O legado de Allende para a Saúde Coletiva

Golpeado há 50 anos, presidente do Chile deixou, desde a década de 1930, contribuições pioneiras para o Direito à Saúde. Análises da “realidade médico-social chilena”, políticas públicas de êxito e concepções sanitárias avançadas compõem sua obra de médico e político

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O golpe de 11 de setembro de 1973, que acaba de completar 50 anos, deixou um rastro de destruição no Chile. Segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação do país, foram mais de 3 mil mortos e desaparecidos, sem falar dos 27 mil torturados e 200 mil exilados. Caladas as vozes dissidentes, privatizaram-se os serviços públicos e as riquezas naturais. Mas para que se implantasse esse regime de autoritarismo e miséria, foi preciso suprimir tanto uma tentativa de superar o capitalismo por via eleitoral, encabeçada por Salvador Allende, quanto suas conquistas sanitárias.

Médico de formação, Allende costuma ser lembrado pelo programa político ousado, humano e socialista que levou à presidência de seu país. Mas pouco se diz acerca de sua luta, de toda a vida, em prol da ampliação do acesso do povo à saúde.

Reunindo uma série de documentos e estudos publicados ao longo das últimas décadas, Outra Saúde reconstrói para seus leitores as contribuições de Salvador Allende Gossens para a saúde chilena. São lições úteis para toda a América Latina. A trajetória do ex-presidente vai de pioneiros escritos em defesa de uma “medicina social” nos anos 30 a uma pouco conhecida passagem pelo Ministério da Saúde nos anos 40. Passa também por uma participação decisiva como senador na construção de um Sistema Nacional de Salud (inspirado no NHS britânico e na saúde soviética) e pela implementação de medidas de participação popular em saúde e fortalecimento da soberania sanitária chilena durante sua presidência. E é notável que incorpore, desde o início, princípios de enorme atualidade. Estão entre eles o acesso universal e integral à saúde, a prioridade às práticas preventivas e à atenção básica, o combate à cultura hospitalocêntrica, a valorização de um conjunto de profissões, além do médico, a territorialização do atendimento e a participação popular na gestão das políticas e equipamentos de Saúde.

Vale conhecer este legado.

Da “vanguarda médica” à política

Estudante na Escola de Medicina da Universidade do Chile até o início da conturbada década de 1930, Allende foi membro da Vanguarda Médica, “círculo de jovens médicos de Valparaíso” que publicava suas ideias no Boletín Médico de Chile. Inclinados à esquerda, os membros da vanguardia se interessavam profundamente pela interligação dos fatores “pobreza-saúde-doença” e reivindicavam políticas formuladas a partir de uma compreensão social da saúde.

Allende, já presidente, visita o centro hospitalar da Universidade onde se formou (Créditos: Fundação Salvador Allende Gossens)

Chamava a atenção desses médicos chilenos a força do movimento operário do país, que punha no centro de suas bandeiras a saúde dos trabalhadores. Como relembra a pesquisadora da Fiocruz Maria Eliana Labra, a Federação Operária do Chile, hegemonizada pelos comunistas, havia conquistado ainda na década de 1920 a Lei 4.054/1924, que organizou o Seguro Operário, de adesão obrigatória. Considerada “pioneira”, a legislação previa o atendimento “ao segurado, esposa e filhos de até dois anos em ambulatórios próprios”, além da criação de uma Caixa que financiava “aposentadorias, auxílios e […] casas populares”.

Nesse período, Allende deu seus primeiros passos na política da saúde. Presidiu o Centro de Estudantes de Medicina de sua universidade, coordenou uma Conferência Médica Pan-americana e ajudou a fundar a Associação Médica do Chile (Amech) – precursora do atual Colégio Médico do Chile (Colmed), que por ironia da história ajudaria a derrubá-lo em 1973.

Paralelamente, em um contexto de ascensão do fascismo no Chile e no mundo, surgiu no país em 1937 a aliança política conhecida como Frente Popular, pacto entre o Partido Comunista do Chile (PCCh), o Partido Radical (PR) e o Partido Socialista (PS). Allende, que havia sido um dos fundadores do PS menos de cinco anos antes, era uma das lideranças da coalizão.

Vitoriosa por uma margem de menos de 1% dos votos, a Frente Popular levou o radical Pedro Aguirre Cerda à presidência  nas eleições de 1938. O pleito foi marcado por uma tentativa de golpe de Estado fascista, em que, não coincidentemente, paramilitares de extrema-direita perpetraram um massacre no prédio do Seguro Operário. Após a posse do novo governo, Allende foi convidado por Cerda a assumir o Ministério da Saúde, onde passou 3 anos.

