Eleições: A chantagem neoliberal da velha mídia

Editoriais tentam enquadrar possível terceiro mandato de Lula. Exigem ministro “moderado” e agenda neoliberal, sem experimentos heterodoxos. Ou seja, querem a continuidade da terra arrasada sem os delírios bolsonaristas…

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Os grandes meios de comunicação bem que têm se esforçado um bocado. Em um primeiro momento, apostaram todas as suas fichas na manutenção a todo custo dos processos contra Lula na Justiça, mas tiveram que engolir calados as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou por reconhecer, de forma tardia, a nulidade das condenações impostas de forma irregular e ilegal pela quadrilha da Lava Jato em Curitiba.

Afinal, os julgamentos levados a efeito por Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e os demais integrantes da força tarefa tinham por objetivo fundamental condenar e encarcerar Lula, para impedi-lo de concorrer nas eleições de 2018. De acordo com a maioria das pesquisas realizadas à época, ele seria o único candidato em condições de vencer a disputa contra Bolsonaro. O superjuiz foi bem recompensado pelos bons serviços prestados, tendo sido nomeado pelo capitão para o cargo de superministro da Justiça e Segurança Pública.

Moro e Paulo Guedes tornaram-se os preferidos para esse pessoal do financismo, que podia até manter alguma divergência com os maus modos do novo presidente, mas mantinham sua admiração pela agenda neoliberal extremada do superministro da Economia e pelo falso discurso moralista contra a corrupção brandido aos quatro ventos pelo futuro senador eleito pelo Paraná.

A falência da terceira via

Mais à frente, os grandes meios de comunicação mudaram de estratégia e passaram apostar no surgimento de uma terceira via, que se viabilizasse como uma alternativa à polarização que já se anunciava entre Lula e Bolsonaro. A cada semana testavam algum nome diferente que pudesse vir a cumprir com essa missão. E assim foram apresentadas opções como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, o apresentador Luciano Huck, o ex-governador de São Paulo João Dória, o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite e a senadora Simone Tebet, entre tantos outros. Ocorre que nenhuma dessas alternativas conseguiu empolgar o eleitorado desde o início e foram desaparecendo ao longo do processo.

Constatada a impossibilidade de ver afirmada uma candidatura que viesse a cumprir esse roteiro e com a aproximação do primeiro turno, a grande imprensa muda novamente de estratégia e passa a tentar influenciar o programa e a própria composição do futuro governo Lula. A generalização de um movimento contrário à reeleição do capitão termina por consolidar no conjunto da sociedade um amplo sentimento de “todo mundo contra Bolsonaro”, envolvendo parcela considerável de lideranças políticas e empresariais das elites tupiniquins. Assim, lideranças políticas, empresários e economistas do campo conservador passam a apoiar publicamente a opção por Lula para o dia 30 de outubro.

A lista é ampla e extensa, contribuindo de forma estratégica para consolidar a possibilidade de vitória do ex-presidente no segundo turno. Esse é o movimento que atraiu declarações e fotos de apoio de Fernando Henrique Cardoso, ex-ministros do STF, Henrique Meirelles, vários juristas alinhados mais à destra no campo ideológico e economistas liberais e vinculados ao sistema financeiro. Aí temos Pedro Malan, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Elena Landau, dentre tantos outros nomes, que têm se manifestado contra continuidade de Bolsonaro e a favor da volta de Lula.

Lula sim, mas com a agenda conservadora

Ora, é mais do que conhecida a posição desse time no que se refere ao debate econômico. Em geral, sempre apresentaram divergências e oposição às políticas implementadas pelos governos Lula e Dilma. Mesmo para o quadro atual, não demonstram concordâncias com sugestões colocadas à mesa, como a revisão da reforma trabalhista, a revogação do teto de gastos, a flexibilização da austeridade fiscal, a desaceleração da agenda de privatizações ou mesmo a implementação de incentivos governamentais por meio de políticas públicas, como no caso da política industrial.

Dessa forma, esse é o caminho encontrado pelos grandes meios de comunicação para continuar exercendo sua pressão sobre Lula. Esgotadas as alternativas anteriores e colocados sob a aceleração da dinâmica eleitoral, buscam na chantagem explícita seu intento de arrancar do candidato as propostas que interessem ao financismo. Pipocam pelas páginas e pelas telas nomes de supostos candidatos a ocuparem postos na área econômica de Lula, na tentativa de emparedar o eventual futuro presidente.

