A face ruralista de FHC

Das fazendas supervalorizadas ao apartamento parisiense, velha mídia e Judiciário parecem blindá-lo. Livro recém-lançado revela o repentino aumento da fortuna do ex-presidente tucano — e como ele se tornou o príncipe da Casa Grande

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Esta é a introdução do livro O Protegido – Por que o país ignora as terras de FHC, de Alceu Castilho, publicado pela editora Autonomia Literária. O lançamento será no dia 30/7, em São Paulo (mais informações). Colaboradores de Outros Quinhentos, nosso programa de sustentação autônoma, têm exemplares com descontos expressivos e concorrem a sorteio. Veja aqui.

Fernando Henrique Cardoso voltou a ser dono de canavial em Botucatu (SP). Como em 2012. Ele tinha deixado, por alguns anos, de ser sócio da empresa agropecuária Goytacazes Participações Ltda. E, por isso, as duas propriedades rurais no interior paulista estavam apenas em nome de Beatriz, Luciana e Paulo Henrique Cardoso, seus filhos. 

Em 2018, a série de reportagens “FHC, o Fazendeiro” – publicada no observatório De Olho nos Ruralistas – revelou a existência desse canavial. Naquele ano, Fernando Henrique não figurava como sócio. O capital social da empresa era de R$ 5,7 milhões. Em um ano, deu um salto, para R$ 8,9 milhões. Exatamente com a parte de FHC.

A prosperidade empresarial da família Cardoso ocorre apesar de uma perda relevante para a Goytacazes: uma das duas propriedades rurais em Botucatu, a menor delas, de 36 hectares, foi desapropriada pela prefeitura local. Pelo valor simbólico de R$ 5. Motivo: acordo amigável. No local será construída uma represa.

As terras restantes serão valorizadas. Entre elas, a Fazenda Três Sinos, de 205 hectares. Com a vizinhança de uma represa e as mudanças do Plano Diretor do município, em 2017, propriedades como a do sociólogo que governou o país entre 1995 e 2003 poderão se tornar chácaras de recreio. 

Essas informações se baseiam em documentos e declarações oficiais. Mas o enredo não atraiu a atenção da imprensa brasileira. Salvo a CartaCapital, que decidiu fazer uma capa sobre o tema. Globo, Folha, Estadão, Valor, Band, Record, SBT e companhia continuam ignorando os fatos. Por quê?

O Judiciário brasileiro mostrou-se bem mais preocupado com as movimentações em torno de um sítio em Atibaia, o Santa Bárbara, de 3 hectares. Pertencente a Fernando Bittar, mas atribuído a outro ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. A disputa narrativa tem seu equivalente midiático: o “sítio de Lula” motivou centenas de reportagens.

Essa desproporção é o principal motivo para se transformar a série “FHC, o Fazendeiro” em livro. Com atualizações e com uma nova divisão, agora inspirada em personagens centrais para a trama. Entre eles, Emílio Alves Odebrecht e Jovelino Carvalho Mineiro Filho. O patriarca da empreiteira e a eminência agrária de FHC. Sócios.

“De Motta a FHC” mostra como o ex-ministro Sérgio Motta teve um papel decisivo na transformação do sociólogo em fazendeiro. Inicialmente, um pecuarista. A fazenda Córrego da Ponte, em Minas, foi um foco de tensão ao longo das duas gestões de Cardoso. Com direito a expulsão de camponeses pelo Exército.

O sucessor de Motta na sociedade foi exatamente Jovelino Mineiro. Os capítulos dedicados ao empresário, “De FHC a Jovelino”, são uma pista para se entender sua influência junto a Fernando Henrique – que o chama carinhosamente de Nê. Mas quase toda esta trama – inclusive a história do canavial – passa pela vasta rede política e econômica por ele construída.

Por exemplo, o famoso apartamento em Paris. “De Jovelino a Abreu Sodré” mostra como o ex-governador biônico – e apoiador do golpe de 1964 – Roberto de Abreu Sodré estendeu seu poder a Jovelino e, em consequência, FHC. Era ele o dono do imóvel na Avenue Foch, herdado por Maria do Carmo Mineiro, a mulher de Jovelino, e utilizado pelo ex-presidente.

“De FHC a Jonas” traz outro personagem relacionado à trama parisiense: Jonas Barcellos Corrêa Filho. Novidade: o pai de Jonas presidia em Minas o instituto de empresários que bancou a derrubada de João Goulart. Embora não tão próximo de FHC como Jovelino, Barcellos tem desenvoltura junto ao poder – em particular, o alto tucanato.

