Avanços e recuos no Acordo das Pandemias

Novo rascunho de tratado decisivo para a Saúde Global foi divulgado. Seu conteúdo melhorou no que diz respeito à equidade – mas segue muito aquém em temas como flexibilização de patentes e transparência da Big Pharma

Créditos: Press Trust of India
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No Health Policy Watch | Tradução: Guilherme Arruda

O mais novo rascunho do Acordo das Pandemias, apesar de omitir diversas questões operacionais, mantém viva a esperança de que a equidade será levada em conta – em especial por consolidar acordos iniciais para um Sistema de Acesso a Patógenos e Repartição de Benefícios (PABS, na sigla em inglês), uma rede global de logística e suprimentos de saúde e também “instituições e recursos” para a diversificação geográfica da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Na noite da terça-feira passada (16/4), o rascunho simplificado de 23 páginas foi enviado aos estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), antes da reunião final do Órgão de Negociações Intergovernamentais (INB, em inglês) marcada para o dia 29 de abril.

Os componentes “mínimos” previstos para o sistema PABS – um dos pontos mais polêmicos durante as negociações – incluem a reserva de 20% dos produtos de saúde importantes em pandemias para a OMS, a fim de que ela organize sua distribuição entre os Estados mais necessitados, e “contribuições monetárias anuais dos usuários do Sistema PABS”.

A base do sistema PABS, a ser administrado pela OMS, seria “a partilha justa, equitativa e oportuna dos benefícios, tanto monetários como não monetários, decorrentes do acesso ao material e à informação do PABS”. Contudo, as “modalidades, termos e condições e dimensões operacionais” do sistema PABS serão “definidas num instrumento juridicamente vinculante, a entrar em vigor no mais tardar em 31 de maio de 2026”, de acordo com o projeto. O mesmo se aplica aos mecanismos para uma abordagem de Saúde Única, também ainda por criar, prazo igual para 2026.

Conforme noticiado pelo Health Policy Watch, a obrigação dos 194 estados-membros da OMS de se proteger contra pandemias foi inserida no projeto – particularmente em seus artigos 4, 5 e 6. Entretanto, algumas das obrigações internacionais seguem mais no mundo da vontade do que no da prática.

“As diferenças não são intransponíveis”

A embaixadora Amanda Gorely, representante da Austrália nas Nações Unidas, afirmou em um evento em Genebra no dia 17/4 que todas as delegações “precisam se unir e concentrar-se na busca de consensos sobre esses compromissos de alto nível, suas estruturas institucionais e os processos futuros”.

“Temos trabalhado em estreita colaboração com os nossos colegas etíopes na negociação do Artigo 12, que têm sido, penso eu, um dos mais difíceis em termos de divergência de posições. Por isso, realmente apreciamos e reconhecemos o trabalho duro do INB. Ontem à noite, ele fez circular um texto revisado [do Acordo], que estamos todos tentando digerir e nos preparar para participar na próxima sessão”, disse Gorely no debate sediado pelo Centro de Saúde Global do Geneva Graduate Institute.

Embora a Austrália geralmente esteja alinhada com o Ocidente, o país tem mirado em uma posição mais intermediária entre os blocos nas negociações do Acordo das Pandemias.

“Os negociadores, que têm ouvido atentamente uns aos outros durante os últimos meses e que sabem onde podem ser encontrados pontos de concordância, precisam receber um sinal verde para construir o Acordo que precisamos ver acontecer”, continuou a embaixadora.

“Cabe realmente aos negociadores e aos nossos governos permitir-lhes navegar até o ponto do entendimento e, claro, o INB deve desempenhar um papel essencial nesse processo”, opinou Gorely na reunião. O espaço havia sido convocado pelo Centro de Saúde Global do Geneva Graduate Institute, o Conselho Global de Preparação e Monitoramento (GPMB, em inglês) e a Rede de Ação Pandêmica (PAN) para avaliar o progresso nas negociações do Acordo das Pandemias.

O Embaixador da Etiópia, Tsegab Kebebew Daka, afirmou no mesmo evento que “as divergências sobre o texto não são enormes”.

“São principalmente divergências conceituais e não são tantas a ponto de ser impossível chegar a um consenso”, disse Daka, um negociador-chave do Grupo da África.

O que vem a seguir

Havendo acordo sobre o rascunho, o que se espera que aconteça até o final da nona reunião do INB, no dia 10 de maio, ele será encaminhado para a Assembleia Mundial da Saúde da OMS, que se reunirá de 27 de maio a 1º de junho.

Caso o projeto e a resolução que o acompanha sejam aprovados pela Assembleia, algumas questões pendentes terão de ser concluídas. O projeto de resolução propõe a criação de grupos de trabalho sobre as principais delas – sistema PABS, Saúde Única e temas de financiamento –, especialmente para ajudar os países de renda média e baixa a assegurar a implementação de todos os pontos.

O Artigo 21 do projeto prevê que uma Conferência das Partes (COP) seja convocada pela OMS “no máximo um ano após a entrada em vigor do Acordo sobre Pandemias da OMS”. A COP determinará o local e o calendário das sessões ordinárias subsequentes na sua primeira sessão, fará “regularmente” um balanço da implementação do Acordo e analisará o seu funcionamento a cada cinco anos.

Contudo, Nina Schwalbe, chefe da consultora de saúde Spark Street Advisors, acompanhou de perto as negociações e observa que o texto atual “não contém disposições para monitorar o cumprimento dos pontos do Acordo ou detalhes sobre os requisitos de relatórios dos Estados além de que eles devem ser feitos ‘periodicamente’”. Além disso, “falta um grupo de trabalho para a prestação de contas” dos países que assinarem o tratado, ela diz.

Redução na transparência

Nesse mesmo sentido, James Love, diretor da Knowledge Ecology International (KEI), identificou que “houve uma redução significativa nas obrigações de transparência, embora algumas disposições importantes tenham sobrevivido, por exemplo, no ponto do financiamento público” da preparação e resposta às pandemias.

A passagem a que Love se refere está no Artigo 9, que trata de pesquisa e desenvolvimento e afirma: “Cada parte deve garantir que os acordos de pesquisa e desenvolvimento financiados pelo governo para o desenvolvimento de produtos de saúde relacionados à pandemia incluam, conforme apropriado, disposições que promovam medidas oportunas para o acesso equitativo a esses produtos, além de publicar os termos relevantes.”

A transparência sobre a forma como o dinheiro público é gasto em P&D farmacêutica é uma exigência histórica dos militantes da pauta do acesso aos medicamentos.

A cláusula do artigo também detalha as medidas que podem ampliar o acesso, listando ações como “licenciamento e/ou sublicenciamento [de produtos], preferencialmente em regime de não-exclusividade; políticas de preços acessíveis; transferências de tecnologia em termos mutuamente acordados; publicação de informações relevantes sobre os contributos e resultados da investigação; e/ou adesão às estruturas de alocação de produtos adotadas pela OMS.”

Por outro lado, Love qualificou como “lamentável” a remoção de trechos do tratado ligados ao uso das flexibilidades do Acordo TRIPS para permitir um maior acesso a medicamentos.

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