Na verdade, esse pessoal se aproveita da delicadeza do momento político e eleitoral para arrancar algum compromisso do candidato com a agenda conservadora. Lula não pode ser muito claro na divergência, pois as pesquisas apontam para um segundo turno muito polarizado, onde cada escorregão tático e cada declaração mal compreendida podem ser fatais para o resultado final.

São sintomáticas dessa última fase do desespero da grande imprensa algumas matérias e também editoriais publicados recentemente pela Folha de São Paulo, pelo Globo e até mesmo pelo semanário The Economist.

Tentativa de controlar o terceiro mandato

O primeiro da Folha é datado de 8 de outubro e tem o sugestivo título “É a economia, Lula”. O articulista rasga todas as fantasias e parte para uma agressão que revela, a um só tempo, o desespero de perder o controle sobre o eventual vitorioso e a soberba de achar que Lula deve satisfação aos interesses dos poderosos. Vejamos aqui as pérolas mais significativas presentes no texto:

(…) “É um acinte, portanto, que Lula mantenha a opacidade quanto a seus planos e nomes para a gestão da economia” (…)

(…) “Na busca de votos ao centro e à direita, para além do apoio de formuladores do Plano Real e outros economistas de renome, Lula precisa romper com velhas doutrinas estatistas que, ao lado da corrupção, mancharam o legado das administrações petistas.” (…)

(…) “Promessas de mais gastos públicos e intervencionismo decerto podem agradar a ideólogos do partido e militantes, mas afugentam os estratos que têm os olhos voltados para a liberdade econômica, o empreendedorismo e a contenção da carga de impostos. Já passa da hora de reconhecer que a agenda liberal dos últimos anos trouxe avanços duradouros.” (…)

(…) “A relativa calmaria financeira de agora não exime Lula de apresentar seus planos e as pessoas que terão a responsabilidade de levá-los adiante.” (…)

Já os editoriais do Globo também insistem na mesma toada. Por um lado, buscam desqualificar as gestões anteriores de Lula e do PT, apontando o que teriam sido os equívocos na agenda da economia. Por outro, tentam pressionar para que o futuro presidente não se comprometa com propostas que desagradem às elites por suas tendências “intervencionistas ou gastadoras”.

(…) “A importância dos acordos programáticos, como o fechado com Marina, está em obrigar Lula a fazer concessões explícitas aos grupos políticos de cujo apoio precisa para vencer, em especial no campo econômico” (…)

(…) “a recuperação da capacidade de investimento do governo federal é um dos pilares para a retomada do crescimento econômico — ideia estapafúrdia que já se provou equivocada no passado, mas segue viva no discurso petista.” (…)

(…) “Há motivos para ceticismo diante do histórico petista. Em termos de ‘reindustrialização’, os governos Lula e Dilma Rousseff trouxeram a experiência funesta de forçar a produção interna de sondas de perfuração e navios para explorar o óleo do pré-sal. Foram gastos bilhões em subsídios. A aventura resultou em prejuízos bilionários e num gigantesco esquema de corrupção.” (…)

Finalmente, a também conservadora revista The Economist começa a se envolver de forma mais direta na disputa daquilo que deveria ser a cara do eventual terceiro mandato. Conhecida por expressar os sentimentos e os interesses do sistema financeiro internacional, a publicação adota a postura de apoiar Lula, mas exigindo nomeação de ministro “moderado” e compromissos com uma agenda liberal e sem espaço para experimentos heterodoxos.

(…) “Ele [Lula] deveria nomear publicamente um economista moderado como seu escolhido para ministro da Economia. Ele deveria reafirmar para os representantes do agronegócio que ele não vai tolerar invasões de terra organizadas por movimentos sociais próximos do PT. Ele deveria prometer não nacionalizar nenhuma indústria” (…)

Enfim, estes são apenas alguns exemplos da postura adotada pelos órgãos dos grandes meios de comunicação. Reconhecem que a reeleição de Bolsonaro apresenta o risco de continuidade de um projeto que vai contra padrões minimamente aceitáveis em termos de civilização, mas também apresentam seus receios de que a eleição de Lula possa significar a perda de controle da agenda econômica. Gostam de Paulo Guedes e sua gestão de destruição do Estado, mas agora perceberam que os tempos exigem Lula. No entanto, que ele venha amarrado a um mandato que não altere os fundamentos da pauta liberal.

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