A guerra das vacinas e o papel da América Latina

Depois de lucrar US$ 31,4 bi com imunizantes em 2022, Pfizer planeja elevar preço de cada dose para mais de US$ 110. Cresce, pelo mundo, a resistência à saúde-mercadoria. Sul Global tem chance de traçar estratégias comuns para futuro diferente

Campanha de vacinação em Quito, Equador, em junho de 2021. Foto: Diego Pallero/El Comercio
.

Em homenagem ao aniversário da morte de Mahatma Gandhi, as Nações Unidas decretaram o dia 3 de fevereiro como Dia Universal da Não-Violência, lembrando a frase memorável de Gandhi: “Não há caminho para a Paz; a Paz é o caminho”. No mesmo dia se comemora o Dia Universal das Doenças Tropicais Negligenciadas, um grupo de doenças relacionadas à pobreza, que atingem populações pobres em países pobres e portanto não despertam o interesse da indústria farmacêutica para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para sua prevenção, tratamento e proteção. Não haveria nada em comum nessas suas afirmações, não fosse o abismo, o verdadeiro “apartheid” que vivenciamos com o acesso a medicamentos, tecnologias e vacinas na pandemia e as manobras atuais que aprofundam cada vez mais esse abismo e a exclusão global das nossas populações a tecnologias em saúde.

Cada vez mais e com maior força, precisamos retomar a missão que o Secretário-geral das Nações Unidas proferiu ao designar o Painel de Alto Nível em acesso a medicamentos em 2016: propor medidas para equacionar as denominadas incoerências entre os objetivos da Saúde Pública; as leis e regulações de direitos humanos; e a propriedade intelectual e regras do comércio, no contexto do acesso a tecnologias de saúde.

Há pouco, mas sem surpresas, tivemos acesso a notícias que nos mostram esse “apartheid” entre o Norte Global e o Sul Global. De acordo com declarações recentes, a Pfizer acaba de anunciar que obteve receita de 100 bilhões de dólares e lucro de 31,4 bilhões de dólares em 2022. Para eles, uma bagatela e para nossos países do Sul Global, a diferença entre a vida ou a morte. Não é por acaso a luta que se trava nos EUA. O Senador Bernie Sanders, previsto para chefiar o Comitê de Saúde do Senado, reclama, indignado, que Pfizer e Moderna querem quadruplicar seus preços, colocando suas vacinas a preços entre 110 e 130 dólares por dose, alegando que com o declínio da pandemia, se trata de estimular o setor privado.Com a esperada decretação do fim da pandemia, o governo norte americano deixará de comprar vacinas, transferindo esta responsabilidade para os seguros privados de saúde. Essa transferência da provisão de vacinas para o setor privado se encontra estimada para ocorrer ainda nos primeiros meses de 2023, assim que se esgotarem os estoques governamentais.

Entretanto, temos oportunidades para avançar em nossa região e em nossos países. Em artigo recente, Carina Vance, ex-Ministra da Saúde Pública do Equador e ex-Diretora Executiva do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS/ Unasul) nos coloca que a América Latina pode mudar os rumos de um novo modelo de saúde pública. Inicialmente, levanta uma série de erros do passado na pandemia, entre os quais destaca o fracasso das negociações de Bolívia com Canadá para a importação de vacinas, Uganda pagando preços mais altos do que países da Europa para vacinas da AstraZeneca, a obstaculização do “waiver” proposto na OMC por Índia e África do Sul, as falhas nas entregas de vacinas pela iniciativa COVAX e seu subfinanciamento pelos países do Norte, comprometendo as iniciativas multilaterais.

Apontando quatro níveis que têm que ser abordados nas estratégias comuns, destaca a transparência, o conhecimento, a indústria e a governança. Inicialmente, ela propõe negociação e aquisição conjunta de elenco de medicamentos, estratégia que no passado já mostrou sua efetividade; um Banco de Preços e a consolidação de nossa capacidade coletiva de produção e de regulação. Adicionalmente, torna-se necessário expandir nossa capacidade de produção nacional e regional. Finalmente, também é proposta uma coordenação internacional voltando a atuação como bloco de países.

Nesse contexto tão relevante para as iniciativas de Saúde Global, não restam dúvidas do papel de liderança e de integrar o espírito coletivo, que nosso Brasil do Futuro, que já começou, vai voltar a ocupar na Região e no mundo. Com o Presidente Lula, as equipes sob o comando das nossas ministras da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação estarão caminhando lado-a-lado na reconstrução de um Brasil mais solidário, desenvolvendo e incorporando tecnologias para compor nossa soberania sanitária.

Na guerra das vacinas, mas não restrita à mesma, temos que dar um basta nos monopólios e na precificação que a indústria nos impõe. Custo e preço não podem estar dissociados e vamos estimular a competição, fortalecer o Complexo Econômico e Industrial da Saúde, investir novamente em pesquisa e desenvolvimento, expandir nossa capacidade produtiva e implementar políticas que assegurem o acesso, privilegiando nossas populações negligenciadas e vulneráveis.

Afinal de contas, o Brasil está de volta ao mundo!

Leia Também: