7 de abril: data para celebrar o direito à saúde e à liberdade de expressão

Pesquisador analisa: como entidades institucionais e empresariais da área da saúde expõem suas visões no Instagram? E como essas concepções se conectam – ou divergem – com os princípios e valores celebrados no Dia Mundial da Saúde?

Foto: Comciência.br
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O dia 7 de abril é uma data de dupla celebração. O Dia Mundial da Saúde, ou World Health Day, marca a criação da Organização Mundial da Saúde, em 7/04/1948, no bojo da estruturação do Sistema ONU, como fórum político do setor em meio a um mundo então bipolar, hegemonizado entre Estados Unidos e União Soviética.

A criação da OMS sofreu forte influência dos Estados europeus que, em meio a um processo de reconstrução no Pós-Guerra, apostaram na expansão de seus sistemas de proteção social para melhorar a vida de suas populações em situação de penúria. Tratava-se, não podemos esquecer, de produzir uma contenção dentro dos marcos da socialdemocracia ao avanço dos países do Pacto de Varsóvia e dos partidos comunistas.

As políticas dos Welfare States de acesso público e universal à seguridade social, assim como de saúde, previdência, assistência social e educação, tornaram-se um paradigma nos processos políticos e sociais no mundo contemporâneo: almejadas pelas nações latino-americanas, negligenciadas nos países dos continentes africano e asiático, e bombardeadas pelo pensamento neoliberal a partir da década de 1980. Essa munição antissocial foi reforçada e alimentada nessa quadra do século 21 pelo discurso do individualismo empreendedor e pela extrema-direita inspirada no fascismo que o mundo, lá em 1948, acabara de derrotar.

No Brasil, a data também registra o Dia do Jornalista e da Liberdade de Expressão. Em 7 de abril de 1831, Dom Pedro I abdicou do trono do Império brasileiro, decidindo voltar para Portugal. Sua queda é atribuída ao desgaste de sua figura de monarca, reconhecidamente centralizadora, frente aos interesses locais de uma nascente elite brasileira que enriquecia às custas da exploração da cana de açúcar, do ouro e do tráfico escravista dos povos africanos, e também às revoltas populares.

Essas foram insufladas pelo assassinato de Giovanni Battista Líbero Badaró, em São Paulo, ocorrida seis meses antes da abdicação. Libero Badaró foi jornalista, médico e político italiano nascido na Ligúria, em 1798. Chegou ao Brasil em 1826 e fundou o jornal “Observador Constitucional”, em 1830, no qual denunciava abusos e excessos cometidos pelos governantes, principalmente pela monarquia constitucional. Pouco falado nos cursos de jornalismo, o nome de Líbero Badaró batiza uma importante rua do centro da capital paulista.

As duas datas marcam a intrínseca relação entre saúde, comunicação, direitos e democracia, temas centrais na minha prática acadêmica, profissional e política. O Outra Saúde me chamou há um tempo para contribuir com uma coluna e tomo essa dupla efeméride como janela de oportunidade.

Jornalistas adoram efemérides. O motivo talvez não seja tão nobre. Por serem temas de datas fixas, funcionam como pautas frias, como dizemos no jargão: estão dadas, não relacionadas ao calor dos acontecimentos, principalmente quando caem num final de semana, como neste 2024.

Instituições e dirigentes políticos também gostam das efemérides. São datas nas quais colocam seus departamentos de marketing e comunicação para funcionar e marcar seus slogans, projetos e lançamentos. Possibilitam, assim, essa oportunidade para colunistas arriscarem percepções sobre os interesses e visões que expressam por suas ações.

As artes e vídeos que embasaram esse levantamento foram localizados no Instagram, principal plataforma de mídias sociais da atualidade, propriedade da Meta, de Mark Zuckerberg. As efemérides também são interessantes para as plataformas, que impulsionam hashtags para mobilizar a audiência: #worldhealthday registra 510.074 publicações; enquanto #diadasaude tem a marca de 61.356 postagens no Instagram. Já #diadojornalista recolhe 75.999 publicações nessa rede.

Porém, convém lembrar que esses dados não foram checados com a empresa e podem conter publicações de anos anteriores. Mesmo com esses senões, não deixam de comprovar o papel mobilizador das campanhas em torno das datas de celebração.

Assim, vamos a elas.

