A pedagogia rebelde e decolonial de Djonga

Seu refrão “fogo nos racistas!” tornou-se hino da juventude periférica. Como ocorreu com Césaire, o rapper mineiro é acusado de “racismo reverso”. Mas ele não recua e ensina a atualidade – e legitimidade – da raiva do povo preto

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Este é o terceiro texto de um ensaio intitulado: A pedagogia decolonial de “Fogo nos racistas!”. Leia os outros dois textos aqui: 1 e 2.

A consciência da identificação do sujeito histórico que ganha voz e vez no rap é a observação mais forte do rapper Djonga. Fora da cena nacional, Gustavo Pereira da Silva, também conhecido como Djonga, começou a fazer rap aos 23 anos durante as batalhas de freestyle no centro de Belo Horizonte. Apesar de ser uma das principais capitais com uma das maiores populações periféricas do país, Belo Horizonte nunca esteve no centro do rap nacional. A maior parte da produção e investimento de mídia e arte no Brasil está concentrada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sem gravadora, da periferia da produção musical e fundamentalmente focado em sua realidade local, o rapper mineiro se torna “o rei”. Então, vamos “abrir alas para o rei”.

Fogo nos racistas!

“Arte é pra incomodar”, disse Djonga sorrindo, tomando cerveja gelada num copo lagoinha, típico dos botecos mineiros. Ele estava sendo entrevistado em casa pelo influente jornalista brasileiro Pedro Bial. A entrevista aconteceu remotamente, por conta das restrições da covid-19, no dia 17 de novembro de 2020. Semanas antes dessa entrevista, Djonga estampava a manchete do mais relevante telejornal brasileiro, o Jornal Nacional, que dizia: “com um trabalho focado em antirracismo, o rapper mineiro Djonga é o único representante brasileiro em um prêmio internacional de hip-hop”, anunciou ao vivo no horário nobre da TV aberta. A indicação foi de melhor artista internacional no BET Hip Hop Awards 2020, a primeira indicação brasileira de todos os tempos, motivada pela repercussão e crítica do quarto álbum de Djonga, Histórias da Minha Área (2020). O entrevistador pergunta:

Bial: ‘BET’ significa Black Entertainment Television, uma rede de arte negra que acaba de completar 40 anos. Ser indicado para este prêmio, como você foi… Este é o Oscar da arte negra?

Djonga: É assim… Do ponto de vista de um cara que faz rap no Brasil é ainda mais importante [a indicação ao BET Awards] por causa da barreira da língua… Vendo aquele hip-hop, o movimento hip hop começa lá [nos Estados Unidos], rompemos essa barreira de linguagem e fazemos com que as pessoas de lá nos notem aqui, e admirem nosso jeito de fazer rap, de fazer música, de fazer arte, de nos expressar politicamente. 

É realmente notável que um jovem negro então com 25 anos de idade, vindo das favelas de Belo Horizonte, estampasse as capas das revistas e fosse destaque no noticiário nacional em 2020 como uma conquista do país. O Brasil em 2020 deve ser observado no contexto do pico de desmonte de direitos do devastador governo de extrema-direita de Bolsonaro, com o legado de mais de 600 mil mortes por covid-19, e crescentes manifestações conservadoras violentas pelo país. Celebrar Djonga no noticiário nacional em tal conjectura poderia ser considerado uma forma de informar à nação que sua vida e obra valeriam a pena conhecer porque ele estava prestes a representar o Brasil internacionalmente. O que é marcante não é tanto o seu atual status de celebridade internacional, mas o que ele diz e representa. A arte de Djonga evidencia a consciência de sua subjetividade colonial e o poder de registrar a história ao mesmo tempo em que aborda as origens de sua alegria e dor. Ele preenche a lacuna linguística de uma maneira que informa e se estabelece como protagonista de reações na grande mídia.O single Olho de Tigre, de 2017, é um exemplo da combinação de consciência subjetiva e poder histórico. Lançada pelo selo Pineapple Storm TV no Youtube, a música tem mais de 23 milhões de visualizações nesta plataforma. O vídeo de Olho de Tigre faz parte de uma lista de perfis de vários artistas apresentando seus trabalhos relacionados à cena hip hop e ao rap. Olho de Tigre logo se tornou um hino antirracista por causa de seu refrão, fogo nos racistas!, carregando uma raiva lírica contra a branquitude e uma poderosa afirmação da negritude. Embora o single nunca tenha sido gravado em um álbum, a música é a mais esperada e mais cantada pelo público nos shows. No entanto, Djonga foi severamente criticado por ser muito zangado, sendo apontado por “racismo reverso” e por supostamente incitar a violência contra os brancos. A superficialidade de tal controvérsia informa que ao abordar as colonialidades do ser, do saber e do poder, deve haver uma reação controlada à violência colonial. Além disso, Djonga foi criticado por ocupar a grande mídia, sob as alegações de que isso poderia esvaziar a importante mensagem antirracista de seu significado, desviando a discussão ou limitando-a pejorativamente a uma manifestação irada. O rapper Emicida explica o fenômeno em “Mandume”, de 2015:

