A farra dos executivos da água-mercadoria

Retrato dos capatazes de luxo de empresas de saneamento privatizadas, a partir do caso brasileiro e inglês. Eles têm salários astronômicos uma missão: maximizar lucros, mesmo às custas de demissões, crimes ambientais e aumento de tarifas

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Em tudo há alguma coisa de bom. A questão é descobrir onde.
(Eleanor H. Porter, Pollyanna)

Os capitalistas há tempos sabem a importância de remunerar bem os executivos encarregados de maximizar os lucros de suas aplicações.

Esta verdade vale também quando o saneamento básico vira negócio. Na Grã-Bretanha, como destacado pelo jornal The Guardian, os executivos das empresas privadas de água e esgoto continuam a receber altíssimas remunerações mesmo com todas as falhas de desempenho em que as empresas incorreram nos últimos anos, especialmente quanto à poluição das águas dos rios e mares por esgoto, ao aumento das perdas na distribuição e à omissão no desenvolvimento de novos mananciais necessários a diminuir os riscos de racionamento na atual seca que a ilha britânica enfrenta.

No total, nos últimos cinco anos, os executivos chefes das onze empresas de água privatizadas da Inglaterra receberam 58 milhões de livras esterlinas em salários e benefícios, o que corresponde a R$ 346 milhões. Nesse mesmo período, as tarifas foram elevadas em 40%.

A executiva-chefe da Thames Water, Sarah Bentley, no ano passado recebeu sozinha remuneração de £ 2 milhões (R$ 12 milhões) entre salários e bônus. No mesmo ano, a Thames Water foi multada em £ 4 milhões por descarregar esgoto bruto em dois córregos de Oxford.

Peter Simpson, executivo-chefe da Anglian Water, empresa com um dos piores desempenhos em poluição por esgotos, recebeu no ano passado £ 1,3 milhão (R$ 7,7 milhões).

A executiva-chefe da Severn Trent, Liv Garfield, recebeu remuneração total em 2021 de £ 3,9 milhões, com sua empresa sendo multada em £ 1,5 milhão por despejar esgoto em Worcestershire no mesmo ano.

Mas o Brasil não fica para trás. Também aqui a privatização dos serviços de água e esgoto, para ser um bom negócio para os acionistas, precisa remunerar “adequadamente” seus executivos.

O Ondas fez uma investigação sumária sobre os valores pagos em média pelas três maiores empresas privadas (holdings de concessionárias de água e esgoto) para seus diretores-executivos em 2021. As informações são públicas e foram obtidas nas áreas dos sites dirigidas aos investidores da Aegea, Iguá e BRK, e podem ser encontradas na seção 13. 2 dos “formulários de referência” exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários.

Os valores médios mensais foram calculados dividindo a despesa anual com remuneração de diretores pelo número de diretores e por treze meses, para facilitar a comparação com a remuneração do leitor, se este tiver a sorte de ter uma remuneração estável.

A Aegea pagou em média por mês R$ 277,4 mil a cada um dos seus quatro diretores. Já os cinco diretores da BRK foram em média remunerados mensalmente com R$157 mil, enquanto a Iguá pagou aos seus diretores R$ 257 mil por mês em 2021. Estes valores correspondem a respectivamente 252, 143 e 234 salários mínimos de 2021 (R$1,1 mil).

Aegea, BRK e Iguá, informaram para 2021 receita operacional líquida ajustada de R$ 3,71 bilhões, R$ 2,30 bilhões e R$ 1,06 bilhão, respectivamente, e gastaram só com remuneração de seus diretores 0,39%; 0,44% e 1,9% da receita. Pode-se dizer que estes são os percentuais das contas de água e esgoto pagas pelos usuários que cobrem a remuneração dos diretores das holdings.

Para fins de comparação a Sabesp, sociedade de economia mista controlada pelo Estado de São Paulo, empresa de porte várias vezes maior do que qualquer dessas três privadas, faturou em 2021 R$ 19,5 bilhões e remunerou seus diretores com R$ 66 mil médios mensais. A Cagece, empresa estadual do Ceará e a CORSAN, do Rio Grande do Sul, faturaram respectivamente R$ 1,6 bilhão e R$ 3,4 bilhões em 2021 e, no mesmo exercício, pagaram em média a cada um dos seus diretores R$ 38,7 mil e R$ 29,7 mil por mês.

Aegea, BRK e Iguá são holdings porque controlam concessionárias locais, cada uma delas com seu quadro de diretores também remunerados com valores estratosféricos em um país onde 33% das famílias estão passando fome. Por exemplo, Água de Guariroba S.A., integrante do Grupo Aegea, em 2021 remunerou cada um dos seus diretores com um valor médio mensal de R$ 107 mil. De modo geral, o Relatório Anual de Sustentabilidade de 2021 do Grupo Aegea informa que no ano passado o grupo tinha 62 diretores (50 homens e 12 mulheres) que ganharam salários médios de R$ 47.157 (homens) e R$ 51.587 (mulheres) e receberam mensalmente entre salários e benefícios R$ 123.724 (mulheres) e R$ 106.388 (homens).

Deste mesmo relatório se observa que, em 2021, a remuneração média dos trabalhadores operacionais homens foi 24 vezes menor que a remuneração média dos diretores homens e que a remuneração média das trabalhadoras operacionais mulheres foi 33 vezes menor que a remuneração média das diretoras mulheres. Um exemplo concreto da reprodução das desigualdades típicas do neoliberalismo à brasileira.

É muita ingenuidade acreditar que tais valores de remuneração são autorizados pelos acionistas para que estes diretores persigam metas de desempenho e enfrentem o desafio de universalizar o atendimento, incluindo as famílias pobres.

Aqui, como na Inglaterra, os executivos são regiamente pagos para maximizar os lucros dos acionistas. Entre as suas estratégias mais usuais estão a redução dos salários dos trabalhadores, a terceirização dos serviços, o aumento das tarifas, a redução do número de famílias com acesso à tarifa social e a postergação de investimentos.

São alguns dos ônus de privatizar o saneamento e transformar direitos em mercadoria.

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