E assim chegamos a uma das principais motivações para esta pesquisa iniciada em 2017: as relações de FHC com a Odebrecht. Que motivos haveria para o ex-presidente ficar “melindrado” com investigações na Operação Lava Jato, conforme preocupação exposta pelo ex-juiz Sérgio Moro em conversa (revelada pelo Intercept Brasil) com o procurador Deltan Dallagnol?

“De Jovelino a Odebrecht” e “De Odebrecht a FHC” ajudam a responder essa pergunta. Ou, pelo menos, a expor algumas dúvidas. Por que, por exemplo, o advogado de Fernando Henrique Cardoso representou Jovelino Mineiro e Emílio Odebrecht em uma assembleia da empresa de genética onde os dois são sócios? Onde começa e onde termina essa rede de amizades?

A Odebrecht, segundo Emílio, financiou campanhas de FHC. E foi uma das financiadoras do Instituto Fernando Henrique Cardoso, hoje Fundação FHC. Isso saiu no Jornal Nacional – e foi o motivo para o início desta pesquisa, ainda em 2017, diante dos esclarecimentos evasivos feitos pelo ex-presidente.

Outras duas partes do livro, “De FHC aos empresários” e “Dos empresários a Jovelino”, mostram o papel de Jovelino Mineiro na articulação desses empresários, dos empreiteiros – entre eles Emílio Odebrecht – aos banqueiros. Onde estão eles, dezessete anos após o jantar no Palácio do Alvorada que selou o apoio à fundação?

Alguns desses empresários tiveram problemas com a Justiça, como Luiz Nascimento, da Camargo Corrêa, e os portugueses do Grupo Espírito Santo. A história de Ricardo Espírito Santo e companhia passa também por Jovelino Mineiro e por Botucatu, sede do canavial dos Cardoso. Mas a imprensa brasileira parece ter se esquecido da família Espírito Santo.

“De Jovelino à imprensa” mostra como Jovelino, Jonas e Grupo Espírito Santo decidiram criar o próprio canal de imprensa, o Terra Viva. E como Nê tem relação direta com a família Civita, conhecida pelo antigo império do grupo Abril. Nesses casos a imprensa deixa de ser apenas a suposta mediadora e se esgueira como protagonista.

As duas partes intituladas “FHC, o Canavieiro” abrem e fecham o livro, já com a imprensa como tema transversal. A história do sociólogo que se tornou canavieiro é também a história de uma omissão – e de uma blindagem. Não é apenas um juiz ou um procurador que toma Fernando Henrique Cardoso alguém muito especial.

É um sistema. Costurado politicamente por FHC, mas enraizado no velho mundinho das elites brasileiras. O nome da empresa agropecuária do sociólogo, “Goytacazes Participações”, oferece uma falsa pista: os povos indígenas não têm nada a ver com isso. Esta é a história dos outros 500 anos – dos que mandam e dos que abocanham o território.

Não à toa, quase todos os personagens do livro aparecem como mecenas e como figuras beneméritas de algumas das principais instituições culturais do país, do Masp à Osesp. A disputa política se desenha de forma indissociável da disputa por imagens. Do outro lado dos canaviais e dos touros há brasileiros delicados emocionando-se com quadros e sinfonias.

O príncipe da sociologia brasileira é a mais completa tradução desse pêndulo.

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4 comentários para "A face ruralista de FHC"

  1. Claudio Valverde disse:

    Eu acho que se não prescreveu, devia se investigar FHC .
    Mas….usar isto como desculpa, e achar que porque não investigou o FHC não têm direito de investigar e prender o Lula aí é demais.
    Esses processos que o Lula foi condenado são ninharias perto do que ouvimos através de delações.
    Infelizmente , o carismático ex presidente se corrompeu ao ver a grana que rolava na “empresa” que administrou.
    Acreditar que essa enxurrada de delações e condenações é tudo farsa não faz sentido.

  2. JORGE disse:

    Leia o livro. Deixe de ser BOÇALnaro… ou robô!

  3. Joaquim Zeferino Galvão de Melo disse:

    Essa turma do foro de São Paulo, tem muito dinheiro…
    São os “velhos socialista”…kkk

  4. Valdemir Vital disse:

    Chega a ser ridícula e hilária a afirmação de que áreas de terras rurais que somam pouco menos de 250 hectares tornariam FHC um grande fazendeiro. Ainda mais ridículo é considerar um sítio de 37 hectares em canavial. O viés ideológico do texto fica claramente exposto.

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