Eles querem que alguém
Que vem de onde nós vem
Seja mais humilde, baixe a cabeça
Nunca revide, finja que esqueceu
A coisa toda
Eu quero é que eles se…
(Emicida, “Mandume”, 2015, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa)

Até que ponto o alcance e a popularidade do refrão “fogo nos racistas! pode desempenhar um papel pedagógico decolonial de massa? Essa pergunta é respondida após o panorama das possibilidades pedagógicas para a conscientização das opressões, desencadeadas por movimentos artísticos e culturais como os exemplos da Négritude e o movimento hip hop. Os dois movimentos têm em comum a abordagem da subjetividade e do lirismo do ser racializado ao descrever, registrar e difundir a potência de sua existência. A experiência pedagógica de aprender com a arte está além da sala de aula, da teoria e do experimento científico. Dessa forma, a arte envolve os sentidos, a memória e as emoções com as informações que contém, em determinado contexto. Tanto a Négritude quanto os movimentos hip hop informam sobre a violência colonial e iluminam a consciência subjetiva.

Historicamente, os movimentos artísticos e culturais negros são fundamentais para a elaboração das subjetividades, impactando na forma como os jovens aprendem sobre si mesmos e sobre sua história. Isso porque os saberes predominantes ensinados nas escolas e na academia ignoram intencionalmente sua ferida colonial, impondo uma compreensão do mundo que conflita com suas percepções e experiências. Artistas e movimentos culturais negros subvertem as pedagogias eurocêntricas e possibilitam o aprendizado a partir de uma gama de fatores mais ampla e coerente, ultrapassando os limites permitidos pelo discurso dominante. Do início do movimento da Négritude na década de 1930 até a cena hip hop do século XXI, abordar a violência colonial é reagir a ela. Os expoentes de tais movimentos transmitem sua mensagem por meio de pedagogias subversivas decoloniais. Como o fogo, o aprendizado decolonial pode levar a consequências imprevisíveis, escapando ao controle dos colonizadores. Audre Lorde diria que as ferramentas dos patrões nunca desmantelarão a casa dos patrões (Lorde, 2017). As pedagogias subversivas decoloniais têm tal poder desmantelador. 


“Aquele Hitler o habita

Um boy branco me pediu um high five
Confundi com um Heil, Hitler
Quem tem minha cor é ladrão
Quem tem a cor de Eric Clapton é cleptomaníaco
Na hora do julgamento Deus é preto e brasileiro
E pra salvar o país Cristo é um ex-militar
Que acha que mulher reunida é puteiro

Sensação, sensacional
Sensação, sensacional
Sensação, sensacional
Firma, firma, firma
Fogo nos racistas!
(Djonga, Olho de Tigre, 2017)

Os dois primeiros versos de Olho de Tigre evidenciam a desconfiança em relação ao boy branco como um nazista em potencial: “Um boy branco me pediu um high five / confundi com um ‘heil, Hitler’”. A aproximação do menino branco fazendo o gesto de levantar uma mão sobre a cabeça como uma saudação ou comemoração, esperando bater a palma da mão contra a palma da outra pessoa, é percebida por Djonga como uma demonstração do que a branquitude apoia. Enquanto o boy branco convida para “comemorar juntos”, Djonga interpreta sua ação como o ato contínuo de violência racista. Referir-se ao “amigável” boy branco como nazista implica na percepção da branquitude como violência. Esse “Hitler interno” foi abordado por Aimé Césaire no clássico ensaio anticolonial Discurso Sobre o Colonialismo, publicado pela primeira vez em 1950. Para Césaire, o colonizador é brutalizado até a selvageria para justificar a colonização, aplicando sua própria violência contra si mesmo. Hitler e o hitlerismo não são exceções das potências europeias, mas sim sua própria natureza:

