Câncer: as estratégias de tratamento no Sul Global

Aumentam casos da doença no mundo – mas também avançam pesquisas e novos tratamentos. Cúpula Anticâncer China-América Latina debateu medidas para mitigá-la. Entre elas, fortalecer saúde pública e apostar na medicina preventiva

Serviço de Radiologia Intervencionista do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), em Salvador. Foto: Ascom HGRS
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Estima-se que, entre 2023 e 2025, cerca de 700 mil brasileiros receberão o diagnóstico de câncer por ano. Os números estão crescendo. Mais de 9 milhões de pessoas morrem em decorrência da doença anualmente, em todo o mundo. E 70% das mortes acontecem em países de renda baixa e média, segundo a OMS. Para debater estratégias de mitigação do problema, foi realizada a Cúpula Anticâncer China-América Latina, evento virtual que reuniu pesquisadores brasileiros e asiáticos. O evento virtual, que aconteceu na manhã desta quarta-feira, 23/8, foi organizado pela Rede de Institutos e Instituições Nacionais de Câncer e a Sociedade Latino-Americana e Caribenha de Oncologia Médica (Rinc/Slacom), vinculados à Organização Pan-Americana de Saúde, além da Associação Chinesa de Controle do Câncer (CACA).

Mediado por Anna Lee, vice-presidente da Sociedade Anticâncer de Hong Kong, o encontro é mais um acontecimento que reforça os laços do Sul Global na concepção de estratégias e políticas públicas de acordo com as condições e necessidades de suas nações e populações. 

“Estratégias de combate ao câncer não dependem só de dinheiro. Países árabes têm estruturas excelentes, mas poucos profissionais. Países mais pobres como Costa Rica e Uruguai têm estratégias de prevenção eficientes”, explicou o presidente da Slacom, Eduardo Cazap. Ele usou o país platino, que já foi presidido pelo oncologista Tabaré Vazquez, como um caso de sucesso em meio a limitados recursos materiais. “Há cobertura universal, é um país considerado livre de cigarro, tem políticas preventivas e um Comitê Nacional de Câncer para direcionar prioridades”, destacou.

Anna Lee, em sua fala, ainda frisou a necessidade dos cuidados holísticos, isto é: levar em conta conhecimentos tradicionais, a exemplo da milenar medicina chinesa, além das condições territoriais de cada local. Ela foi acompanhada por Daiming Fan, presidente da CACA, que aproveitou para mencionar os esforços chineses por melhorar suas taxas de recuperação de pacientes com a doença.

“Contextos epidemiológicos são diferentes, de acordo com as condições da população e do ambiente. Precisamos garantir diagnóstico, tratamento e reabilitação. Em nosso âmbito, já promovemos apresentações públicas e virtuais com as nossas diretrizes, que já foram assistidas por mais de 2 bilhões de vezes em 89 sessões”, explicou.

No evento, os pesquisadores destacaram que o mundo vive um grande momento de avanço em pesquisas e tratamentos de combate ao câncer. Paralelamente, técnicas de rastreamento genômico e inteligência artificial multiplicam as possibilidades de pesquisa a níveis outrora inimagináveis. “Estamos avançando em sequenciamento genético e coleta de dados, o que facilita a possibilidade de rastreamento, prevenção, tratamento. Profissionais que trabalham na área da oncologia têm a percepção de que a abordagem do tema avança nas mais diversas esferas da sociedade civil”, explicou o médico oncologista Daniel Campos, em sua exposição.

No entanto, tanto ele como os demais participantes alertam que a medicina preventiva, no Brasil colocada em prática na Atenção Primária em Saúde, é fundamental para o sucesso na redução desta enfermidade na população. “São muitos projetos de genoma e grupos de pesquisa, mas só 14 países têm planos de controle do câncer, pois todos consideram a prevenção de importância secundária, e neste aspecto os projetos genômicos poderiam ser bem usados”, alertou Campos.

No mundo, são quase 20 milhões de diagnósticos anuais por câncer. Ao menos 80% delas se concentram na Ásia, Europa e Estados Unidos. No entanto, a América Latina pode ver suas taxas se ampliarem, uma vez que seus sistemas de saúde vivem sob a ameaça permanente de precarização e desfinanciamento. Trata-se da segunda causa de mortes na região. Apesar de os óbitos terem sido reduzidos, o Brasil não está próximo de atingir suas metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030.

“O controle de câncer deixou a desejar na América Latina durante a pandemia. Espera-se aumento da incidência do câncer, com aumento de 67% até 2030”, afirmou Luiz Santini, ex-presidente do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Em 2020, ocorreram aproximadamente 1,4 milhões de diagnósticos da enfermidade e 600 mil mortes na América Latina, cerca de 35% no Brasil. Até 2030, dados diversos fatores, como envelhecimento da população associado a mais diagnósticos e avanços no tratamento, a mortalidade deve diminuir, ainda que sob aumento da quantidade de casos.

Para Santini, a política pública de prevenção e controle do câncer passa por cinco grandes eixos, parte deles já razoavelmente estruturados no Brasil e no SUS: 1) fortalecimento da estrutura de saúde, para prevenir e rastrear a doença mais rapidamente; 2) garantia do acesso universal; 3) fortalecimento das redes de apoio a pacientes e seus familiares, desde o diagnóstico até a reabilitação; 4) fortalecimento ou criação de comissões nacionais do câncer, capazes de elaborar e implementar políticas públicas; 5) ampliação da base de dados públicos, fundamentais para a análise das condições epidemiológicas da população e posterior elaboração de estratégias de promoção de sua saúde.

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