Precisamos falar sobre as doenças negligenciadas

Mais de 1,7 bilhões de pessoas estão ameaçadas por moléstias preveníveis e tratáveis – mas que não interessam à indústria farmacêutica. Fórum Social debruçado sobre o drama tem alternativas – e vê chance real de mudança com Nísia Trindade

.

Dengue, hanseníase, doença de chagas, leishmaniose, raiva, barriga d’água. Há 20 itens na lista de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ontem, 30 de janeiro, foi o dia escolhido para jogar um holofote sobre elas – que são comumente esquecidas por governos e pela indústria farmacêutica porque afetam sobretudo populações vulneráveis. O fato de serem ignoradas não significa que são um número pequeno: 1,7 bilhões de pessoas estão ameaçadas por Doenças Tropicais que são plenamente preveníveis e tratáveis. O alerta da OMS e de tantas outras entidades é que elas precisam deixar de ser ignoradas.

“A definição das DTN está relacionada à ausência de prioridade por diferentes setores”, explica Alexandre Menezes, diretor nacional da NHR Brasil, organização que combate a hanseníase. “Primeiro por parte do mercado, das indústrias farmacêuticas, das indústrias produtoras de diagnósticos que não têm preocupação com o desenvolvimento de novos fármacos, novos testes para as doenças negligenciadas. Mas o termo também diz respeito ao baixo investimento por parte dos governos. É importante destacar que ao longo do tempo essas doenças têm os menores orçamentos na área na área da Saúde.”

A NHR, dirigida por Alexandre, é uma organização que defende os afetados pela hanseníase, doença que atingiu 27,8 mil pessoas no Brasil em 2019, levando o país ao segundo lugar em números totais de casos no mundo, atrás apenas da Índia. Ela é uma das entidades que compõem o Fórum Social Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas, que teve início em 2016 e já teve sete edições. “O Fórum tem sobrevivido dentro de um contexto bem adverso de mobilização social. Mas a cada ano tem reunido diferentes entidades, pessoas que são atingidas pelas doenças negligenciadas. Ele está ligado à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Temos um espaço de diálogo e de avaliação de políticas públicas, então o Fórum permanece vivo durante todo o ano e tem uma culminância nesse encontro”, explica Alexandre.

A última edição teve um momento importante: uma mesa em que estava presente a então presidente da Fiocruz Nísia Trindade, hoje no cargo de ministra da Saúde. O Fórum entregou a ela – bem como a outros representantes importantes de entidades da Saúde – uma carta com algumas diretrizes para o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas. “O Fórum ficou com boas expectativas, já que na fala de Nísia ficou claro o quanto ela entende a prioridade de se trabalhar fortemente essas doenças”, comemora o diretor da NHR. De fato, o ministério da Saúde sinalizou que entende a importância do combate às doenças ligadas à pobreza: “O Brasil tem capacidade para eliminar essas doenças, elas estão concentradas em áreas de risco diferentes. A gente pode, com ações planejadas, focar nessa eliminação”, afirmou Ethel Maciel, Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, em entrevista à Folha.

A carta entregue a Nísia foi dividida em 13 eixos, que trazem reivindicações para diferentes contextos, explica Alexandre: “Dizem respeito à ampliação do acesso ao diagnóstico e ao tratamento das doenças, sobretudo com o fortalecimento da Atenção Primária”. Mas o documento também demanda que haja participação popular na hora de se desenhar políticas públicas; que as atividades estratégicas envolvam tanto a saúde humana quanto a animal e ambiental, com a visão da chamada Saúde Única; que haja esforços multidisciplinares na busca de investimentos; que seja levada em conta também a formação de profissionais para o diagnóstico e tratamento dessas doenças. “Em suma, melhorar a qualidade de todos os aspectos voltados para o atendimento, para a atenção das pessoas com doenças negligenciadas”, resume ele.

Como parte das atividades do Dia Mundial das DTN, o Fórum organizou também uma ação nas ruas de algumas cidades do país para que as informações sobre as doenças fossem propagadas. A OMS, em documento de 2020 que traça diretrizes para o fim das doenças negligenciadas, destaca que seus esforços têm surtido efeito. “Hoje, o número de pessoas que precisam de intervenções contra as DTN reduziu em 600 milhões em relação a 2010, e 42 países eliminaram pelo menos uma doença.” Mas mais de um quinto da população mundial ainda pode ser acometida pelas DTN, alerta. E um passo fundamental para que elas sejam superadas é o fortalecimento e investimento na Saúde Pública, fica claro tanto nas diretrizes da OMS quanto nos eixos do Fórum.

Leia Também: