores ou leitos de UTIs” – assim mesmo, no passado, como se estivesse fazendo um balanço de uma situação já superada. E, claro, desprezando o colapso dos serviços de saúde em vários estados.

Bolsonaro também falou em “caixa-preta” sobre as mortes do coronavírus. Mas não porque haja mais mortes do que o registrado, como apontam toda a comunidade científica e vários gestores públicos. O presidente está interessado em disseminar o boato de adulteração em atestados de óbito. Sem provas consistentes, como de praxe. “Temos muito vídeo de famílias enlutadas, no cemitério, reclamando que no atestado de óbito o problema nunca foi esse e saiu com vírus. Por que se faz isso? Não quero responder aqui. Mas estamos tomando providências aqui para abrir essa caixa-preta que está acontecendo em alguns estados”, disse. 

Finalmente, Bolsonaro reclamou que “parece que no Brasil só tem gente com problema de vírus”. É claro que não. Mas é curioso perceber que, ontem, a covid se tornou a principal causa de mortes no país, superando o conjunto de todas as doenças cardiovasculares, como infartos e AVCs, que matam 980 brasileiros por dia; deixando para trás as mortes diárias por câncer (624) e aquelas por causas externas, como acidentes e violência (413). Os números, levantados pela Folha, se referem a dados de 2018, os mais recentes do DataSUS.

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