Sim, valeria a pena estudar clinicamente, em detalhes, os passos dados por Hitler e o hitlerismo e revelar ao burguês muito distinto, muito humanista, muito cristão do século XX que, sem que ele se desse conta, ele tem um Hitler dentro dele, que Hitler o habita, aquele Hitler é o seu demônio, que se o insulta, está a ser inconsistente e que, no fundo, o que não pode perdoar a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem como tal, é o crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco, e o fato de ter aplicado à Europa procedimentos colonialistas que até então eram reservados exclusivamente aos árabes da Argélia, o servos da Índia, e as pessoas negras da África (Césaire, 1955, p. 36; itálicos no original).

Tanto Djonga quanto Césaire abordam uma suposta “inocência” do homem branco, como no alegre gesto de high five do boy branco, ou do salvador humanista ocidental e seus direitos humanos universais (Césaire, 1955, p. 37). As duas obras mencionadas (a canção Olho de Tigre e o ensaio Discurso Sobre o Colonialismo) têm em comum o endereçamento da condição dos racistas: “ninguém coloniza inocentemente”. A assunção dos brancos como ameaças é uma identificação da subjetividade dos autores. Como constitutiva do sujeito colonial, a morte é uma ameaça constante, não “um fator individualizador” (Maldonado-Torres, 2007, p. 250), pois a constituição do “eu” do colonizado parte da desumanização e aniquilação de sua cultura e ancestralidade (Fanon, 1990, p. 190-99).Ao longo de suas vidas artísticas, Césaire e Djonga tiveram que lidar com a reação de abordar sua raiva lírica em relação à desumanização histórica repetida como consequência da opressão branca. Nesse sentido, chamar os brancos de “nazistas” ou “Hitler” parece ser mais problemático do que racismo. Ambos os poetas, em diferentes épocas históricas, foram acusados ​​de vitimização da raça negra, de “exagerar dramaticamente para fazer um ponto”, ou mesmo de que seu método de dar voz à sua revolta seria substituir um mal por outro. No ensaio Orfeu Negro, de 1951, Jean-Paul Sartre refere-se ao movimento da Négritude como um “racismo antirracista” (Sartre; Allen, 1951). A análise controversa de Sartre vê a Négritude como um estágio antitético em uma dialética histórica hegeliana a ser substituída eventualmente por uma síntese (Davis, 1997, p. 53; p. 188). Césaire discutiu a questão no ensaio Discours sur l’art africain (Discurso sobre a arte africana), de 1966:

Essa noção de negritude, alguns se perguntaram se não era racismo. Acredito que os textos falam por si. Basta lê-los e qualquer leitor de boa fé perceberá que, se a Négritude implica enraizar-se em determinado solo, a Négritude também é transcendência e expansão no universal. (…) O aparecimento da literatura da Négritude e da poesia da Négritude só produziram tal choque porque perturbavam a imagem que o branco tinha do negro, que marcavam com suas qualidades, com seus defeitos, portanto com sua carga de homem; no mundo de abstrações e estereótipos que o homem branco até então havia inventado unilateralmente sobre ele (Césaire, 1973, p. 103).

O aceno do boy branco é um sinal de pacificação, ao qual Djonga responde com memória histórica. O rapper informa a consciência de um elemento subjetivo constitutivo do boy branco “pacífico”: a certeza de que a superioridade branca vem à custa da opressão. O reconhecimento e a marca histórica da violência que estrutura a branquitude é recebido pelos brancos como a retribuição dessa violência. Na canção “Junho de 94”, do álbum O Menino Que Queria Ser Deus (2018), o rapper responde ao ódio sofrido:

Tive que ouvir que eu tava errado por falar pro ceis
Que seu povo me lembra Hitler
Carregam tradições escravocratas
E não aguentam ver um preto líder
(Djonga, “Junho de 1994”, O Menino Que Queria Ser Deus, 2018)