Allende (direita) em um comício do PS, em 1940, quando ministro.

Já ministro, em 1939, Allende publicou A realidade médico-social chilena, síntese de sua visão do tema. O livro (disponível para consulta na biblioteca digital da Universidad de Chile), cujo título já sugere a abordagem adotada para investigar as causas dos problemas de saúde da população do Chile, defende que “reformas pontuais no sistema de saúde seriam ineficazes caso não fossem acompanhadas por amplas transformações estruturais na sociedade”, como explica Howard Waitzkin, professor de Medicina de Família e Comunidade na Universidade do Novo México.

“Recusando-se a discutir os problemas de saúde isoladamente”, Allende recomenda em seu livro medidas como o aumento dos salários, a distribuição de leite para as crianças famintas, a construção de boas casas para as famílias e a realização de uma reforma agrária como caminhos para melhorar a saúde dos chilenos. Não ficou de fora a discussão sobre o imperialismo, que afeta a saúde dos trabalhadores dos países periféricos ao se tornar um fator que pressiona por sua superexploração.

Em seu livro de mais de oitenta anos atrás, o médico socialista aborda até mesmo a questão dos direitos reprodutivos das mulheres. Ele alega que a impressionante mortalidade de 30% das pacientes hospitais ginecológicos se concentrava nas trabalhadoras por ser este o principal segmento a ter que recorrer a formas clandestinas de abortamento, pressionadas pela ilegalidade e pela discriminação de classe.

Arrematando um argumento sobre a correlação direta entre o desenvolvimento econômico e a redução da incidência de doenças como a tuberculose, Allende conclui ao fim que “tudo isso significa que a solução dos problemas médico-sociais do país exige precisamente a solução dos problemas econômicos que afetam as classes proletárias”.

Diversos estudiosos levantam a hipótese da influência de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, brochura de Friedrich Engels que se debruça sobre as condições de vida degradantes dos operários naquele país no século XIX, sobre o livro de Allende.

Sua atuação no ministério se pautou pela inseparabilidade de fatores que expôs em seu livro. Ao implementar a fusão de órgãos anteriormente descoordenados das áreas de saúde, assistência social e proteção ao trabalhador, Allende centralizou as ações governamentais, dando passos iniciais mas decisivos para a criação de um sistema público de saúde a nível nacional. O ministro também ordenou a realização do primeiro Cadastro da Saúde Pública Chilena, que organizou pela primeira vez as informações sobre os equipamentos de saúde existentes no país. 

Os resultados vieram rápido: em um dos relatórios que enviou ao parlamento chileno, Allende pôde anunciar o fim de uma epidemia de tifo que assolava o país desde 1932, a redução da epidemia de infecções sexualmente transmissíveis que sempre afetou os portos do país, e o êxito do socorro rápido às vítimas do terremoto de Chillán.

No berço do SNS

Do fim do governo de Aguirre Cerda, em 1942, até sua histórica vitória de setembro de 1970, Salvador Allende só passou dois anos sem mandato: o médico de Valparaíso foi eleito senador em 1944 e se reelegeu três vezes. No Legislativo, sua atuação também se destacou pela dedicação às políticas de saúde. 

De suas articulações surgiu a Lei 10.383/1952, que criou o Sistema Nacional de Salud (SNS), sistema público de saúde que vigorou no Chile até ser desmantelado pela ditadura. No ano seguinte, Allende participou da formulação da política expressa no Decreto 856/1953, que prevê a estruturação de uma carreira para os servidores da saúde pública e determina que esses profissionais sejam recrutados exclusivamente através de concursos. 

Capa do Diário Oficial do Chile do dia em que se publicou a lei que fundou o SNS.

O SNS, como explica Howard Waitzkin, foi o “primeiro programa das Américas a garantir acesso universal a serviços de saúde”. Segundo Juan Carlos Concha, ministro da Saúde do governo de Allende, a territorialização do SNS baseava-se em um modelo criado por Nikolai Semashko, Comissário do Povo para a Saúde Pública de 1918 a 1930 na Rússia Soviética. O SNS espalhava “policlínicas ambulatoriais integrais preventivo-curativas” pelo Chile, ele diz, e nesses equipamentos deveriam estar “equipes multidisciplinares de saúde”, e não apenas solitários médicos como no NHS britânico.

No centro da doutrina do SNS, estava a meta da “cobertura de 100% da população com ações de promoção da saúde e prevenção das doenças”. Por isso, explica Concha, o Estado orientava-se pela diretriz de que o centro de gravidade do sistema devia estar nos centros de salud locais, e não nos hospitais.

Como se vê, muitos princípios do SNS tem paralelo nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Também há identidade no inquestionável êxito de ambos, sustentado por dados concretos: o SNS conseguiu chegar a oferecer assistência a cerca de 90% da população chilena, concluiu um estudo citado por Maria Eliana Labra.

A Unidade Popular e a saúde

Essa paulatina implementação da visão de Allende na saúde chilena alcançou um novo patamar com a histórica coligação da Unidade Popular (UP), aliança entre socialistas, comunistas e radicais que venceu as eleições de 1970 e pôs à frente do Estado chileno um médico que se apresentava como marxista.

Livreto do programa da UP (Créditos: Biblioteca da Universidad de Chile)

No programa que sustentou nas eleições de 1970, a UP apresentou seu objetivo de “assegurar a atenção médica e dentária preventiva e curativa a todos os chilenos”, mas adiantou que a participação popular seria decisiva para o cumprimento da promessa: “a população será incorporada à tarefa de proteger a saúde pública”, diz o documento. Quanto à oferta de medicamentos, o programa defendeu que eles fossem “disponibilizados em quantidade adequada e a preços baixos”.

Analisando as “primeiras quarenta medidas” que a UP prometia implementar assim que Allende chegasse à presidência, o professor catalão José María Sabio Bermúdez ressalta que “pelo menos um quarto tem relação direta com a saúde”. Algumas delas são a previdência para todos (nº 8); melhor alimentação para os bebês (nº 14); leite para todas as crianças do Chile (nº 15); consultório materno-infantil em todas as cidades (nº 16); combate ao alcoolismo (nº 18); casa, luz e água potável para todos (nº 19); assistência médica sem burocracia (nº 25); consultas médicas gratuitos em todos os hospitais (nº 26); fim das altas nos preços dos remédios (nº 27).

Com um ano no poder, os êxitos já se acumulavam de forma veloz. Os números são fornecidos pelo próprio Allende, em discurso no Estádio Nacional pela ocasião do 1º aniversário do governo da UP: “na saúde, as consultas aumentaram em 11%. As consultas de emergência, 33%. As internações aumentaram em 10%, mas ouçam bem, companheiros: cresceu em 52% a entrega de leite às crianças do Chile. O meio litro de leite será realidade para  seus filhos, companheiros!”

Calcado na importância da boa nutrição para o bem-estar, o Programa Nacional do Leite talvez seja uma das políticas mais importantes do governo da Unidade Popular. O ministro Concha relembra que “o programa de alimentação complementar chegou a distribuir quarenta e cinco milhões de litros de leite”, sendo decisivo para a erradicação da desnutrição mantida até hoje pelo país.

Propaganda do Plano Nacional de Leite produzida pelo SNS.

No mesmo ano, através do Decreto 602/1971, Salvador Allende também criou os Conselhos Locais de Saúde, instância em que se concretizou a participação popular convocada pelo programa de governo. Em cada estabelecimento do SNS, era obrigatória a existência de um Conselho, integrando Estado, trabalhadores da saúde e povo, representado por entidades de bairro e organizações de trabalhadores e camponeses. 

O passo “democratizou as estruturas do Sistema Nacional de Saúde, para que a formulação de políticas locais não ficasse só nas mãos dos médicos”, opinou em uma entrevista Gustavo Molina Guzmán, colega de Allende no movimento estudantil de medicina nos anos 30 e subsecretário de Saúde no governo da Unidade Popular.

Seguindo esse princípio de diversificar o sistema de saúde para além dos formados em medicina, o número de enfermeiros do SNS cresceu em 17,8% e o de dentistas em 31,5%, enquanto o de médicos subiu apenas 6,6%.

A área da saúde do trabalhador foi estimulada com a capacitação de operários – 3 mil só em 1971 – para a participação nos Comitês Paritários de Higiene e Segurança Industrial que também passaram a ser exigidos por lei.

Um ensaio da decana da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, professora Cecília Sepúlveda Carvajal, recapitula os programas da UP que, além de trazer avanços concretos para a população, fortaleceram a concepção de que a saúde não se resume ao hospital, e parte de determinantes sociais para se concretizar na vida social cotidiana. Para ela, as “medidas para melhorar a proteção social e a qualidade de vida das famílias mais necessitadas foram: a criação do Ministério da Proteção Social, a nivelação de forma igualitária de todos os benefícios familiares, a matrícula completamente gratuita e o fornecimento de livros, cadernos e materiais escolares sem custo para todos os jovens do ensino básico, um café da manhã para todos os estudantes e um almoço aos que os pais não conseguiriam oferecê-lo, a instalação de consultórios materno-infantis em toda as cidades e o oferecimento de exames e medicamentos gratuitos”.

Legado em disputa

O golpe de 1973, como nunca se pode deixar esquecer, deixou um rastro de destruição no Chile: o SNS não resistiu à ditadura. Em 1979, o sistema foi privatizado e substituído pelo Fundo Nacional de Saúde (Fonasa, na sigla em espanhol), órgão que ressarce as operadoras particulares que prestam serviços de saúde aos chilenos, em uma transferência massiva de recursos públicos para bolsos privados que já dura quatro décadas. O estudo de Labra aponta que a cobertura de saúde foi reduzida em pelo menos 15% da população com essa mudança.

A previdência social, que Allende insistia desde os anos 30 que devia ser integrada à saúde, também foi privatizada. No lugar do sistema público cuja história remetia ao Seguro Operário dos anos 20, foram criadas as AFPs, Administradoras de Fundos de Pensão. 

Porém, o fato de que as principais políticas de saúde defendidas e implementadas por Allende em suas mais de quatro décadas de vida pública tenham sido desmanteladas não significa que sejam impopulares, apesar do esforço para que sejam esquecidas. 

Protesto com cartazes contra a previdência privada no Chile.

Pelo contrário, a previdência social privada é tão detestada pela população chilena que uma das principais bandeiras dos enormes protestos de 2019 era “No+AFP”, ou “AFP nunca mais”. Por sua vez, as cobranças das operadoras de saúde privada são tão abusivas no país que um órgão estatal calcula que elas devem hoje a inacreditável cifra de US$1,4 bilhão aos chilenos – que articulam manifestações pelo ressarcimento de seu dinheiro.

Por anos, o povo do Chile tem se manifestado em favor da retomada do caráter público da saúde – sendo ignorado, até o momento, pelo recuado e acuado governo de Gabriel Boric. Mas em outras partes do continente, a concepção de medicina social que orientou os esforços de Allende é a mesma que está dando base à reconstrução do SUS no Brasil e à criação de novos sistemas públicos de saúde na Bolívia e na Colômbia.

Nestas lutas pelo direito à saúde em toda a América Latina e na lembrança que fazemos de suas iniciativas pioneiras, segue vivo o espírito do médico chileno que em um 11 de setembro há cinquenta anos, sob fogo cerrado dos golpistas, não titubeou em afirmar que “mais cedo que tarde, ainda se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor”.


BIBLIOGRAFIA

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Lei nº 10.383/1952 do governo do Chile. Disponível em: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=26387


Este texto é dedicado a Eduardo Miño, trabalhador chileno que ateou fogo ao próprio corpo e morreu em frente ao palácio presidencial de La Moneda em 2001, em um protesto contra o descaso dos seguidos governos neoliberais com a saúde do povo do Chile. Miño sofria de um caso grave de asbestose, doença pulmonar causada pela inalação prolongada de amianto, muito comum entre operários da construção civil e da indústria como ele. Miño deixou uma carta, que disponibilizo, traduzida:

“À opinião pública:

Meu nome é Eduardo Miño Pérez, carteira de identidade nº 6.449.499-K, de Santiago. Militante do Partido Comunista. Sou membro da Associação Chilena de Vítimas do Amianto. Essa entidade reúne mais de quinhentas pessoas que estão doentes e morrendo de asbestose. Participam também as viúvas dos operários da indústria Pizarreño, as esposas e os filhos que também estão doentes meramente por morar no povoado junto à fábrica.

Já morreram mais de 300 pessoas de mesotelioma pleural, o câncer produzido pela inalação do amianto. Faço este supremo protesto denunciando:

1 – A indústria Pizarreño e sua holding internacional, por não haver protegido os trabalhadores e suas famílias do veneno do amianto.

2 – A Mutual de Seguridad [plano de saúde privado], por maltratar os trabalhadores doentes e enganá-los sobre sua saúde.

3 – Os médicos da Mutual, por tomarem o lado da empresa Pizarreño e mentirem aos trabalhadores, não lhes falando de sua doença.

4 – Os organismos de governo, por não exercerem sua responsabilidade de fiscalização e não ajudarem as vítimas.

Faço essa forma de protesto, última e terrível, em plenas condições físicas e mentais, como forma de deixar na consciência dos culpados o peso de seus crimes. Essa imolação, digna e consequente, também a faço contra os grandes empresários, culpados do drama do desemprego, que se traduz em impotência, fome e desespero para milhares de chilenos. Contra a guerra imperialista que massacra milhares de civis pobres e inocentes para aumentar os lucros da indústria armamentista e criar uma ditadura global. Contra a globalização imperialista hegemonizada pelos Estados Unidos. Contra os ataques prepotentes e covardes ao Partido Comunista do Chile. Minha alma, que transborda humanidade, já não suporta tanta injustiça.”

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