A OMS, aniversariante da data, trouxe como slogan My Health, my right/Minha Saúde, meu direito. O lema da OMS pauta boa parte das ações dos demais organismos e países-membros. Pelo menos desde 2022, quando trouxe o lema Our Planet, our health/Meu Planeta, minha saúde, a agência trabalha a efeméride com a ilustração de uma mulher de pele azul, cabelos pretos e vestimenta de patchwork, desenhada como recortes costurados que lembram os ícones dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Neste ano, há novamente o reforço da ideia do direito como algo de propriedade individual, como em 2022, marcado pelo uso dos pronomes possesivos meu/minha. Se a ideia de direito está presente, não o faz com o esperado destaque nas coletividades, no direito universal e acesso irrestrito à saúde, ao contrário do lema do ano passado, Health for All/Saúde para todos. Contudo, o vídeo da campanha traz belas e fortes imagens de um mundo multipolar entre conquistas de saúde e guerras, e a afirmação de que as pessoas não podem ser excluídas, esquecidas e negligenciadas em seus direitos, numa tentativa de resposta às diversas cobranças, em sua página nesta rede, sobre um posicionamento mais enfático sobre a calamitosa situação vivida pelo povo palestino diante do massacre promovido por Israel. Apesar de ter emitido um comunicado sobre a situação de Gaza em 31 de março, Tedros Adhanom, presidente da OMS, não gravou nenhum discurso alusivo à efeméride.

Já a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) tomou um caminho imagético e discursivo bem distinto. Parte do slogan Su Salud depende de/Sua saúde depende de e traz um carrossel (três artes articuladas) com imagens em preto e branco de uma indígena mesoamericana, uma mãe com uma criança e um profissional de saúde em um fundo com cores, articulando ao slogan demandas sociais e ambientais: sistemas de saúde de qualidade, água e saneamento, ar limpo, boa alimentação, moradias dignas, ambiente saudável e seguro, educação, direitos de trabalho decentes e sem discriminação. O brasileiro Jarbas Barbosa, presidente do organismo, traz um vídeo no qual articula as demandas das artes com o posicionamento da Organização Mundial, apontando ao mesmo tempo alinhamento e autonomia nas pautas de trabalho.

No cenário brasileiro, a ministra Nísia Trindade gravou uma fala divulgada em sua página particular na plataforma e na página do Ministério da Saúde. Ela articula o lema da OMS à Constituição de 1988, aos desmontes vividos no governo passado e apresenta as ações de retomada dos programas e de fortalecimento do SUS. Fala ainda dos impactos das mudanças climáticas nas emergências sanitárias, como na dengue, e finaliza pela afirmação dos direitos a partir da superação das desigualdades e discriminações. O vídeo fecha com o novo slogan do Ministério: Brasil bem cuidado. Porém, não foi criada uma arte específica.

Crianças são o símbolo do novo, da inocência e da vitalidade e ilustram a arte do setorial Saúde do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que aproveitou a data para lançar o documentário Equidade, produção feita pelo Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP). O vídeo, de 14 minutos, traz alguns conselheiros nacionais e especialistas destacando o que significa na saúde pública brasileira, a partir do SUS, uma igualdade na atenção de diferentes populações e suas especificidades, como na população negra, das mulheres, da população LGBTQIAP+, indígena, em situação de rua, entre outras. 

Outro lançamento que se caroneou na data foi o podcast A Saúde é Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Rosana Onocko, presidente da entidade científica, foi a convidada do primeiro episódio e detalha os motivos e feitos a serem comemorados na data, bem como os desafios que continuam em pauta no tema.

Por fim, um olhar sobre as peças das entidades da gestão e dos grupos privados. A cor verde, identificada com o setor, e desenhos em branco – de um mapa mundi e um questionável estetoscópio sobre linhas de batimento cardíaco – ilustram as peças do Conselho dos Secretários de Estado da Saúde (Conass) e Conselho Nacional das Secretarias Municipais da Saúde (Conasems), respectivamente. Se registram a data, ao mesmo tempo, passam mensagens sem política, sem posicionamentos, anódinas. Tudo o que o dia da saúde não deve ser.

A venda de serviços de bem-estar foram as tônicas da Bradesco Saúde, que traz a imagem de uma mulher branca em pose de ioga, e da Unimed, com ilustrações pequenas sobre exercícios físicos e convidando as pessoas a localizarem suas unidades para fazer práticas saudáveis e marcar a hashtag da empresa. Se o Bradesco Saúde ao menos citou o Dia Mundial da Saúde na peça, a Unimed destacou apenas a data 7 de abril, e a Intermédica Notredame, o maior plano privado em clientes na carteira, sequer lembrou da data.

Diversas outras organizações e instituições, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) e o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT), unidades da Fiocruz, e diversas secretarias estaduais e municipais também registraram a data, que merece a efeméride para marcar o direito à saúde como uma conquista, como deve ser: coletiva, em consonância às demandas populares e por inclusão dos segmentos historicamente esquecidos, que articule arte, conhecimento e comunicação em prol de todas as práticas de saúde, que são mais do que assistenciais ou de bem-estar, e que merecem ser celebradas, defendidas e ampliadas todos os dias.

Se você chegou até o final dessa coluna, meu muito obrigado. Fica o compromisso de textos mais curtos e, se quiser saber mais sobre o autor, pode ler a entrevista que dei a Pressenza – International Press Agency, também motivada pela dupla efeméride.

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