Como 1964 se forjou na caldeira da luta de classes

De um lado, as transnacionais ansiam por ampliar suas margens de lucros no Brasil para compensar perdas nas matrizes. Mas as lutas operárias eram intensas – e empecilho. Golpe veio para estender tapete a alguns – e esmagar outros

Em 13 de março de 1964, 300 mil trabalhadores se reúnem para apoiar as Reformas de Base de Jango, a poucas semanas da deflagração do golpe
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Por Gabriel Teles

O período da ditadura militar brasileira (1964-1985) significou uma nova reconversão da forma estatal do país. Uma das fragilidades do capitalismo subordinado é o seu aparato estatal que oscila, efemeramente, entre regimes ditatoriais e democráticos. A questão aqui, no entanto, é analisar rapidamente as especificidades da ditadura militar que se iniciou com o golpe de Estado de 1964.

Dois são os elementos fundamentais para o desencadeamento do golpe militar de 64: as lutas dos trabalhadores, no cenário de crise mundial do regime de acumulação conjugado, e a busca pelo aumento da taxa de extração de mais-valor no capitalismo subordinado brasileiro – significando, portanto, maior exploração. É na década de 60 que aparecem os primeiros sintomas da crise do capitalismo oligopolista transnacional: os Estados Unidos, maior potência econômica, apresenta déficits expressivos em sua balança comercial ao longo de toda a década de 50, além da queda da taxa lucro nos países europeus.

Consequência desse processo foi, além de outras ações, a necessidade de aumento da exploração nos países de capitalismo subordinado, especialmente via drenagem do mais-valor pelo capital transnacional. O período dos governos desenvolvimentistas populistas foi fundamental para a integral inserção do capital transnacional no país, sobretudo o governo de Juscelino Kubitschek, com a expansão da infraestrutura do país, significando a já mencionada tríplice aliança no capitalismo brasileiro da época.

Assim, se há o aumento da exploração, há a ampliação, igualmente, da resistência e das lutas dos trabalhadores e dos demais setores da sociedade. Há, então, uma guerra, especialmente no movimento operário, pelo nível salarial, que oscilava e perdia valor com a intensa inflação daquele período histórico.

A oscilação salarial bem como a resistência operária e as lutas no interior da sociedade civil interferem direta ou indiretamente no capitalismo mundial. Um dos fundamentos do capital transnacional é a transferência de mais-valor dos países subordinados para os países imperialistas, significando, portanto, uma interdependência. Daí a participação, fundamental, dos Estados Unidos no golpe de 1964. Benevides (2006) evidencia que a participação estadunidense na implementação do regime ditatorial brasileiro significou a necessidade de fortalecimento de uma política econômica que favorecesse, mais ainda, a entrada e consolidação das empresas multinacionais no Brasil.

Em síntese, havia um duplo descontentamento: de um lado, o capital transnacional e o capital nacional insatisfeitos com a queda da taxa de exploração, aprofundada com a crise no regime de acumulação conjugado; e, por outro, o movimento operário e outros setores da sociedade civil, que ficam com seus salários e suas condições de vida pauperizados a cada ano. Assim, por razões opostas ou antagônicas, o descontentamento é generalizado, contribuindo para um maior acirramento dos conflitos sociais.

A renovação do regime ditatorial brasileiro, no contexto de 1964, tinha como determinação esse processo, obtendo êxito em dilacerar a resistência operária e da sociedade civil, além de expurgar os governos populistas que travavam, na principal forma de regularização da sociedade (Estado), medidas que possibilitassem uma necessária alta da taxa de lucro. Nesse sentido, o golpe de 1964 emerge como uma solução, tanto nacional quanto internacional, para o problema de crise da acumulação de capital, criando condições para isso a partir de um generalizado processo repressivo. É nesses moldes que surge o “milagre brasileiro”.

Leituras recomendadas:


BENEVIDES, Sílvio César Oliveira. Na Contramão do Poder: juventude e movimento estudantil. São Paulo: Annablume, 2006.

MARIANO, Nilson. As garras do condor: como as ditaduras militares da Argentina, do Chile, do Uruguai, do Brasil, da Bolívia e do Paraguai se associaram para eliminar adversários políticos. Editora Vozes, 2003.

TRAGTENBERG, Maurício. Exploração do Trabalho I: Brasil. In: Administração, poder e ideologia. 3. ed. rev. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

VALENTE, Rubens. Os fuzis e as flechas: História de sangue e resistência indígena na ditadura. São Paulo: Cia da Letras, 2017.

VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: o diálogo é a violência – movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. 2° ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2018.

VIANA, Nildo. Acumulação capitalista e golpe de 64. Revista História e Luta de Classes, Rio de Janeiro, v.01, n. 01, p. 19-27, 2005.

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