Como escreve Césaire, o choque causado pela manifestação artística raivosa reside na ruptura da diferença sub-ontológica (de sujeição) criada pela hierarquização das raças. As vítimas dessa estrutura de opressões são negadas, no sentido de que falar com o colonizador significaria falar a língua do colonizador, mas, nessa linguagem, os racializados são negados de qualquer humanidade e, portanto, não podem falar. No entanto, a verdade dos fatos históricos é obscurecida pela supressão ontológica e pela aniquilação epistêmica, alinhada com a violência física institucional. Isso levou a uma busca constante, por parte dos brancos ofendidos, de desculpas e explicações para tamanha raiva. Em 1966, Césaire foi obrigado a informar que o “leitor de boa fé” compreende que a Négritude visa a atribuição das palavras à existência epistêmica a partir do local ao universal. De forma semelhante, em 2020, Djonga teve que explicar o significado de seu hino “fogo nos racistas!” na entrevista com Pedro Bial:

Bial: Um dos seus hinos, diverso, mas com um bordão, como um slogan, é “fogo nos racistas!”. Quando você grita “fogo nos racistas!”, onde termina a poesia e começa o que poderia ser chamado de “incitação à violência”?

Djonga: Não sei. Não sei onde começa o Djonga nem onde termina o Gustavo. Como saberia onde está a poesia, se o que estou dizendo é verdade? Aquele cara que diz que não está com raiva… que não tem hora que ele quer se vingar da violência que está sofrendo… Esse cara está mentindo. Todo mundo sofre [violência]. Às vezes você expressa isso em ação, às vezes em palavras – isso é um fato. Quando eu disse aquilo ali, eu estava dizendo aquilo ali. É simples. Quando eu digo fogo nos racistas! estou dizendo: fogo nos racistas! É muito difícil para mim controlar as reações e saber até que ponto o que eu estava falando era um grito artístico ou um grito real. Eu seria um hipócrita se dissesse o contrário. Em um mundo onde esses caras nos incendiaram no passado, é muito triste saber que só de dizer isso em uma música, de alguma forma assumindo que… Porque eu nunca coloquei fogo em ninguém, sabe? Em um mundo onde esses caras [a polícia] vão na favela e colocam balas na cabeça de um garoto de 14, 13 anos, ou até mais novo, que não fez nada! Neste mundo, é estranho que as pessoas às vezes se aborreçam com as coisas que, ao lado de tudo isso, são coisas muito pequenas.

O rapper coloca em perspectiva as reações negativas contra sua raiva lírica. A sugestão de incitação à violência é, novamente, uma forma de inserir uma aura de ofensa criminal a um jovem negro. No direito penal brasileiro, os artigos 286 e 287 do Código Penal de 1940 tratam da incitação ao crime e da defesa de crime ou criminoso, respectivamente. Embora Pedro Bial não tenha usado a palavra “crime” como tipificado no Código Penal, ele usou a palavra “violência”, que poderia ser uma das muitas formas dominantes de descrevê-lo como crime na mídia. A distinção técnica entre incitar o crime (que é um crime) ou incitar a violência depende da interpretação do público, e a grande mídia sabe disso. Djonga, no entanto, vai ao encontro da descrição do criminoso historicamente construído, o suspeito padrão exaustivamente utilizado no jornalismo policial (Paulo, 2019), apesar de ser uma celebridade brasileira de fama internacional.

Você não ficaria preocupado?

Por meio de estereótipos racistas, a grande mídia explora a antipatia baseada em uma generalização imperfeita e inflexível que se dirige a um grupo inteiro ou a um indivíduo simplesmente por fazer parte desse grupo (Techio; Torres; Sousa, 2020). Não é exagero argumentar que quando o jornalista pergunta a Djonga se seu hino é uma incitação, o público acostumado ouve a sugestão de um crime relacionado a um jovem negro. A psicologia social informa que a violência policial é mais aceitável quando dirigida a membros de grupos minoritários. Portanto, a reação do rapper ao racismo estrutural é enquadrada como uma ofensa, em vez de uma informação. Como disse Césaire, a Négritude é um movimento literário e cultural de combate, choque, contra o racismo e o colonialismo. O poeta da Négritude odeia o racismo e o colonialismo porque são “barreiras que impedem que a comunicação se estabeleça” (Césaire, 1973, p. 104).

