A greve das universidades e os ecos de 2013

À época, apego do então prefeito de São Paulo a razões de planilha voltaram contra a esquerda um movimento por transporte público mais barato. Onze anos depois, a mesma atitude pode radicalizar movimento grevista e corroer apoio ao governo Lula

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Titulo original:
Haddad insiste no austericídio

A busca daquilo que o mercado financeiro considera uma “meta fiscal responsável” converteu-se em uma verdadeira obsessão para o ministro da Fazenda desde o início do ano passado. Assim como aconteceu com seus antecessores Antonio Palocci, Joaquim Levy e Paulo Guedes, o atual ocupante do principal posto da política econômica do governo Lula 3.0 mantém uma espécie de profissão de fé em cumprir com os requisitos destruidores da austeridade extremada.

A sua declaração mais recente a esse respeito relaciona-se ao pleito dos servidores públicos federais, que reivindicam medidas para viabilizar o justo e necessário processo de recomposição das perdas salariais verificadas ao longo dos últimos anos. Enquanto a ministra da Gestão, Esther Dweck, buscava alguma solução para apresentar aos representantes das diferentes categorias da administração púbica federal na mesa de negociação, Fernando Haddad fechava as portas para qualquer tipo de entendimento. Ele se saiu com mais uma negativa, pois segundo disse o “Orçamento está fechado” e não haverá nenhum reajuste em 2024.

A atual conduta do responsável pela liberação de recursos lembra muito o seu comportamento quando ocupava o cargo de prefeito de São Paulo. Em 2013 teve início um movimento de protesto contra um reajuste de R$ 0,20 nas tarifas de transporte público municipal, aumento esse que havia sido autorizado por ele. Em seu primeiro ano de mandato, Haddad ignorou o pleito do Movimento Passe Livre, liderado por jovens e estudantes da capital. A recusa do chefe do Executivo funcionou como catalisador da reivindicação acabou por desaguar na generalização dos protestos das chamadas jornadas de 2013.

A greve dos servidores públicos e a recusa de Haddad

Pois agora o seu comportamento em prol do austericídio corre o risco de provocar novamente uma ampliação do movimento liderado pelas associações e sindicatos de servidores. Afinal, é de amplo conhecimento que o titular da Fazenda autorizou e já concedeu aumentos seletivos para determinadas categorias do funcionalismo. Para além de reajustes já recebidos pelos funcionários do Legislativo e do Judiciário, foram autorizadas elevações de vencimentos para Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal, dentre outras. Assim, a ausência de tratamento isonômico torna ainda mais inaceitável o discurso oficial a respeito de uma suposta “ausência de recursos” como argumento sempre utilizado para não negociar.

Ora, a mesma força e determinação com que Haddad recusa qualquer tipo de concessão às reivindicações dos servidores parece estar na base de sua convicção e adesão aos pleitos do financismo. Na mesma planilha com a qual o ministro exibe sua satisfação com a meta de zerar o déficit primário no presente ano, ali estão também presentes os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Assim, ao longo dos últimos doze meses, o Banco Central nos informa que o governo alocou o total de R$ 747 bilhões a título deste tipo de despesa financeira. Trata-se de um valor recorde na série histórica de tais gastos.

Cortes, cortes e mais cortes

Isso significa dizer que, ao contrário do que alardeia Haddad todos os dias, os recursos existem e estão à disposição do governo. Tudo depende de qual é a prioridade que o titular da Fazenda concede ao destinatário da despesa pública. Quando se trata de oferecer benesses ao topo do 1% de nossa pirâmide da desigualdade social e econômica, o Ministro não vacila em nenhum instante. A jogadinha malandra no plano da retórica reside no uso do singelo adjetivo “primário”. Como no jargão do financês ele se define como sendo todo gasto não-financeiro, por um expediente tautológico o pagamento de juros não deve entrar no cômputo de tetos, limites ou contingenciamento. Uma loucura!

Daí a obstinação do ministro em promover cortes em áreas como saúde, previdência social, educação, segurança pública, assistência social, saneamento, salários de servidores, investimentos públicos em geral, transportes, entre tantas outras. Às favas com as promessas de Lula durante a campanha eleitoral de 2022 ou com as necessidades do País e da grande maioria da população. Ao que tudo indica aquilo que importa mesmo para Haddad é atender às expectativas e às demandas do povo da Faria Lima. Tanto que, em nenhum momento, ele se preocupou em desmentir as notícias divulgadas por seus assessores e secretários a respeito da “necessidade” de se promover a desvinculação dos pisos constitucionais para saúde e educação.

Além disso, o próprio Banco Central se encarrega de nos exibir dados que também desmentem o titular da Fazenda a respeito da suposta indisponibilidade de recursos para colocar o Brasil na trilha do desenvolvimento social e econômico. É o caso da divulgação mais recente dos demonstrativos financeiros do órgão, onde estão exibidos os valores do saldo da Conta Única do Tesouro junto ao Banco. Ali está expresso um saldo credor de R$ 1,7 trilhão. Trata-se de valores à disposição da administração federal justamente para que sejam utilizados na implementação de programas de governo e no encaminhamento das políticas públicas. Mas o ministro prefere ignorar a realidade e insistir na prática do austericídio.

Haddad segue focado na rota dos cortes a todo custo, preocupado apenas em cumprir a meta de déficit zero para o presente ano. Apesar de todos saberem ser impossível que tal objetivo seja alcançado sem que sejam sentidos enormes prejuízos na área social, o ministro segue em frente rumo ao precipício. O dramático desta tragédia autoimposta é que ele leva para tal aventura o destino político e eleitoral do terceiro mandato de Lula.

Os recursos existem: R$ 1,7 trilhão na Conta do Tesouro

As pesquisas mais recentes de popularidade dão conta de dificuldades crescentes enfrentadas pelo governo no que se refere à opinião pública. Dentre tantos itens apontados nas respostas aos questionários, chamam a atenção os aspectos relacionados à situação econômica do País. O presidente da República tem encontrado dificuldades em fazer com que os candidatos apoiados por ele às prefeituras estejam em condições de vencer o pleito de outubro.

Já é passado o momento para que Lula assuma as rédeas do comando da economia e oriente uma mudança de rumo. Ao final de abril, será ultrapassada a marca de um terço de seu mandato. Para os próximos 32 meses é fundamental acelerar os programas de governo voltados ao crescimento das atividades econômicas e à geração de emprego. Mas para tanto, o titular do Planalto precisa se convencer, assim como ocorreu com o Diretório Nacional de seu partido em dezembro passado, de que o austericídio opera com um tiro em seu próprio pé.

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Um comentario para "A greve das universidades e os ecos de 2013"

  1. Mendell disse:

    O texto do Paulo é cirúrgico.É inadmissível que o Governo do Presidente Companheiro não esteja se lembrando dos idos de 2013 e, mais ainda, não tenha aprendido nada com o que aconteceu. Gustavo Petro (presidente colombiano) é um ótimo exemplo a ser analisado pelo Governo Lula 3: assumiu um país com guerra civil declarada; precisou de frente ampla para se eleger; é o primeiro governo de Esquerda da historia colombiana. Com esse panorama, Petro não cedeu aos seus chantagistas, trocou seus ministros para manter propostas de campanha e botou o povo na rua (consciente e combativo) para frear os impulsos golpistas da burguesia e seus militares.

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