Independentemente da aprovação do público, Djonga e Césaire respondem com a mesma inflexão entediada, quase cansada: “les textes sont là” (os textos falam por si), e “quando eu disse aquilo ali, eu estava dizendo aquilo ali”. Como se o próprio reconhecimento de sua subjetividade ou da violência que sofrem devesse ser explicado repetidamente, até que as palavras perdessem suas punchlines. As reações contra as manifestações antirracistas podem desencorajar a juventude. Não obstante, a identificação com a luta é o próprio apelo à resistência.

Na música “Favela Vive 3”, a questão da violência contra a juventude negra e periférica não é tratada como dado científico ou apenas como informação infeliz do noticiário. A faixa é uma música emotiva que dá arrepios na espinha de quem vive a triste realidade brasileira. A violência é a principal causa de morte entre os jovens e 77% das vítimas de homicídio no Brasil são negras (Ipea, Atlas da Violência, 2021, p. 27; p. 49). “Favela Vive 3” é a terceira música da tetralogia “Favela Vive”. Usando um estilo cifrado de intercalar cinco MCs e seus respectivos versos, os rappers DK, do projeto ADL, Choice MC, Djonga, Menor do Chapa e Negra Li denunciam histórias reais. O primeiro verso, de DK, traz o assassinato de Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, por representantes do poder punitivo do estado do Rio de Janeiro. O adolescente foi morto no dia 20 de junho de 2018, com um tiro no estômago, dentro da escola de ensino fundamental Ciep Operário Vicente Mariano. Marcos Vinicius foi morto com o uniforme escolar, dentro da escola onde estudava, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Ele foi atingido por um tiro durante uma operação da Polícia Civil em conjunto com o Exército. O rapper DK pede revolta:

Se tu não parar de marra, meu bonde vem e te para
Se tu não abraça o papo, o papo vem e te abraça
Mano, os cana peida de subir de madrugada
Sempre marca operação com a porta da creche lotada
Mais uma mãe revoltada, uma pergunta sem resposta
Como o policial não viu o seu uniforme da escola?
Vinícius é atingido com a mochila nas costas
Como é que eu vou gritar que a favela vive agora?
(DK ADL, “Favela Vive 3”, 2018)

A ação da polícia dentro das favelas do Rio de Janeiro tem forte apelo junto às áreas mais conservadoras da sociedade. Não por acaso, essa demografia é a mesma que sustenta e incentiva o bolsonarismo, ao mesmo tempo que prega a liberação total da economia para o mercado externo, a censura às manifestações artísticas e, acredite ou não, a volta da ditadura militar. Disfarçados de protetores da moral e anticorrupção, o corredor conservador da sociedade brasileira ocupou historicamente lugares de poder político, com representantes da política local ao congresso nacional. Apoiada pelos barões industriais, pelos reis do agronegócio, pelos líderes neopentecostais e pelos industriais de armas, a política colonial brasileira tem sido denunciada. A violência é o meio para que essas estruturas permaneçam de pé.

Djonga convida outros jovens negros a pensar coletivamente sobre como são alvos das múltiplas formas de violência: vitimização, violência policial e estereótipos raciais. A mensagem, no entanto, alcança mais públicos do que aqueles imediatamente relacionados à sua voz lírica. É um apelo coletivo à preocupação:

Eu sei, eu sei
É, parece que nóis só apanha
Mas no meu lugar se ponha, e suponha que
No século 21 a cada 23 minutos morre um jovem negro
E você é negro que nem eu, pretim, ó
Não ficaria preocupado?
Eu sei bem o que cê pensou daí
Rezando não tava, deve ser desocupado
Mas o menor tava voltando do trampo
Disseram que o tiro só foi precipitado
No mais, saudade dos amigo que se foi
P.J.L. pros irmão que tá na tranca
(Djonga, “Favela Vive 3”, 2018)

É imprescindível que a juventude brasileira reaja contra as forças conservadoras que visam a manutenção da era colonial. Embora seja improvável que Bolsonaro e seu fascismo ultraliberal sui generis permaneçam no Executivo após o fim de seu mandato presidencial, Bolsonaro permanece como ideologia. Dessa obscuridade, as gerações atuais, sejam elas chamadas de hip hop ou gerações decoloniais, têm sido impelidas a se conscientizar de sua missão para cumpri-la, como pede Fanon. Nesse sentido, gritar “fogo nos racistas!” tem o poder de desvendar colonialidades através da consciência da subjetividade histórica.

E firma! Firma!

Fogo nos racistas!

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